BRASÍLIA

A lista de políticos envolvidos no escândalo de corrupção na Petrobras ampliou o descompasso entre o governo e o Congresso. O dia de ontem foi marcado por reuniões no Palácio do Planalto, no Senado e na Câmara, com troca velada de acusações entre os dois poderes. Nenhum esforço do governo foi suficiente para evitar mais uma derrota: a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da Bengala, que amplia a idade máxima para a aposentadoria dos ministros de tribunais superiores de 70 para 75 anos, foi aprovada em primeiro turno por 318 votos a favor, 131 contra e 10 abstenções. Pela regra atual, a presidente Dilma Rousseff teria direito de indicar cinco ministros para o Supremo Tribunal Federal até o fim de seu mandato. Caso a medida seja aprovada em dois turnos, a presidente só fará novas indicações - além do substituto de Joaquim Barbosa - caso ministros se aposentem voluntariamente.

O governo vinha se mobilizando desde a legislatura passada para evitar a votação, mas desde que assumiu a presidência da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) anunciou que votaria a emenda. Deputados do PT encaminharam contra a aprovação da emenda, acusando-a de casuística.

A votação da PEC da Bengala levou inclusive ao cancelamento da reunião que a bancada de deputados do PT teria com os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Joaquim Levy (Fazenda), Nelson Barbosa (Planejamento) e Pepe Vargas (Relações Institucionais). O encontro tinha o objetivo de debelar a rejeição dos petistas às medidas provisórias do ajuste fiscal.

As tentativas de melhorar a relação com o Congresso foram ainda dificultadas por declaração do ministro da Educação, Cid Gomes, de que há "uns 400 deputados que quanto pior melhor para eles", que querem o governo fragilizado para "achacarem mais". Pronunciada em Belém, na semana passada, a frase veio à tona ontem e levou a Câmara a decidir convocar o ministro para prestar esclarecimentos. Irritado com o que Cid disse, Eduardo Cunha anunciou que não votaria projetos da área do ministro até que ele explicasse suas declarações.

- Essa casa não é um prostíbulo que esse ministro acha que é - protestou o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM), líder da minoria.

A nova retaliação do Congresso ao governo ocorreu em meio ao recrudescimento da insatisfação dos presidentes da Câmara e do Senado, com o Planalto. Cunha e Renan Calheiros (PMDB-AL) culpam o governo, mais especificamente o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, por serem alvo de abertura de inquérito pelo STF e pela tentativa de desidratação do PMDB. Renan disse ontem que não tem envolvimento com a Lava-Jato e que, se foi citado, foi de forma indireta e por "terceiros". A aliados, lembrou que já enfrentou processo de cassação e "coisas muito piores".

O governo nega qualquer gestão para incluir ou retirar citados na lista de investigados da Lava-Jato. Segundo um ministro do núcleo político, o governo não tem poder para influenciar a Procuradoria Geral da República:

Numa demonstração do clima tenso, Renan deixou o ministro de Relações Institucionais, Pepe Vargas, esperando por mais de meia hora em seu gabinete na presidência do Senado. Na conversa com Vargas, Renan avisou que a próxima bomba para o governo no Congresso será o veto da presidente Dilma Rousseff à correção de 6,5% da tabela do Imposto de Renda. Renan avisou que é preciso uma solução negociada, ou a derrota é certa. Na saída do encontro, Vargas disse que "distensionou" o ambiente entre Renan e o Planalto.

- O presidente nos colocou a sua visão de que seria importante o governo encontrar uma saída negociada em torno do veto do Imposto de Renda, negociada com as duas Casas. Vamos trabalhar nos próximos dias para ver o que é possível.

Sobre a devolução da medida provisória que anulava os efeitos da desoneração sobre a folha das empresas, ocorrida na véspera, Vargas disse que Renan quis deixar claro que o governo precisa conversar mais. A presidente Dilma tentou evitar a devolução da MP na tarde de terça-feira, mas não conseguiu conversar com Renan a tempo. Ela telefonou para o presidente do Senado, mas ele já estava anunciando sua posição no plenário do Senado e sendo cumprimentado pela oposição. Desde então, Dilma e Renan não se falaram.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, conversou com Renan por telefone, mas também não teve sucesso. Senadores disseram ao GLOBO que Levy lembrou a Renan que ele é pai de um governador, Renan Filho, de Alagoas.

