São Paulo

Depois de muita especulação, a confirmação ontem de nomes da cúpula do PMDB na lista de inquéritos autorizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar autoridades citadas nas delações premiadas da Operação Lava-Jato tem tudo para criar mais dificuldades para a presidente Dilma Rousseff aprovar os projetos que considera prioritários nos próximos meses. Por outro lado, pode abrir um novo espaço para a negociação de um pacto entre a presidente e os chefes do Legislativo para garantir a governabilidade. Isso porque, na condição oficial de investigados, os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), perdem força e podem amenizar a independência em relação ao Planalto dos últimos dias.

Ao ter acesso à lista, a presidente conversou com um grupo restrito de ministros. Juntos, definiram que insistirão na tese de que houve uma tentativa de prejudicar a reeleição de Dilma na última semana da disputa, em 2014, quando os nomes dela e do ex-presidente Lula foram envolvidos na Lava-Jato. O governo, no entanto, optou por não se pronunciar ontem. A presidente vai reunir em Brasília no domingo os ministros envolvidos na coordenação política para avaliar os efeitos dos inquéritos instaurados pelo STF ontem, o auge de uma crise que deve se prolongar com as investigações.

Para o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, o governo Dilma vai ter problemas para mobilizar parlamentares em torno dos projetos de seu interesse, como os do ajuste das contas públicas defendido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Como o Executivo não tem poder para interferir nas ações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, deputados e senadores denunciados podem optar por não se mexer a favor do governo.

- Duas figuras de proa, os presidentes do Senado e da Câmara, já estão atuando como líderes da oposição e sob o aplauso da oposição. Mesmo com a investigação, devem continuar nos cargos - diz Melo. - Acredito que eles vão buscar proteção, mas o governo não tem o que oferecer. Isso vai gerar um atraso da agenda que passa pelo Congresso.

agenda prejudicada

Melo diz que a agenda política do Brasil nos próximos meses será uma "agenda da confusão" e vê dificuldade de mudanças na economia:

- Em um momento em que a economia precisa de apoio da política, a política vive turbulência. O Congresso não vai se mobilizar, por exemplo, para aprovar o ajuste fiscal. E isso pode se refletir no aumento do descontentamento da população, que pode se mobilizar nas ruas mais uma vez.

Já na avaliação da historiadora da FGV-Rio Marly Motta, o PMDB sai "estremecido" com a divulgação da lista dos políticos envolvidos na Operação Lava-Jato. Com alguns dos principais caciques do PMDB entre os investigados, ela acredita que o partido terá que mudar sua postura no Congresso e pode tentar se reaproximar do governo:

- Foi uma facada no peito do PMDB. O partido vai ter que repensar sua estratégia de atuação. Não é hora de conflitos, nem para o PMDB e nem para o governo. A saída é um pacto.

Marly aponta os senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Valdir Raupp (PMDB-RR) como os únicos nesse processo capazes de conseguir distender a relação. No entanto, os dois também estão na lista de investigados divulgada ontem.

- Eles sempre atuaram como bombeiros. Eles sabem que o clima beligerante adotado por Cunha e Calheiros não pode continuar.

A cientista política Maria do Socorro Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) concorda:

- Ninguém na classe política leva vantagem em criar instabilidade. Então, acho que pode haver um acordo entre os atores envolvidos para garantir que haja governabilidade. Penso que vai chegar a certo equilíbrio, ainda mais se a população mostrar insatisfação com os políticos.

O cientista político Marco Antônio Carvalho Teixeira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), acredita que a divulgação da lista do STF não vai alterar a já desgastada relação da presidente Dilma com o Legislativo:

- Não vejo clima para uma mudança do vento a favor do governo. A base está fragmentada, esfarelada, sem unidade. E aquelas figuras que seriam os porta-vozes natural do governo estão implicadas (na lista). Não vejo um caminho de reaproximação.

investigação longa

Para Teixeira, os atritos entre Executivo e Legislativo devem se acentuar ainda mais nos próximos meses, quando surgirem novos fatos sobre o esquema de corrupção na Petrobras. A expectativa da Força-Tarefa da Operação Lava-Jato é de mais seis meses de trabalho. Teixeira lembra que o vazamento do nome de Renan como parte da lista ao longo da semana já tinha levado o governo a uma derrota importante. O presidente do Senado devolveu a Medida Provisória da Folha de Pagamento, uma das armas do ajuste fiscal.

- Ficou claro o recado de Renan. Ele se sentiu desprotegido (com o vazamento). O Congresso deve endurecer ainda mais o jogo. Elevar a moeda de troca. Aumentar a fatura. Não será fácil - disse Teixeira. - Uma agenda de retomada neste momento é impensável. A agenda dela (Dilma) está comprometida. Queira ou não queira, enquanto durar a Operação Lava-Jato vai aumentar o buraco entre o Executivo e o Legislativo.

O PRINCIPAL INDICIADO POR JANOT

Joaquim Falcão

O principal indiciado por Janot não foi nem do PMDB, nem do PT ou do PSDB. Nem governadores, senadores ou ministros. Não foi de nenhum partido especificamente. Foi o próprio sistema partidário. De todos.

Aliás, nem foi mesmo o sistema partidário. O principal indiciado por Janot foram as relações entre as empreiteiras, partidos e políticos. De qualquer partido, de qualquer estado. Do Executivo e do Legislativo.

Ao ler a lista divulgada por Teori, esse é o ponto a não esquecer. Aparentemente, estamos com vários processos. Uns correm em Curitiba, os dos empreiteiros e não políticos. Outros correm em Brasília, os dos políticos. O direito processual os separou. Mas a relação investigada é uma só.

O problema não é nem as empreiteiras, nem os políticos. O Brasil, como qualquer país, precisa dos dois. O principal indiciado foi: como estes dois segmentos da sociedade se relacionaram e ainda se relacionam. Como se fazem negócios e política hoje.

O Brasil precisa discutir, analisar e julgar essa relação. Para superá-la e mudá-la.

As cartas estão na mesa. Moro colocou a das empreiteiras em Curitiba, e Janot, agora, a dos políticos, em Brasília. Juntos, mandaram uma mensagem ao Supremo, aos réus e ao país. A Justiça, quando quer, pode ser ágil. Pode decidir no tempo da indignação pública e na urgência do sentimento moral. O ministro Teori sabe disso.

E a defesa e os réus. Como vai agir?

Vão negar. Vão se defender usando ao limite o direito ao devido processo legal. Vão tentar retardar decisões e apurações. A democracia se faz assim mesmo. Com muita paciência.

Diante da extensão dos indiciamentos, políticos e empreiteiras já estão argumentando que são grandes demais para serem punidos. Como se tamanho fosse documento da salvação. Pode até vir a ser, mas não deveria.

Mas os argumentos de que as Olimpíadas seriam afetadas, que a desnacionalização de nossas empreiteiras é inevitável, de que o Congresso vai passar a PEC da Bengala, e que vai prejudicar os ajustes econômicos necessários, tudo junto, reflete apenas uma estratégia política de defesa. Na linguagem jurídica, usam de argumentos "ad terrorem".

Amedrontam o país. Como se tivéssemos que ficar reféns deste ou daquele político. Desta ou daquela empreiteira.

É quase isso. Mas é mais. A democracia é refém, só deve ser refém, das atividades, e não das pessoas. Do setor privado e não deste ou daquela empresa. Dos negócios. Todos respeitando as leis do estado democrático de direito.