Título: O discreto e poderoso decano do Planalto
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Correio Braziliense, 31/07/2011, Política, p. 4

Conhecido pela polidez, ministro, remanescente da era Lula, aconselha Dilma no palácio

Gilberto Carvalho não é alto. Também não tem uma voz retumbante e nem gosta de púlpitos para desfilar pérolas políticas e filosóficas. Torce pelo Palmeiras, considerado o principal rival do time do coração de um de seus principais amigos e mentores ¿ o corintiano Luiz Inácio Lula da Silva. Com uma formação teológica, não faz questão de ostentar poder ou demonstrar prestígio. Mas Gilberto amplificou o seu grau de influência nos últimos meses, após a queda do então chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. Tornou-se decano do Planalto e principal conselheiro da presidente Dilma Rousseff e das ministras Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil).

Até nisso, Gilberto contraria a lógica. "Ele é o "bendito é o fruto" em um palácio comandado por mulheres", brincou o senador Delcídio Amaral (PT-MS). Ninguém na sede principal do Poder Executivo tem tanta quilometragem de governo quanto ele. A presidente Dilma Rousseff está na equipe desde 2003, mas ela ocupava antes o Ministério de Minas e Energia. Gilberto já estava no Planalto, em um gabinete colado com o do presidente Lula. Uma proximidade que vem de muito tempo. Responsável pela agenda do petista durante a campanha, acostumou-se a ser xingado pelo ex-chefe do Executivo, mas devolve os palavrões no mesmo tom ¿ é bem verdade que, em alguns casos, o revide vinha em outro momento, para não romper a liturgia do cargo. "Por esse homem, eu posso morrer", admitiu o ministro, em seu discurso de posse.

Quando Dilma assumiu, em janeiro, não pensou duas vezes: convocou "Gilbertinho" para, segundo ele, no mesmo discurso, "dizer as verdades, falar das coisas como elas acontecem e me trazer a sensibilidade e o sofrimento do povo e dos movimentos sociais". Gilberto incorporou o papel, agregando a sua conhecida humildade. Uma companheira de quarto andar do Palácio do Planalto não lembra de nenhum momento em que tenha cruzado pelo corredor com o secretário-geral da Presidência sem que ele tenha lhe dado bom-dia ou perguntado como estava. "Ele olha nos olhos da pessoa." Segundo a interlocutora, não aquele olhar lançado por algumas pessoas com o intuito de seduzir. "Não, ele tem um interesse cristão pelo bem-estar dos outros", confirmou essa assessora palaciana.

Em conversas com jornalistas no início do ano, Gilberto admitiu que ainda não estava acostumado com o "figurino de ministro". Em tom de brincadeira, disse que duas coisas o incomodavam. "Como ministro, eu tenho de dar entrevistas. Antes, como chefe de gabinete, podia passar mais discretamente." A segunda coisa é ainda mais curiosa: "De vez em quando, me dá vontade de entrar no gabinete presidencial e ver o que está acontecendo". Questionado se ele não teria autonomia para fazer isso na gestão Dilma ¿ afinal, despacha com a presidente diariamente, na primeira agenda matinal ¿ esquiva-se: "Posso, mas só quando ela me chama", disse, com um sorriso fácil no rosto.

Hoje, os tempos mudaram. O todo poderoso ex-chefe da Casa Civil Antonio Palocci não despacha mais no quarto andar. Sua sucessora, Gleisi Hoffmann, é debutante até mesmo no Senado ¿ assumiu o mandato em fevereiro deste ano. Foi pega de surpresa para assumir a pasta, topou o desafio, mas não abre mão de consultar Gilberto Carvalho nos momentos de dificuldade. Ao Correio, Gleisi lembra de uma cena que considera comovente vivida ao lado de Gilberto. "Eu o visitei em 2003, quando Lula tomou posse e ele se transformou em chefe de gabinete. Parecia incomodado", recorda. Ela indagou se havia algo errado. "Ele me respondeu que achava o gabinete grande demais. Tempos depois, fui visitá-lo e a sala tinha sido reduzida pela metade. O Giles (Giles Carriconde Azevedo, chefe de gabinete de Dilma) despacha apertado por culpa do Gilberto", brincou a ministra.

Elogios ao sucessor A relação de Giles com Gilberto também é franca. O atual secretário-geral da Presidência elogia muito seu sucessor na chefia do gabinete, considerando-o leal e competente. E sai em sua defesa quando a presidente Dilma Rousseff "solta os cachorros" sobre o auxiliar. Nessas horas, segundo Gilberto, não existem diferenças entre Lula e Dilma. "Sentou naquela cadeira, grita mesmo. Mas eu falo para o Giles responder no mesmo tom. Nossa classe (de chefes de gabinete) precisa ser unida", diverte-se Gilberto, pai de cinco filhos ¿ dois deles adotivos.

Lula também não se cansava de provocá-lo sobre uma pequena chácara que Gilberto mantém nos arredores de Brasília. "Gilbertinho, aquela terrinha nunca vai dar nada não?", cutucava o presidente. Hoje, Gilberto comemora a plantação de tomates sem agrotóxicos, que será até tema do programa Cidades e soluções, da Globonews. Mas o ministro demonstrou preocupação, recentemente, durante audiência com representantes dos movimentos sociais. "Espero que o novo Código Florestal não me dê dor de cabeça", declarou, meneando a cabeça e segurando a gargalhada.

Paixão por futebol Nos tempos de chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho sofria com a pressão corintiana do ex-presidente, fanático pelo esporte bretão. Quando o Corinthians foi campeão da Copa do Brasil em 2009, Gilberto espezinhou: disse que o gabinete presidencial estava "irritantemente alvinegro e lamentavelmente pouco verdejante". A rivalidade futebolística entre os dois sempre foi levada na brincadeira.