BRASÍLIA
Um dia após pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) abertura de 28 inquéritos contra 54 pessoas, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, rejeitou as pressões políticas sobre o Ministério Público e disse que se baseou em critérios técnicos, sem levar em conta vínculos partidários e cargos públicos dos acusados. O procurador deixou claro ainda que está ciente da forte reação que terá pela frente e de possíveis tentativas de desqualificar as investigações. Janot fez o desabafo numa carta endereçada aos colegas do Ministério Público.
"Não acredito que esses dias de turbulência política fomentarão investidas que busquem diminuir o Ministério Público brasileiro, desnaturar o seu trabalho ou desqualificar os seus membros. Mas devemos estar unidos e fortes", afirmou o procurador-geral. Na semana passada, Janot recebeu um alerta do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para aumentar sua segurança pessoal. Na última sexta-feira, ele relatou que teve sua casa em Brasília invadida em janeiro, pouco após criar a força-tarefa para preparar os pedidos de inquérito contra parlamentares. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil.
Segundo o procurador-geral, a Operação Lava-Jato, base das acusações contra os políticos, chegou num momento crucial. Caberá ao ministro Teori Zavascki, relator no STF, decidir se acolhe ou não os pedidos de inquéritos contra os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e outros acusados de receber dinheiro desviado de contratos entre empreiteiras e a Petrobras.
"Estou certo que, uma vez levantado o sigilo do caso pelo ministro Teori Zavascki, o trabalho até este momento realizado será esquadrinhado e submetido aos mais duros testes de coerência!", disse Janot. "Não espero a unanimidade nem a terei. Desejo e confio, sim, nesse momento singular do país e, particularmente, do Ministério Público brasileiro, que cada um dos meus colegas tenha a certeza de que realizei meu trabalho em direção aos fatos investigados, independentemente dos envolvidos, dos seus matizes partidários ou dos cargos públicos que ocupam ou ocuparam", acrescentou.
Teori planeja terminar até amanhã a análise dos pedidos de abertura de inquérito feitos por Janot. O sigilo deverá ser derrubado e o país conhecerá os nomes dos investigados. Janot também pediu diligências iniciais, como a oitiva de testemunhas, o compartilhamento de provas obtidas na primeira instância, além de quebras de sigilos fiscais e bancários. Teori deverá aceitar.
O ministro de Relações Institucionais, Pepe Vargas, defendeu a abertura das informações. A defesa da quebra do sigilo ocorreu após um encontro de cerca de uma hora com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
- O importante é que a lista venha logo e se tire o sigilo em cima dela. Até para que a coisa fique clara, transparente e tire esse clima de certa ansiedade, especulações: "Ah, será que fulano está na lista". Óbvio que esse ambiente não é saudável para discutir essas questões (da pauta) - disse Vargas.
Janot também pediu o arquivamento de sete petições, por falta de provas contra os suspeitos. Nos inquéritos a serem abertos, permanecerão em segredo apenas provas que, se divulgadas, comprometeriam o bom andamento das investigações. Também devem continuar sob sigilo provas que expõem a intimidade do investigado, como dados bancários.
A decisão de pedir a inclusão num mesmo inquérito de pessoas sem foro junto ao STF vem adiando os pedidos de investigações contra os governadores citados na Lava-Jato - chefes de Executivos locais são investigados e processados no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A procuradoria ainda analisa os casos dos dois governadores citados: Luiz Fernando Pezão (PMDB), do Rio, e Tião Viana (PT), do Acre. Por conta da decisão de sugerir a conexão de fatos criminosos num mesmo inquérito no STF e da repercussão disso nos casos do STJ, os pedidos de abertura de inquérito contra os governadores só devem ser feitos na próxima semana.
Uma fonte com acesso às investigações relata que a quantidade de casos arquivados não deve passar de três - os outros quatro se referem apenas a uma baixa nos registros do STF, a partir do encaminhamento de casos para a primeira instância, no Paraná. Um dos casos seria o do ex-deputado federal Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ex-presidente da Câmara. Caso Alves esteja fora da lista de Janot, está cotado para ser ministro do Turismo.
- Não recebi nenhuma comunicação. Aguardo naturalmente confiante a decisão da Justiça. Encontro-me em Natal, e acompanho fatos apenas pelo noticiário da imprensa - afirmou o ex-deputado.
Dois senadores do PT, Gleisi Hoffmann (PR) e Humberto Costa (PE), estariam entre os citados nos depoimentos das delações premiadas que embasaram os pedidos de Janot, segundo um investigador que atuou no caso. A lista de Janot é mantida sob sigilo. Caberá a Teori concordar com o pedido de Janot para derrubar o sigilo e abrir o andamento dos processos. Teori sinalizou que tornará público os procedimentos.
Ontem, no Tribunal de Contas da União (TCU), a área técnica concluiu parecer considerando que os acordos de leniência a serem assinados entre a Controladoria Geral da União (CGU) e as empreiteiras investigadas na Lava-Jato precisam ser submetidos ao Ministério Público Federal (MPF). Além disso, o órgão vinculado à Presidência da República deve comprovar que as construtoras vão apresentar informações inéditas sobre as irregularidades investigadas, demonstrando a "real vantagem para a administração". O governo da presidente Dilma Rousseff defende os instrumentos da leniência no caso das empresas suspeitas de participação no esquema de desvios da Petrobras.
