RIO — Em vez de lançamento de programas e projetos, o aviso de cortes e ajustes. Ao ano de promessas que foi 2014, está se sucedendo um início de um período de restrições, e contradições, para a presidente Dilma Rousseff e pelo menos dez governadores eleitos.

No primeiro mês do novo mandato, a presidente, que não mexeria nos direitos do trabalhador nem que a vaca tossisse, anunciou uma série de restrições no acesso a benefícios previdenciários como pensão por morte, auxílio-doença e seguro-desemprego.

Na política fiscal, em maio de 2014, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a afirmar: "Tenho visto propostas que me preocupam muito, candidatos falando que vão corrigir tempestivamente as tarifas públicas. Seria um tarifaço". Durante toda a campanha, Dilma também falou em medidas impopulares na economia que o adversário tucano, Aécio Neves, tomaria caso eleito. No entanto, no último dia 19, o governo anunciou um pacote de maldades: alta de alíquotas do PIS/Confins para combustíveis e importação; retorno da Cide; aumento do IOF para crédito ao consumidor. Antes, no dia 15, a Caixa já havia confirmado a elevação dos juros do financiamento da casa própria.

Na Segurança, a candidata à reeleição bateu na tecla da necessidade de mudar a Constituição para se ter uma maior atuação da União na área (hoje responsabilidade dos estados). Na 1ª reunião ministerial de 2015, porém, quando o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi defender justamente essa maior participação, foi cortado por Dilma, que afirmou: "Não temos mais dinheiro para jogar pela janela". A expectativa é que o governo envie em fevereiro, ao Congresso, uma PEC com a alteração.

A oposição entre discurso de campanha e vida real também atingiu os Executivos estaduais. Em São Paulo, o racionamento de água que não existia nas falas do candidato à reeleição Geraldo Alckmin (PSDB) apareceu nas medidas tomadas pelo tucano reeleito para lidar com a crise hídrica. Luiz Fernando Pezão (PMDB) prometeu que investiria cada vez mais na política de Segurança no Rio, mas um decreto no último dia 26 congelou R$ 1,37 bilhão dos orçamentos das polícias Militar e Civil.

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Racionamento de água e crise fiscal predominaram

Nos estados, a água invadiu a agenda dos eleitos. Além de São Paulo — onde Geraldo Alckmin, após afirmar em 2014 que “não tem racionamento e não tem desabastecimento”, passou a adotar medidas como bônus para quem economizar —, o governador do Rio também passou a temer a crise hídrica, afirmando na semana passada “torcer para que chova muito”.

Também em janeiro foi a vez de Minas entrar na história — e de promessas do petista Fernando Pimentel em áreas como Saúde e Segurança perderem o lugar na fila. O governador eleito de Minas se comprometera, em 2014, a finalizar os nove hospitais regionais prometidos e não concluídos pela gestão anterior, além de criar 77 centros de especialidades; e, na Segurança, abrir mais 12 mil vagas no efetivo da PM. Mas, no primeiro mês, o foco teve de ser mudado para anúncio de obras emergenciais contra a crise hídrica. Na Segurança, não foi anunciado nenhum concurso. Na Saúde, nenhum dos projetos prometidos foi iniciado.

Duas questões afetaram o início dos governos eleitos, analisa a professora de História Política da FGV Marly Motta. Primeiro, muitos estados, além do governo federal, foram submetidos à crise da água e também da energia.

— Os governantes estão sendo atropelados, obrigados a se posicionar sobre uma questão que não é uma agenda clássica de começo de mandato. No apagão durante o segundo mandato de Fernando Henrique, por exemplo, o problema foi no meio dos governos — sublinha. — Desde a redemocratização, é a 1ª vez que governadores começam seus mandatos com uma crise de desabastecimento que não é a seca no Nordeste, um problema lá longe, com efeito político local. Agora, não; é uma crise no colo da elite carioca, paulista e mineira, que tem capacidade de mobilização.

 

A segunda questão, ressalta a professora, é a crise fiscal. O ajuste fiscal feito pela União atinge os governadores, que recebem verba federal pelo Fundo de Participação dos Estados. Nesse cenário, não só os eleitos pela primeira vez estão sem conseguir lançar marcas e projetos próprios, como também os reeleitos não estão conseguindo dar uma cara nova para seus segundos mandatos:

— Em boa parte das vezes, após períodos de razoável bonança, de expansão nos investimentos e na máquina pública, os sucessores precisam partir para a austeridade, até para manter a máquina que foi expandida antes, e vemos isso agora. Com todo esse quadro, este início de mandato vai ser muito mais de reação do que de ação.