Título: Vivemos o fim de uma casta política
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 31/07/2011, Mundo, p. 22

Yoani Sánchez transformou-se em uma espécie de símbolo da oposição cubana. Aos 35 anos, é a responsável pelo blog Generación Y ¿ por meio do site na internet, ela denuncia as mazelas políticas e sociais da ilha. Em entrevista ao Correio, por telefone, de Havana, a ativista admite mudanças importantes em Cuba na direção da abertura político-econômica. No entanto, considera essas transformações lentas e afirma que elas ainda não surtiram efeito na mesa e no bolso dos cubanos. De acordo com Yoani, os cinco anos de governo Raúl Castro são marcados por um "pecado original". "É um presidente que não foi eleito, que chegou ao poder por via sanguínea", explicou. A mulher que em 2008 esteve na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo, da revista Time, é otimista em relação ao futuro. "Creio que estamos vivendo o fim de uma casta política e de uma geração no poder", comentou, apesar de reconhecer as inúmeras dificuldades que a população cubana tem enfrentado.

O que mudou em Cuba desde a saída de Fidel Castro, cinco anos atrás? Evidentemente, Raúl Castro e Fidel Castro têm estilos de governo diferentes. Fidel era um homem que governava da tribuna, com um microfone nas mãos e com quilométricas intervenções públicas. Raúl é muito mais comedido a falar, não? Por exemplo, um detalhe simpático é que, desde que Raúl Castro começou a comandar o país, a programação televisiva passou a ser respeitada. Não há mais as interrupções causadas pelos longos discursos de Fidel Castro. As donas de casa estão felizes porque já não se suspende a transmissão das telenovelas brasileiras. O governo de Raúl Castro está marcado por um pecado original, que ele é incapaz de solucionar. Trata-se de um presidente que não foi eleito, que chegou ao poder por via sanguínea. Funciona como um reino. A população espera que um governante cumpra com um programa, mas Raúl nada teve que prometer para chegar ao poder.

Houve transformação expressiva em relação às liberdades individuais e aos direitos civis? O tema dos direitos dos cidadãos e civis não registrou avanços evidentes e claros. Com Raúl Castro, continuamos com o monopartidarismo. Com Raúl Castro, seguem em pé as leis que penalizam a opinião em Cuba. Por exemplo, a chamada Lei nº 88, conhecida como Lei da Mordaça, que levou à prisão 75 opositores e dissidentes em 2003, está vigente no Código Penal cubano. Todavia, em Cuba não é possível criar uma associação independente e inscrevê-la legalmente em um cartório. Todavia, em Cuba não é possível entrar nem sair do território nacional livremente para os nascidos neste país. A falta de liberdades está intacta. O que se passa é que a repressão mudou de estilo com Raúl Castro. Com seu irmão, por exemplo, quando Fidel citava os nomes dos opositores e os "satanizava" em público, os dissidentes acabavam condenados a longas penas de prisão. Com Raúl, esse ponto é diferente. A repressão está no aumento da militarização da sociedade cubana. No entanto, os dissidentes já não são mais condenados a longas sentenças. São detidos por algumas horas ou por alguns dias, sem que haja qualquer constância legal ou documento que conste a repressão. Nesse caso, Raúl Castro tem feito uma repressão mais silenciosa, mais calada. A repressão com Fidel era mais evidente.

Durante esses cinco anos, os cubanos tiveram mais prejuízos ou mais benefícios? Penso que tivemos mudanças importantes, na direção da abertura. O problema é o ritmo dessas reformas. Houve um impacto muito positivo, os cubanos já podem entrar livremente nos hotéis, comprar computadores e obter um contrato de telefonia móvel. São avanços ocorridos no governo de Raúl Castro. No entanto, em relação às expectativas iniciais, com o que as pessoas esperavam que ocorresse a partir de 31 de julho de 2006, as estatísticas oficiais atestam que Raúl decepcionou. No ano passado, 38.165 cubanos emigraram definitivamente de Cuba. Eles não quiseram esperar e se cansaram da lentidão das reformas.

As reformas anunciadas até então surtiram efeito na vida dos cidadãos cubanos? As reformas econômicas implementadas pelo governo de Raúl Castro estão orientadas na direção correta, no sentido da flexibilização. Lamentavelmente, elas ocorrem a um ritmo muito lento e a uma profundidade bastante superficial. Os efeitos dessas reformas não são vistos no prato, sobre a mesa dos cubanos, ou nos bolsos. Os salários estão totalmente fora da realidade comercial do país. A produção agrícola também não aumentou de modo notável. Inclusive, ela diminuiu nos setores do tabaco, do café e do açúcar.

Que dificuldades um morador de Cuba enfrenta atualmente? Eu diria que são as dificuldades econômicas e as dificuldades que têm a ver com a falta de liberdade. Entre as dificuldades econômicas, está o colapso do transporte público interprovincial. Vivemos em um país onde o tema dos transportes é um capítulo agonizante. A dualidade monetária é uma espécie de esquizofrenia econômica que vivemos há 17 anos e, no entanto, diminui muito o nível de vida da população cubana. Os salários também estão bastante ínfimos. Um profissional médio tem um salário mensal de cerca de US$ 20. Todavia, há limitações e regulações no tema da propriedade. Ainda que o Congresso do Partido Comunista Cubanao tenha anunciado a abertura do mercado imobiliário e a compra e a venda de carros, na prática isso não funciona. Nos últimos quatro anos, pedi em 17 oportunidades autorização para viajar e, em todas, ela me foi negada. Os cubanos não podem fundar um partido ou uma associação, e nem podem ler outro veículo de imprensa que não seja a oficial. Isso cria uma sensação de asfixia econômica e política, que empurra a maioria das pessoas ao sonho de migrar.

A senhora é otimista ou pessimista em relação ao futuro da ilha? Sou otimista. Realmente, creio que estamos vivendo o fim de uma casta política e de uma geração no poder. O fim de um discurso do século 20. A apatia, o oportunismo e a falta de fé no sistema estão causando uma corrosão no sistema político. De braços cruzados, os cubanos estão conseguindo fazer o que talvez não pudessem de punhos erguidos. (RC)