Embora tenha ganhado fôlego até a próxima semana, quando o Senado voltará a se debruçar sobre o projeto que trata da renegociação das dívidas de estados e de municípios, o Planalto ainda precisa equacionar o principal entrave para aprovar o ajuste fiscal: desarmar a base aliada, insatisfeita com as propostas palacianas. Entre economia nos gastos públicos, aumento na arrecadação e potencial crescimento de despesas, os temas em tramitação no Congresso envolvem, até agora, cerca de R$ 56 bilhões (veja quadro). Se forem levados em conta os R$ 75 bilhões que a presidente Dilma Rousseff segura dos ministérios, a cifra sobe para R$ 125,29 bilhões.

Na próxima terça-feira, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem uma audiência marcada na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado para apresentar uma alternativa ao projeto de dívidas dos estados — cuja urgência para análise foi aprovada ontem na Câmara — e expor o que os senadores estão chamando de “Plano Levy”: o detalhamento das propostas da equipe econômica para reverter o quadro de recessão no país.

Por enquanto, os aliados ainda não se convenceram. “Eu, como todos os petistas, queremos ver o Brasil crescendo, com o nosso governo liderando esse processo, mas precisamos saber qual é o rumo desse ajuste”, disse o senador Walter Pinheiro (PT-BA). “O Levy é competente, é um homem de mercado e imagino que saiba de onde virão os recursos para os ajuste e para onde eles vão”, completou.

A base quer evitar dar um cheque em branco à equipe econômica. A queixa primordial é que as medidas estão sendo apresentadas a conta-gotas, sem que haja um debate mais aprofundado das consequências das propostas. “Como diz o samba cantado por Chico Buarque, o que estamos vendo são propostas que só afetam a ‘gente humilde’. Se você quer, de fato, fazer um ajuste social — não econômico —, tem que olhar da cobertura até a parte de baixo”, cobrou o senador Paulo Paim (PT-RS), que ameaça deixar o partido se forem aprovadas as medidas provisórias que alteram direitos trabalhistas e previdenciários (leia mais na página 4).

Se as medidas são consideradas pontuais, o mau humor é estrutural. Todas as propostas apresentadas até agora pela equipe econômica sofreram críticas. As MPs trabalhista e a previdenciária foram alvo de uma enxurrada de emendas, a maior parte delas apresentadas pela base, especialmente o PT. A correção da tabela do Imposto de Renda teve que ser reformulada pela equipe econômica para evitar que o veto presidencial fosse derrubado.

A desoneração da folha de pagamento talvez tenha sido a batalha mais emblemática. O aumento das alíquotas incidentes sobre a folha, modificadas em uma medida provisória, foi rejeitado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que devolveu o texto ao Executivo. O Planalto teve, então, que encaminhar um projeto de lei comurgência constitucional tratando da mesma matéria.

Nem apoiadores costumeiros, como as centrais sindicais, estão convencidos. Em 13 de março, os sindicatos promoveram uma marcha em defesa do governo e da Petrobras, mas também dos direitos dos trabalhadores que o Planalto insiste em modificar. Em cerimônia no palácio, na tarde de segunda-feira, as entidades tomaram um puxão de orelhas de Dilma. Ao encaminhar a medida provisória prorrogando até 2019 a política de valorização do salário mínimo, a presidente lembrou que essa era uma resposta aos movimentos sociais, que temiam pelo fim da iniciativa. Mas alertou: “O governo está comprometido com o ajuste porque sabe que ele é fundamental para o Brasil”.

Esplanada
Até mesmo o que não tem relação direta com o Congresso gera estresse. O decreto presidencial que suspende, até abril, R$ 75 bilhões de investimentos e custeio dos ministérios, deixa a base irritada porque impacta as emendas parlamentares, os investimentos das pastas e as nomeações do segundo escalão. E ainda existem esqueletos passeando pelo parlamento, como o aumento para o Judiciário, que poderá aumentar em R$ 1,1 bilhão anuais as contas públicas. Ontem, Levy se reuniu com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, para discutir a execução orçamentária do Poder Judiciário.

Para o vice-presidente do Senado, senador Jorge Viana (PT-AC), o cenário econômico está muito “contaminado pela política”. Ele admite que a correção de rumos dará trabalho. “Será preciso uma grande engenharia para as coisas se ajeitarem”. Já o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), acha que a “rebeldia” da base é fruto dos novos tempos. “Estávamos acostumados com um Congresso que só batia carimbos. O Judiciário está sendo mais Judiciário, o Legislativo tornou-se mais Legislativo. Agora, cabe ao governo ser mais governo”, alfinetou.
Renan manda recado ao Executivo

No que depender do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a batalha em torno da renegociação das dívidas de estados e municípios será dura para o Planalto. Ontem pela manhã, Renan deixou claro que o Congresso vai trabalhar para derrubar qualquer veto presidencial em relação ao tema. “O Congresso recuperou o poder de dar a última palavra nas matérias legislativas. O Congresso, ao fim e ao cabo, é quem vai apreciar o veto”, disse o peemedebista.

Foi aprovada na Câmara — e será votada pelo Senado na semana que vem — a proposta definindo que, caso o governo não apresente uma solução para o tema em 30 dias, a mudança do indexador das dívidas entrará em vigor imediatamente. A briga foi comprada também pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que ontem disse não admitir “que haja interpretação do que foi votado e sancionado”.

O projeto de lei complementar foi apresentado pelo líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ). “Não estamos fazendo nada além do que já foi votado e aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidente Dilma. O impacto desse gasto já está precificado pelo mercado e pela própria equipe econômica”, justificou Picciani.

O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), lembrou que, no fim do ano passado, os parlamentares foram procurados pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que lhes pediu para não votarem a matéria — proposta pelo antecessor, Guido Mantega, em 2012. Na ocasião, Levy assegurou que encontraria uma saída para a questão. “Não encontrou, pusemos a matéria em votação e a aprovamos”, resumiu Eunício.

Pela manhã, durante café com senadores da base aliada, Levy voltou a afirmar que não há espaço para se aplicar o novo indexador. Pelas contas do ministro, o impacto dessa medida será de R$ 3 bilhões neste ano, dos quais R$ 1,3 bilhão apenas para a cidade de São Paulo, administrada pelo petista Fernando Haddad. “A reunião com os senadores foi muito positiva. O presidente da CAE, senador Delcídio Amaral (PT-MS), sinalizou algumas possibilidades de a gente discutir a agenda de crescimento. Não há substituto para o diálogo”, afirmou Levy. (AA e RH)

“O Congresso recuperou o poder de dar a última palavra nas matérias legislativas. O Congresso, ao fim e ao cabo, é quem vai apreciar o veto”
Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, ao comentar a renegociação das dívidas de estados e municípios com a União