Título: Metamorfose lenta
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 31/07/2011, Mundo, p. 22

No governo desde 2006, Raúl Castro põe em marcha a fase reformista da revolução, mas não satisfaz opositores. Mudança é gradual

Há exatamente cinco anos, Fidel Castro era forçado a ceder o poder ao irmão, Raúl, após ser operado de uma crise intestinal aguda. %u201CNão tenho a menor dúvida de que nosso povo e nossa Revolução lutarão até a última gota de sangue para defender as ideias necessárias para salvaguardar este processo histórico. O imperialismo jamais poderá derrotar Cuba%u201D, escreveu o comandante, na mensagem de 31 de julho de 2006. O discurso rígido de Fidel contrasta com a calculada flexibilização das medidas políticas anunciadas por Raúl. Seu governo começa a pôr em prática 300 novas reformas aprovadas pelo VI Congresso do Partido Comunista Cubano (PCC), quatro meses atrás.

Em janeiro passado, o regime iniciou a demissão de 500 mil trabalhadores do setor público e incentivou a abertura de pequenos negócios privados. Uma lei criada no início deste mês permite aos cidadãos comprar e vender carros e imóveis. Para conter a desvalorização, o peso cubano obteve paridade com o dólar. Os cubanos já têm autorização para frequentar os hotéis da ilha %u2014 apesar de as diárias ainda serem proibitivas. Mesmo com tantos avanços, a repressão continua e a liberdade de expressão se curva à lei da mordaça, que pune quem agride a segurança nacional.

Para a historiadora carioca Claudia Furiati, autora de Fidel Castro %u2014 Uma biografia consentida, o presidente Raúl Castro tem colocado em ação a última fase reformista da Revolução Cubana. %u201CNão há dúvidas de que existe um avanço%u201D, afirma ao Correio, por telefone, citando mudanças nas questões da renda e da produtividade do trabalho. Ao mesmo tempo, a especialista explica que, com as medidas já anunciadas, o Estado paternalista deixa de ser protagonista e se traveste de Estado fomentador, mas nem por isso senhor da economia e da sociedade. %u201CO enigma é: como aumentar e acumular as forças produtivas sem que o governo exerça os papéis de benfeitor e de paternalista?%u201D, atesta.

Retrocesso O cubano Antonio Morales-Pita, professor de economia na DePaul University (em Chicago), considera as mudanças exercidas por Raúl como tentativas parciais de introdução limitada da economia de mercado, sob controle do Partido Comunista. %u201CAs mudanças surgidas após a saída de Fidel foram pequenas e não resolverão o problema econômico enfrentado por Cuba%u201D, comentou, por e-mail. %u201CTais alterações só aspiram a manutenção do poder nas mãos da família Castro%u201D, acrescentou. Segundo ele, as reformas ocorrem muito lentamente e com retrocessos. %u201CNo início deste ano, anunciou-se que 500 mil funcionários públicos seriam exonerados, mas isso não ocorreu%u201D, lembra. Morales-Pita também vê nessas medidas um esforço de Raúl em atrasar %u201Ca inexorável queda do sistema comunista%u201D. Até mesmo quem já realizou 24 greves de fome como protesto político %u2014 a penúltima durou 135 dias %u2014 reconhece que Cuba tem se transformado. O jornalista e dissidente Guillermo Fariñas destaca que os cubanos agora têm direito a comprar e vender suas casas. Mas as %u201Cmudanças positivas%u201D foram acompanhadas do aumento de repressão. %u201CRaúl está fazendo um capitalismo socialista prático. Se Fidel via Cuba como sua fazenda particular, o irmão converteu-a em seu quartel%u201D, criticou Fariñas, por telefone. Claudia Furiati discorda e analisa as reformas como uma busca ao socialismo mais aberto e democrático. Na última terça-feira, Cuba celebrou 58 anos do assalto ao Quartel Moncada, o ponto inicial da Revolução Cubana. O futuro do movimento idealizado por Fidel, Raúl e Ernesto Che Guevara dependerá de como a ilha reagirá à metamorfose lenta e histórica.