- Sou presidente do Congresso e não do governador - respondeu Renan, segundo senadores.

A decisão de Renan de devolver a MP da desoneração foi vista no Planalto como uma "jogada de marketing" para dividir as manchetes com a citação de seu nome pela PGR. Apesar da troca de farpas, o fontes do governo acreditam numa "reconstrução" de ponte com o presidente do Senado.

Pela manhã, Dilma fez reuniões para tratar das medidas de ajuste fiscal com líderes dos partidos aliados no Congresso. Não convidou para as conversas o vice-presidente Michel Temer, com quem tinha se comprometido a chamar para as discussões políticas com a base. Diante do incômodo causado, no fim da tarde Dilma chamou o vice ao seu gabinete para conversar. ( Colaboraram Júnia Gama e Fernanda Krakovics)

 

'DILMA ESTÁ EMPAREDADA PELO CONGRESSO, QUE IMPÕE SUA AGENDA'

O que representa a atitude do presidente do Senado, Renan Calheiros, de devolver um projeto importante para o ajuste fiscal após ser avisado que seu nome estava na lista de políticos da Lava-Jato?

A atitude do Renan combina dois fatores claros para mim: primeiro, o desejo do Congresso de ser reconhecido como poder que é. É uma atitude institucional e segue tendência clara, que começou com a decisão de votar os vetos presidenciais e aprovar o orçamento impositivo. O segundo fator é operacional. A coordenação política do governo com o Congresso não está funcionando. Uma MP com essa relevância teria que ter sido previamente negociada com as principais lideranças.

Renan já havia boicotado um jantar com Dilma. Ele passou de aliado preferencial a rebelde?

Não acredito que a não ida tenha sido retaliação a alguma desfeita de natureza pessoal. O que existe é um desconforto dentro da coalizão do PMDB e um fortalecimento institucional do Congresso.

Os nomes de Renan e Cunha na lista do procurador podem significar um enfraquecimento dessa independência do Legislativo?

Qualquer envolvimento ou investigação traz desconforto. Agora, não atribuo a esse episódio o acirramento da relação entre governo e Congresso. São atitudes independentes. Estar incluído na lista é decisão do Ministério Público, a partir de investigações do Judiciário. Há um fortalecimento institucional e deficiência na coordenação política.

O senhor faz um diagnóstico de crise no presidencialismo de coalização. Pode explicar o porquê?

O presidencialismo de coalização visa dar ao presidente eleito uma maioria no Congresso. Seria, a grosso modo, um semiparlamentarismo, porque o governo precisa ter uma maioria para aprovar suas propostas e se proteger contra a oposição. Na medida em que as forças políticas do Congresso não se acham adequadamente representadas no governo, ocorrem tensões. E essas tensões ficaram evidenciadas ao longo do primeiro mandato de Dilma.

Mas como chegou a esse ponto?

Não houve a adequada participação dos partidos nos ministérios, na distribuição de cargos e de verbas relacionadas a esse suporte no Congresso. Com isso se criou um passivo de insatisfações e recalques que desemboca agora no segundo mandato. Ela está sendo emparedada pelo Congresso, que impõe sua agenda.

Mas a presidente tem 39 ministros, com representantes desses partidos neles. O que não funciona?

Os ministérios, muitas vezes, são vazios. Quem comanda a máquina não é o titular do partido que o ocupa. Recebe o ministério, mas não a caneta para administrar. E algumas vezes ela escolhe o ministro do partido, não é o partido que escolhe, o que gera tensão. E o terceiro ponto diz respeito à proporcionalidade não adequada ao tamanho das siglas no Congresso. O PT criou uma ideia de que ter a presidente daria uma supremacia maior do que deveria ter. Quem deveria mandar é a coalização dos partidos que apoiaram a eleição de Dilma e Michel Temer.

Mas não foi sempre assim?

O PMDB demorou a perceber que tem mais poder do que ele exerce efetivamente. Só após a irritação causada pelo primeiro mandato de Dilma é que o desperta para essa realidade.