Título: A eterna falta de cidadania no Entorno
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 28/07/2011, Opinião, p. 22

Se há algo previsível no transporte público de passageiros entre o Distrito Federal e cidades do Entorno, é a transformação do caos em inferno na metade de cada ano. Não por mero acaso, a data-base dos rodoviários vence justamente quando começam a valer as novas tarifas, em 1º de agosto. A coincidência faz coincidirem também os interesses de empregados e patrões, cada parte forçando a barra do seu lado, para aumentar os ganhos. Nesse cabo de guerra, sobra, num primeiro momento, para a população que depende de ônibus; num segundo, não raro, para o contribuinte de modo geral, obrigado a pagar a conta de subsídios concedidos por governantes incapazes de imprimir competência ao setor.

Sem dúvida, o drama maior é enfrentado pelo usuário. Acostumado a pagar caro pela passagem, esperar horas nos pontos, enfrentar viagens em ônibus superlotados, desconfortáveis e perigosos (pelo estado precário da frota), ele fica sujeito a problemas ainda mais graves nessas ocasiões. De mal servido a não servido, o cidadão teme perder o emprego (o que não raro acontece), ver-se impossibilitado de voltar para casa se tiver a sorte de chegar ao trabalho, e cair nas garras do transporte pirata, com todos os riscos e preços abusivos que representa. Mais: passageiros habituais que têm carro na garagem para uso restrito recorrem a eles, entupindo de vez as já congestionadas vias de Brasília e arredores.

Nem a legislação que regula as greves é respeitada. Por ela, eventuais paralisações deveriam ser comunicadas com 72 horas de antecedência e 30% dos veículos mantidos em circulação. Não bastasse, a situação se tornou mais complicada a partir do ano passado, com dissidências e desavenças entre os rodoviários. Parte apoia o sindicato da categoria, parte se deixa organizar pela Central Única dos Trabalhadores (CUT). É o caos dentro do caos, em que ninguém se entende. Outro exemplo de desentendimento: as cidades de origem são goianas, mas seus prefeitos já pediram ao GDF para assumir o controle do sistema, cuja gestão é de responsabilidade da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

O fato é que o deslocamento diário dos cidadãos para a capital da República é reflexo da conjuntura de desordem e abandono em que vive o Entorno do DF. Goiás não oferece infraestrutura mínima aos moradores das cidades, cada vez mais dependentes de Brasília para trabalhar, estudar, conseguir atendimento médico e hospitalar, fazer compras etc. etc. etc. Esquecidos numa ponta, nem sequer são servidos de meios decentes para alcançarem o pouco de civilização que vislumbram mais próximo. Um começo seria licitar novas linhas, oxigenar a estrutura de transportes, mas a medida, desta vez prevista para ocorrer até o fim do ano, tem sido sempre adiada. Menos crível é a modernização do sistema. Propostas de soluções ferroviárias ou por ônibus articulados circulando em pistas exclusivas não saem do papel. Enquanto isso, a barafunda aumenta.