SÃO PAULO E BRASÍLIA

Enquanto ontem à noite a presidente Dilma Rousseff pedia paciência à população em cadeia nacional de rádio e TV, moradores protestavam com panelaços e buzinaços em várias cidades do país. Diante do primeiro pronunciamento à Nação deste segundo mandato, em que a presidente fez breve menção ao escândalo da Petrobras, mas destacou "a coragem do Brasil" para investigar um esquema "lamentável", moradores de cidades como São Paulo, Rio, Brasília, Belo Horizonte, Belém, Curitiba , Salvador e Goiânia foram às janelas protestar contra o governo. Em meio a uma das maiores crises políticas desde o mensalão, Dilma falou na TV sobre "Justiça contra corruptos".

- Com coragem e até sofrimento, o Brasil tem aprendido a praticar a justiça social em favor dos mais pobres, como também aplicar duramente a mão da Justiça contra os corruptos. É isso, por exemplo, que vem acontecendo na apuração ampla, livre e rigorosa nos episódios lamentáveis contra a Petrobras - afirmou.

Dilma também tentou criar empatia com o público. Ela garantiu compreender a irritação e a preocupação dos brasileiros diante do cenário atual, marcado por inflação em alta, economia fraca e aumento do endividamento das famílias. Mas a presidente pediu a confiança da população e conclamou a todos a se unirem em um esforço coletivo para a retomada do crescimento.

- Você tem todo direito de se irritar e de se preocupar. Mas lhe peço paciência e compreensão porque esta situação é passageira. O Brasil tem todas as condições de vencer estes problemas temporários. E esta vitória será ainda mais rápida se todos nós nos unirmos neste enfrentamento. Peço a vocês que nos unamos e que confiem na condução deste processo pelo governo, pelo Congresso, e por todas as forças vivas do nosso país, e uma delas é você - afirmou.

As palavras, porém, não bastaram para conter uma onda espontânea de indignação. Em bairros nobres e periferias de várias cidades, pessoas foram às janelas de casas e edifícios com gritos e batidas de panelas. Houve até quem estourasse rojões.

dilma diz que direitos são sagrados

O panelaço e vaias ficaram restritos às casas. Em bairros de classe média e alta como Higienópolis, em São Paulo, e Leblon e Barra da Tijuca, no Rio, as pessoas chegaram a gritar contra a presidente. Em Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo, gritos de "fora Dilma" e "fora PT" ecoavam das janelas. Vídeos postados nas redes sociais mostravam internautas acendo e apagando luzes em repúdio às palavras da presidente - e às medidas de ajuste para retomar o crescimento econômico. A hostilidade, alegavam muitos manifestantes, era apenas um "aperitivo" antes da marcha pró-impeachment programada para o próximo domingo.

O pronunciamento da presidente foi estratégico. Após ouvir reclamações de aliados e de seu próprio partido por não fazer uma defesa enfática do pacote de ajuste fiscal enviado ao Congresso, Dilma usou a maior parte do pronunciamento para explicar e pedir apoio às medidas. Ela negou que o Brasil esteja passando por uma crise de grandes dimensões. E disse, ainda, que depois do início da crise econômica internacional de 2008, o governo agora teve coragem de mudar a estratégia de enfrentamento do problema - agravado por conta da seca e da consequente crise hídrica.

A presidente fez questão de frisar que os direitos dos trabalhadores são sagrados e não serão prejudicados. E que o país não vai parar. O esforço, garantiu ela, será "passageiro".

Dilma quis destacar a ideia de que o próprio governo é o primeiro a se sacrificar - através do corte de gastos da máquina pública. E justificou mais uma vez o ajuste, alegando ser impossível prever que a crise, iniciada há quase sete anos com a quebradeira de grandes bancos americanos, se estenderia por tanto tempo. Logo no início do pronunciamento,.

- Decidimos, corajosamente, mudar de método e buscar soluções mais adequadas ao atual momento, mesmo que isso signifique alguns sacrifícios temporários para todos e críticas injustas e desmesuradas ao governo - declarou a presidente.

Procurado, o Planalto não se pronunciou sobre a manifestação . O pronunciamento, feito por ocasião do Dia Internacional da Mulher, reservou pouco espaço para a listagem de ações de gênero do governo. A fala da presidente foi veiculada a apenas uma semana de manifestações antigoverno marcadas para ocorrer em todo o Brasil no próximo domingo.