No último dia 21, o Ministério Público junto ao TCU apresentou uma representação ao presidente do tribunal, ministro Aroldo Cedraz, em que pede a suspensão dos acordos envolvendo as empreiteiras da Lava-Jato. No documento, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira argumenta que é preciso "evitar que se celebrem acordos que possam atrapalhar o curso das investigações dessa importante operação (a Lava-Jato)". O ministro Augusto Nardes, designado relator do processo, recebeu parecer da Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura de Petróleo, Gás Natural e Mineração. Em despacho assinado ontem, Nardes determinou que a unidade técnica faça uma oitiva da CGU, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria Geral da República (PGR) a respeito do assunto. O prazo dado é de cinco dias. (Colaboraram Vinicius Sassine e Carolina Brígido)
CUNHA BUSCA AJUDA DE ALGOZ DO MENSALÃO
De acusador a defensor
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), convidou o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza para fazer a sua defesa no pedido de inquérito feito ontem contra ele no âmbito da Operação Lava-Jato. Antonio Fernando foi o responsável pela denúncia do processo do mensalão, em 2006, que levou à condenação de petistas como o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente do partido José Genoino.
Cunha foi um dos alvos dos 28 pedidos de inquérito feitos anteontem pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF). O GLOBO revelou que o presidente da Câmara teria sido avisado previamente de que estaria na lista. Não foi divulgado oficialmente pela procuradoria quem são as 54 pessoas que tiveram o pedido de investigação feito ao STF. O caso está nas mãos do ministro Teori Zavascki, que deve determinar a retirada do sigilo nos próximos dias.
O presidente da Câmara disse ao GLOBO, por mensagem de texto, que deve contratar o ex-procurador. Cunha não quis adiantar que medida espera de sua defesa. "Devo fazer isso (contratar Antonio Fernando). Ele é que dirá o que fazer, não eu", respondeu Cunha. Mas o ex-procurador ainda não decidiu se aceitará o convite, embora esteja inclinado a aceitar.
Cunha nega ter sido avisado previamente de que estaria na lista enviado ao STF e se disse preparado para esclarecer qualquer "alopragem" sobre o tema. Classificou ainda como "absurda" a hipótese de renúncia de algum dos parlamentares que tenham sido alvo dos pedidos de investigação.
Outros advogados do presidente da Câmara entraram ontem com pedido no Supremo para ter acesso a processos da Lava-Jato que citem o parlamentar. Os advogados argumentam que, conforme notícias veiculadas nos últimos dias, Cunha estaria incluído na lista de investigados elaborada por Janot. E que, segundo entendimento do próprio STF, o investigado tem direito a acessar esse tipo de informação.
"É fato público e notório a afirmação, na imprensa, de que o ora requerente faz parte da suposta lista de políticos investigados na Operação Lava-Jato", argumentam os advogados. Os advogados citam a súmula vinculante 14, do STF, que dá à defesa "acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa". O pedido foi assinado pelos advogados Reginaldo de Castro e Davi Machado Evangelista, contratados pelo deputado para defendê-lo. A decisão será tomada pelo ministro Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo.
RELATOR DA CPI DA PETROBRAS NEGA PEDIDO PARA OUVIR PETISTAS
BRASÍLIA
O relator da CP I da Petrobras, deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), apresenta hoje seu plano de trabalho que prevê a aceitação de requerimentos para ouvir nove pessoas citadas como integrantes do esquema de propina na estatal. Luiz Sérgio não irá, neste primeiro momento, aceitar os pedidos protocolados pela oposição para que petistas como os ex-ministros da Casa Civil José Dirceu e da Fazenda Antônio Palocci, além do tesoureiro da campanha da presidente Dilma Rousseff, Edinho Silva, prestem esclarecimentos.
Ao justificar sua decisão, o relator afirmou que é preciso separar o que é importante para a investigação do que pode servir só para criar espetáculo.
- Esses requerimentos não entram porque a CP I vai ter que definir se quer investir numa linha investigativa para obter informações ou se quer apenas fazer espetáculo - disse Luiz Sérgio.
Ele disse que não quer fazer da CP I uma disputa político-partidária. E que a oposição foi atendida em suas demandas:
- Concordei com vários requerimentos da oposição, o que demonstra que, quando a gente quer focar nas investigações, fica claro que há mais convergências do que divergências.
O presidente da CP I, deputado Hugo Motta (PMDB-PB), resolveu criar quatro subcomissões para apurar superfaturamento na construção de refinarias, constituição de Sociedades de Propósitos Específicos, afretamento de navios e irregularidade na operação da Sete Brasil, além da venda de ativos da Petrobras na África.
A decisão enfraquece o trabalho do relator. Luiz Sérgio, porém, disse que está negociando para que o resultado dessas subcomissões seja atrelado ao seu, para que ele tenha a palavra final no relatório. Motta negou que queira esvaziar o trabalho do relator.
- Estou querendo dar agilidade à CP I - declarou.
A deputada Eliziane Gama (PPS-MA), que integra a CP I da Petrobras, quer que a Procuradoria Geral da República (PGR) compartilhe com a comissão as informações de que dispõe, incluindo as delações premiadas citando políticos. Eliziane afirmou que é importante que a comissão tome conhecimento sobre o que há contra cada um, para que possa definir como atuará daqui em diante.