Todo colunista precisa dispor, obrigatoriamente, de uns três ou quatro temas recorrentes. E deve voltar a eles com persistência e, se necessário, até obstinação. No meu caso, a Grécia é um deles. Aqui no FMI, tem sido uma imensa dor de cabeça. E continua sendo, como se sabe.

Trata-se do maior programa da história do fundo em termos de valor e relativamente à quota do país na instituição. É também o mais problemático dos programas recentes do FMI, talvez só superado nesse quesito pelo fracassado programa para a Ucrânia.

Vamos falar português claro: a Grécia vem sendo massacrada pela crise e pelo programa de ajustamento imposto pela troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI). O FMI, diga-se de passagem, é o mais moderado dos três...

A economia grega foi jogada numa grande depressão, com o desemprego alcançando níveis estratosféricos. Os gregos, considerados sangue-quente, até que foram pacientes. Só agora nas eleições de janeiro, depois de anos e anos de sofrimento, é que tiraram do poder os partidos tradicionais, aqueles que levaram a Grécia à crise e a administraram precariamente sob a tutela da troika.

O baque da eleição grega foi enorme e ameaça a sobrevivência da própria troika. Nada mais fácil, leitor, do que a sabedoria ex post factum. Agora é um verdadeiro coro de tragédia grega, repetindo que o programa da troika estava errado, que exigiu demais da Grécia e de menos de seus credores privados etc. Nova e mais abrangente reestruturação da dívida grega é dada como certa por muitos analistas.

Daqui a pouco até a Alemanha vai encontrar defeito na concepção do programa de ajustamento da Grécia. Não, isso não. Corta! Exagerei. A Alemanha, não. Mas, enfim, hoje é simples perceber os erros de avaliação da troika e dos seus procônsules gregos.

O desafio era perceber ex ante o caráter problemático do que se propunha para a Grécia. Para a reunião da diretoria do FMI que aprovou o primeiro programa grego, em 2010, a cadeira brasileira apresentou declaração escrita dizendo: “O programa proposto pode ser visto não como uma operação de salvamento da Grécia, que terá de passar por um ajustamento doloroso, mas como um socorro aos detentores privados de títulos da Grécia, principalmente instituições financeiras europeias". Foi o que aconteceu: a dívida da Grécia com credores privados foi transformada em dívida com credores oficiais, isto é, governos europeus, Banco Central Europeu e FMI.

Ao longo da execução do programa, eu me abstive duas vezes em decisões da diretoria. Cheguei a deixar a cadeira vazia para sinalizar o meu desconforto com a forma como estava sendo conduzida uma das revisões do programa grego.

A minha preocupação era não apenas com a violência e excessiva ambição do ajuste imposto à Grécia, mas também com o risco de crédito e reputacional em que estava incorrendo o fundo ao emprestar somas volumosas a um país com duvidosa capacidade de pagamento. Os diretores do fundo não são apenas representantes de países membros, mas também responsáveis pela integridade da instituição.

Chegou a hora de a onça beber água. Veremos se a Grécia irá respeitar, como fazem quase todos os países, o status de credor preferencial do FMI.