A falta de uma base única de dados de violência contra a mulher dificulta a avaliação das políticas públicas e o enfrentamento do problema. Apesar de previsto na Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, o Sistema Nacional de Dados sobre Violência contra a Mulher ainda não foi criado. Com ele, seria possível reunir informações tanto de áreas distintas, como saúde e segurança, quanto de diferentes esferas do governo, o que poderia aprimorar a aplicação de medidas adequadas para cada local e tipo de violência.

De acordo com o estudo “Violência Contra a Mulher no Brasil — Acesso à Informação e Políticas Públicas”, publicado pela organização Artigo 19, não há ligação entre os bancos de dados existentes nas áreas de segurança, saúde e assistência social, e falta a divisão de informações por gênero. Também não é possível acompanhar o andamento dos serviços públicos de enfrentamento à violência, como as casas-abrigo, as delegacias e os juizados especializados.

Na opinião de especialistas, essas lacunas dificultam a avaliação das política públicas existentes e podem levar à criação de medidas inadequadas ou insuficientes, uma vez que o diagnóstico não é preciso. Os locais de atendimento especializado deveriam ser estabelecidos de acordo com o número de vítimas em cada região, por exemplo. O horário de atendimento também deveria ser diferenciado. “Se a maior parte da violência ocorre à noite ou nos fins de semana, não faz sentido as delegacias funcionarem exclusivamente em horário comercial”, exemplifica Joara Marchezini, uma das responsáveis pelo levantamento da ONG Artigo 19.

Para Wânia Pasinato, consultora da ONU Mulheres, a definição de qual setor (de segurança pública ou sistema judicial, por exemplo) vai reunir todas as informações e a articulação entre governos estaduais e federal são os principais obstáculos para unificar os dados. “Também esbarramos em uma questão política, que é o reconhecimento da necessidade de trabalhar as estatísticas a partir da perspectiva de gênero”, completa a especialista. Para ela, todos os registros administrativos deveriam conter o sexo da vítima.

Fernanda Matsuda, pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV), acrescenta que a falta de tradição na sistematização e na publicação de dados no país é outro entrave. “Não existe uma produção com transparência. No sistema de Justiça criminal, por exemplo, há uma tradição de não haver possibilidade de controle social”, afirma. Ela destaca ainda que, muitas vezes, os registros são feitos por funcionários sem a capacitação adequada.

Limitações do 180
A Central 180 é a fonte de estatísticas mais abrangente por ser o principal acesso à rede de atendimento às mulheres. Em 2014, foram realizados 485.105 atendimentos, sendo 52.957 relatos de violência. Na comparação com o ano anterior, houve um aumento de 18% nos casos de estupro, resultando em uma média de três denúncias diárias. Os dados permitem conhecer o perfil das vítimas e a situação da violência, porém não é possível afirmar com precisão quantas mulheres morreram em decorrência de conflitos domésticos ou familiares.

Além disso, a maior parte dos acesso a esse serviço ocorre em capitais e em grandes centros urbanos. No ano passado, os atendimentos abrangeram 69,1% dos 5.570 municípios. É possível observar, contudo, alguns avanços. O número de habitantes atendidos na zona rural quadruplicou em relação a 2013, de acordo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). A pasta informou que o sistema nacional de dados “está em processo de construção”, mas não detalhou quando ele deve ser concluído nem quais etapas faltam para que isso ocorra.

Legislação
Por não se restringir à punição dos agressores, mas tratar de forma abrangente do enfrentamento e da prevenção da violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha representa um marco. Mas ainda é preciso avançar. “A aprovação da lei é praticamente um ponto de partida para novas mudanças e desafios”, destaca Wânia Pasinato. Com esse objetivo, há mais de 20 propostas em tramitação no Congresso Nacional (ver arte ao lado), além da Lei do Feminício, aprovada neste mês.

Uma delas propõe que o “botão do pânico”, usado primeiro no Espírito Santo, seja implementado em âmbito nacional. O dispositivo móvel de segurança é conectado com a força policial a fim de viabilizar a denúncia imediata de ameaça. Fernanda Matsuda acredita que o necessário, neste momento, é aperfeiçoar o que já existe, como as medidas protetivas, que precisam ser implementadas mais rapidamente para assegurar a segurança das mulheres vítimas de violência.