BELO HORIZONTE E BRASÍLIA

Enquanto a Operação Lava-Jato avança na investigação do esquema de corrupção na Petrobras, os petistas estão reunidos em Belo Horizonte para comemorar os 35 anos do partido. Mas ontem o assunto da festa foi a operação da Polícia Federal. Os petistas chegaram a falar em golpe e reclamaram da forma como o tesoureiro João Vaccari Neto foi conduzido ontem à PF de São Paulo para prestar depoimento, na véspera da festa.

O presidente nacional do partido, Rui Falcão, queixou-se de uma "tentativa de criminalizar o PT". Ele também afirmou que Vaccari "nunca pôs dinheiro no bolso".

- É uma tentativa de criminalização do PT através da figura do Vaccari. Não há nenhuma prova, nenhuma circunstância. Essas coisas vão sendo repetidas. E agora, de maneira muito coincidente, na véspera do aniversário do PT. É uma coincidência gravíssima que uma pessoa que vem sendo enxovalhada sem provas seja levada sob condução coercitiva.

Falcão disse ainda que a operação de ontem foi "espetaculosa, induzida, forjada para tentar empanar o brilho do nosso 35º aniversário". Quando perguntado quem estava perseguindo o partido, respondeu:

- É um conjunto de circunstâncias com o apoio de uma certa mídia. Está tendo uma momento de criminalização, é um movimento difuso, de vários setores e com a participação de algumas pessoas do Judiciário.

O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) chegou a falar de um suposto golpe contra o PT.

- O que percebo agora é que parte do PSDB, lamentavelmente, como diz Rui Falcão, está flertando com golpismo. Não pode falar que é tese jurídica, é lamentável aquele texto do Ives Gandra sugerindo o impeachment por omissão, é uma vergonha, isso é golpe. E agora essa condução coercitiva! Se fosse prisão, com mandado de prisão, mas essa condução na véspera do aniversário. Tudo isso parece que querem fazer uma cortina de fumaça e criar uma condição, criar instabilidade na democracia.

Questionado se havia perguntado a Vaccari sobre os US$ 50 milhões que teriam sido pagos a ele como propina, Rui Falcão disse que "são denúncias vazias, quem acusa tem de provar".

- Não pergunto isso a ele porque seria ofender a honra de um companheiro em que tenho confiança de que nunca pôs dinheiro no bolso.

Em Brasília, a presidente Dilma Rousseff chamou o núcleo político do governo para uma reunião de emergência no Palácio da Alvorada no fim da tarde de ontem, na qual, além da definição da nova cúpula da Petrobras estavam as denúncias contra Vaccari. Um ministro da área política disse que Vaccari deveria ter se licenciado da função que ocupa no PT. Essa seria a opinião geral na cúpula do governo.

No Congresso, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), classificou as denúncias como "estarrecedoras" e cobrou a continuidade das investigações, inclusive com a CPI.

- As denúncias tornadas públicas hoje (ontem) no depoimento de um ex-dirigente da Petrobras são estarrecedoras. Durante a campanha eleitoral, eu várias vezes cobrava, inclusive da candidata Dilma Rousseff, uma posição sobre se ela confiava ou não no tesoureiro do seu partido, hoje, denunciado por este dirigente da Petrobras como o receptor de parte deste recurso desviado. Nada como o tempo para trazer luz à verdade - disse Aécio.

O líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE), avaliou que o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco deve ser um dos primeiros convocados a depor na nova CPI que investigará as denúncias de corrupção na estatal.

Já o ex-ministro da Justiça Tarso Genro defende que a presidente Dilma se pronuncie sobre as acusações. Para ele, o governo está muito calado diante do que ele considerou uma articulação política para tentar a "aventura do impeachment":

- Nosso governo tem de começar a falar do cerco político a que está sendo submetido. Isso tem ocorrido em outros governos e, no fundo, está a disputa pelos rumos da economia. É a estratégia dos perdedores que querem fazer com que o governo siga a agenda deles.

Genro disse ainda estranhar a data e a forma com que o depoimento de Vaccari foi tomado:

- É estranho que façam uma condução coercitiva no dia do aniversário do partido.

____________________________________________________________________________________________________________________

É hora de organizar a política 

BRASÍLIA

Pouco após ser eleita, a presidente Dilma Rousseff resolveu enfrentar as críticas vindouras e nomear o liberal Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, indo contra tudo o que pregou durante a campanha eleitoral. Ex-colaborador do programa tucano de Aécio Neves, Levy assumiu e passou a anunciar cortes de benefícios sociais e aumento de impostos. Dilma se encapsulou no Planalto, mas admitiu que não lhe restava alternativa a não ser aplicar o remédio amargo, confiando ser esta a única forma de recuperar a economia depois de um mandato com o mais baixo crescimento econômico desde o do ex-presidente Fernando Collor de Mello.

