Se na Câmara dos Deputados dos dias de hoje promessas de aumento de salário e ofertas de ampliação dos benefícios são plataformas que ajudam a atrair votos para aqueles que se candidatam a presidir a Casa, num passado não muito distante os parlamentares não tinham nem gabinete nem assessores.

- A única ajuda que tínhamos era de uma bibliotecária que namorava um dos colegas e nos ajudava a fazer algumas pesquisas - lembra, rindo, o mineiro Affonso Arinos de Mello Franco Filho, que tem 84 anos de idade e foi deputado federal pelo Rio de Janeiro na década de 1960.

A estrutura limitada também povoa a memória do baiano Waldir Pires, de 88 anos. O ex-ministro da Defesa de Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito deputado federal em 1958, quando a capital ainda era o Rio de Janeiro, e se lembra de ter trabalhado num ambiente muito diferente:

- Passávamos a tarde no plenário. Só havia gabinete para os membros da mesa e para as lideranças do partido da maioria e da minoria. Quem tinha assessores eram as comissões. Elas cobriam um pouco a necessidade de consultas, mas, na maioria das vezes, fazíamos as pesquisas em casa.

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Deputados dividiam 'lotação' para ir trabalhar  

O salário oferecido pela Câmara dos Deputados em 1958 era de cerca de R$ 16 mil, segundo correção feita pelo índice IGP-DI da Fundação Getulio Vargas, metade dos R$ 33.763 fixados para a Legislatura que começou ontem.

Na memória de Waldir Pires, os deputados tinham uma vida "muito apertada". Só para o aluguel de seu apartamento em Copacabana, na Zona Sul do Rio, ele destinava metade do que recebia. Benefícios como o auxílio-moradia ou a cota parlamentar, atualmente usada em transporte, telefonia e serviços postais, não existiam. Hoje, cada deputado dispõe de até 25 assessores.

- Era complicado - lembra o baiano. - Com quatro filhos, eu precisava de um apartamento de três quartos, e a metade do meu salário ia para isso.

Apertada também era a "lotação" que ele dividia com outras nove pessoas para ir ao Palácio Tiradentes, no Centro do Rio, onde funcionava a Câmara antes de ser transferida para Brasília.

menos mulheres

Viagens para os estados de origem também eram um problema para os deputados de antigamente. Nas décadas de 1950 e 1960, os gastos ficavam a cargo do parlamentar, que, por lei, recebia um desconto de 50% nas passagens aéreas. Só a partir de 1971 o auxílio para transporte aéreo foi regulamentado e passou a cobrir passagens entre Brasília e o estado de origem do parlamentar eleito.

- Não dava para ficar para cima e para baixo, a questão era mais disciplinada - conta Pires.

Além da estrutura bem menor e menos onerosa, o ambiente político de outrora era diferente: as galerias da Câmara costumavam ficar lotadas. Segundo Affonso Arinos de Mello Franco Filho, discussões acaloradas eram rotina nas sessões plenárias.

- Os debates eram muito bonitos porque havia aqueles que estavam seriamente de um lado e de outro. Ideologicamente e politicamente era muito diferente.

Por outro lado, no passado, a transparência e o poder de vigilância da sociedade sobre os parlamentares eram menores.

- O ambiente democrático é muito mais transparente agora - destaca o deputado federal Miro Teixeira (PROS), que chegou à Câmara pela primeira vez em 1971. - Na ditadura, os regimes eram muito mais corruptos, e o povo não tinha conhecimento (do que ocorria).

O número de mulheres é outro ponto a favor do Congresso atual. Em 1958, Ivette Vargas foi a única deputada federal eleita. Nas eleições do ano passado, 51 mulheres conquistaram uma cadeira na Câmara dos Deputados.