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Presidente quer vice na coordenação política  

 

Brasília

Em um dos momentos mais difíceis de seu governo, devido ao forte impasse com a classe política, a presidente Dilma Rousseff reuniu ontem os ministros da articulação política para avaliar o impacto da abertura de investigação contra 34 parlamentares, sendo 33 deles de partidos da base aliada, e para discutir a extensão dos danos na relação com o Congresso. Duas decisões foram tomadas por Dilma: ela fará um apelo ao vice-presidente Michel Temer para que se integre à coordenação política, e outro ao PT, para que apoie incondicionalmente as medidas provisórias que restringem o acesso a benefícios trabalhistas e previdenciários. Segundo fontes do governo, ela teria se convencido que há muitas resistências na Câmara e no Senado aos seus ministros da articulação.

O governo sabe que será retaliado nas votações de projetos de seu interesse e busca formas de passar por cima da crise para aprovar o ajuste fiscal. A prioridade do Planalto é que as votações dessas medidas não sejam paralisadas. Por isso, hoje à noite, a presidente convidou as bancadas do PT na Câmara e no Senado para jantarem no Alvorada. Ela fará um apelo para que apoiem os projetos. Há dez dias, o GLOBO fez um levantamento mostrando que 40 parlamentares não concordam com as propostas que endurecem as regras para concessão de benefícios como auxílio-doença, pensão por morte, abono salarial e seguro-desemprego. Foram ouvidos 59 dos 79 deputados e senadores do PT.

Hoje pele manhã, Dilma terá uma conversa com o vice-presidente Michel Temer, para tentar uma recomposição, no momento em que perdeu seu maior aliado no PMDB, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). A relação entre Dilma e Temer está muito ruim. O vice se considera menosprezado, apesar da experiência que tem na relação com o Legislativo, calcanhar de Aquiles de Dilma e de seus principais auxiliares, os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Pepe Vargas (Relações Institucionais) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral).

Temer se autoimpôs um distanciamento do Planalto na semana passada. Depois de novamente alertar Dilma para o tamanho da crise e da necessidade de urgente recomposição de forças, viajou para São Paulo na quinta-feira e retorna somente hoje a Brasília. A aliados, disse que decidiu se recolher à condição de vice, já que Dilma não lhe dá ouvidos.

Sobre a promessa de que passaria a participar das reuniões da coordenação política do governo, o vice disse a peemedebistas no fim de semana que está claro que não é bem-vindo. Em um jantar para a cúpula do PMDB no Palácio da Alvorada, dia 2, Dilma se comprometeu em integrar o vice às discussões políticas. No entanto, fez ao menos quatro reuniões com ministros e parlamentares sem chamá-lo, piorando ainda mais a já desgastada relação.

- O governo perdeu a capacidade de diálogo com os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros. Caiu a ficha. É preciso tentar trazer Michel Temer para atuar como o grande interlocutor do governo - disse um ministro.

Presidente se reunirá com líderes do Senado

Segundo fontes do governo, a partir da divulgação da lista de Rodrigo Janot, houve uma mudança de comportamento dos integrantes da articulação política, no sentido de que necessitam de ajuda para se relacionarem com o Congresso. No fim da tarde, a presidente reunirá os líderes da base aliada no Senado, entre eles Humberto Costa (PT-PE), Fernando Collor de Mello (PTB-AL) e Benedito de Lira (PP-AL), investigados na Operação Lava-Jato, insistirão em reunião hoje com a presidente Dilma que ela precisa ceder e propor uma correção maior do que 4,5% da tabela do Imposto de Renda. A tendência é que o Congresso derrube, na próxima quarta-feira, o veto presidencial à correção em 6,5%. Os senadores vão sugerir que Dilma proponha uma correção de 5% ou 5,5% para evitar a derrota.

Outro assunto da reunião será a liderança do governo no Senado, que está vaga desde que o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) assumiu o Ministério de Minas e Energia. O Planalto quer mantê-lo com o PMDB, como forma de comprometer o partido na defesa do governo, mas os peemedebistas, rebelados, se recusam a indicar um nome.

- Como o PMDB vai ter a liderança do governo (no Senado) se não participa da formulação das políticas públicas? - tem questionado o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Renan acusa o governo Dilma de ter trabalhado para incluir seu nome na lista de investigados no escândalo de corrupção na Petrobras, como forma, segundo ele, de transferir a crise para o Congresso. Além de declarações públicas contra o governo, Renan devolveu a Medida Provisória que revia a desoneração da folha de pagamento. Nesta semana, ele pretende colocar em votação proposta de emenda constitucional que determina o afastamento do presidente da República, governadores e prefeitos que disputarem a reeleição.

- O Renan não está de brincadeira - disse ontem um senador do PMDB.