Se a eleição ganha pela menor margem da história brasileira a convenceu a mudar a gestão econômica, o mesmo não ocorreu em relação à condução política. O maior símbolo da falência da gestão política do governo foi a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) com quase o dobro de votos de Arlindo Chinaglia (PT-SP), que tinha todos os ministros próximos à presidente atuando abertamente em sua campanha. Esse percalço foi consequência direta do estilo adotado no primeiro mandato da presidente, quando evitou ao máximo receber parlamentares e manteve permanentemente uma visão utilitarista do Congresso.

Até hoje, Dilma parece não ter percebido que deputados e senadores têm a mesma legitimidade do presidente, justamente por terem chegado a Brasília pelos mesmos meios: o voto direto. Cabe ao Poder Executivo, portanto, dialogar com eles e tentar, sempre que possível, partilhar políticas públicas.

Se há muitos congressistas que estão na política em busca de vantagens financeiras, boa parte tenta ali realizar obras em suas bases eleitorais ou aprovar medidas que atendam seus eleitores. Isso denota poder e prestígio - e lhes rende votos. Fernando Henrique Cardoso e Lula conseguiram, com muitos gestos, um tanto de lábia e talvez menos cargos do que Dilma deu, ter uma vida parlamentar sustentável - incluindo algumas derrotas pontuais, como, aliás, deve ser em uma democracia.

Agora, em meio ao infindável rol de acusações envolvendo a Petrobras, que parece chegar inevitavelmente ao financiamento das campanhas do PT, incluindo a presidencial, resta à presidente abandonar seus preconceitos e se esforçar para entender, como fez na economia, o funcionamento do sistema político.

____________________________________________________________________________________________________________________

Em 2004, outra festa estragada  

 

RIO - Outra festa do PT, a de 24 anos de fundação do partido, comemorada em fevereiro de 2004 - numa sexta-feira 13 -, também foi manchada por uma revelação bomba. Desta vez, a acusação era de que Waldomiro Diniz, na época assessor do então ministro da Casa Civil, José Dirceu, teria recebido propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Segundo publicado na revista "Época" na ocasião, as denúncias davam conta de que em 2002, quando presidente da Loterj, Waldomiro teria cobrado propina de Cachoeira para campanhas eleitorais; a conversa foi registrada numa fita de vídeo. No governo Lula, Waldomiro representava a Casa Civil nas articulações com o Congresso.

A festa, no Rio, acabou se transformando em espécie de desagravo a Dirceu. "Não podemos errar na orientação política, porque a marca registrada do partido é o comportamento ético e sua honra", disse, em discurso na comemoração, o então presidente Lula, que exonerou Waldomiro no mesmo dia 13.

Também na festa, José Genoino, então presidente nacional do PT, disse que queria homenagear figuras importantes da História do partido e mencionou Dirceu, ovacionado pela plateia: "O companheiro José Dirceu merece nosso carinho e nossa confiança". Gilberto Palmares, na época presidente do PT fluminense, afirmou que a indicação de Waldomiro para a presidência da Loterj não fora feita pelo PT do Rio, e que as denúncias nada teriam a ver com o governo Lula.

No ano seguinte, outro depoimento surgia para chacoalhar o partido. Em 11 de agosto de 2005, numa aparição surpresa na CP I dos Correios, o publicitário Duda Mendonça, marqueteiro da vitória de Lula em 2002, revelou que, por orientação do operador do mensalão Marcos Valério, abrira uma conta nas Bahamas para receber R$ 10 milhões referentes a dívidas da campanha de 2002. O depoimento de Duda fez parlamentares petistas chorarem no plenário da Câmara, a oposição começar a falar abertamente em impeachment de Lula, e o presidente também chorar e dizer que se sentia traído. "Estou com o peito doendo. A gente não precisava estar vivendo isso. Nunca participei de arrecadação de campanha", chegou a afirmar Lula.

Na ocasião, o marqueteiro assumiu o comando do depoimento na CPI que seria de sua sócia, Zilmar Fernandes. Entre lágrimas e dizendo que queria acabar com seu pesadelo, Duda Mendonça contou que, para receber do PT uma dívida de R$ 11,5 milhões das campanhas que fez em 2002 - entre elas a do então presidente Lula -, foi obrigado, em 2003, a abrir uma conta no exterior, na qual foram depositados cerca de R$ 10,5 milhões. Perplexos, os integrantes da CPI listaram os crimes que teriam sido cometidos na operação: lavagem de dinheiro, crime contra a ordem tributária por sonegação fiscal, crime contra o sistema financeiro e crime eleitoral da campanha de 2002.

"Não quero ficar de santinho ou hipócrita. Ou abria a conta no exterior ou levava o cano", disse o marqueteiro. "Foi (o ex-tesoureiro do PT) Delúbio (Soares) que pediu que não emitíssemos as notas. A gente não é bobo. Estava claro que era dinheiro de caixa 2. Mas não tínhamos opção. Ou pegávamos, ou não recebíamos", ressaltou Duda, referindo-se à não emissão de notas fiscais relativas aos pagamentos no exterior.