Um dia depois da decisão de três ministros do Supremo Tribunal Federal de tirar da cadeia executivos de empreiteiras presos, os investigadores da Operação Lava-Jato armam estratégias para continuar a apuração do caso. Uma delas é ao menos tentar monitorar o que os nove soltos vão fazer, para evitar que ele cooptem e intimidem testemunhas ou destruam provas. Contrariados, sabem que há “oportunidades” para os réus acusados de pagar suborno para obter contratos na Petrobras fazerem tudo isso apesar de o alerta já estar ligado na Polícia Federal e no Ministério Público. Uma comprovação de que a conduta dos executivos está atropelando o processo pode levá-los de volta à cadeia, como aconteceu com os ex-diretores da estatal Renato Duque e Paulo Roberto Costa, inicialmente beneficiados com uma decisão do STF.

Na terça-feira, os ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Dias Toffoli votaram para que nove executivos das empreiteiras OAS, Camargo Corrêa, UTC, Mendes Júnior, Engevix e Galvão Engenharia fossem transferidos para prisão domiciliar. Cármen Lúcia e Celso de Mello ficaram vencidos na 2ª Turma ao votarem contra os habeas corpus e defenderem a manutenção das prisões preventivas, que duravam cinco meses e meio.

O presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal, Marcos Leôncio Ribeiro, criticou a decisão e o sistema judicial brasileiro. “Em que pese o respeito pela decisão do STF, veja que o apertado placar de 3 a 2 para habeas corpus já rejeitado pelo TRF (Tribunal Regional Federal) e pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) é algo incomum na Justiça de outros países”, disse ele ao Correio.

Primeiro, a maioria da 2ª Turma concedeu o benefício da prisão domiciliar para Ricardo Ribeiro Pessoa. Depois, Teori Zavascki disse que todos os demais executivos estavam em “situação processual significativamente assemelhada”. Leôncio criticou a posição do STF. “A análise de um caso simplesmente estender os efeitos de um para os outros, sem análise caso a caso, também é algo para repensar nosso sistema de Justiça.”

Um dos investigadores da Lava-Jato endossou ao jornal as opiniões de Leôncio, classificando a decisão do tribunal de “aplicação genérica que surpreende”. Ele disse que os nove executivos estavam em posições diferentes. Os que colaboravam com a investigação, como Gérson Almada, da Engevix, poderiam até ser soltos tendo em vista que deixam de ser “hostis” à apuração e à sociedade. No caso de Pessoa, que há semanas negocia idas e vindas de uma delação premiada, inclusive com menção a políticos com foro no Supremo, como deputados e senadores, isso também poderia ser relativizado. Mas os outros executivos estão em “níveis” de periculosidade maior na avaliação dos investigadores.

Tornozeleiras
O clima no Ministério Público e na PF não era dos melhores ontem enquanto os réus deixavam as celas. Na 12ª Vara de Execuções Penais da Justiça Federal, no bairro do Ahú, em Curitiba, eles receberam as tornozeleiras eletrônicas. Deixaram a cadeia: Pessoa, da UTC; Almada, da Engevix; José “Léo” Pinheiro, Mateus Coutinho de Sá, Agenor Franklin Martins Medeiros e José Ricardo Breghiroli, da OAS; Sérgio Cunha Mendes, da Mendes Júnior; Erton Medeiros Fonseca, da Galvão Engenharia; e João Ricardo Auler, da Camargo Corrêa. Só Dario Galvão, da Galvão Engenharia, continua preso.

“Discordamos”, resumiu um outro investigador, inconformado. Outro entende que é hora de engolir a derrota e contorná-la, mas de forma ainda não definida. “O cenário não é bom”, disse. “Temos que fazer do limão uma limonada. Não é o melhor cenário, mas é o que tenho.” O procurador Carlos Fernando Lima disse que a decisão do STF “não a torna isenta de críticas”. “A força-tarefa Lava-Jato reitera o seu compromisso com a continuidade e o aprofundamento da investigação”, disse ele ao jornal O Estado de S.Paulo.

A vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, minimizou a decisão do STF. “Acho que não vai atrapalhar a investigação, porque foram colocadas condições, elas são impeditivas”, disse. “A gente ficaria com mais certeza se estivesse preso”, ponderou a procuradora.

As delações premiadas devem ter um freio, segundo um especialista de crime organizado. Ele entende que a disposição para colaborar diminui com a soltura. Apesar disso, advogados de Ricardo Pessoa afirmam que ele não descartou fazer uma delação premiada. Até agora, as negociações com ele não se concretizaram. Outro executivo que estava com negociação não concluída era João Auler, da Camargo.

Já os advogados comemoraram. Para o criminalista Ticiano Figueiredo, o STF poderia ser enfático em atacar as “ilegalidades” praticadas pelo juiz Sérgio Moro na Lava-Jato. “A gente espera uma reprimenda à postura arbitrária do juiz.” Figueiredo lembrou que, em caso de eventual condenação, os empreiteiros não poderão descontar o período em prisão domiciliar. “A decisão deixou de avaliar essas ilegalidades.”

Ontem, o desembargador Newton Trisoto negou soltar o ex-diretor de Engenharia da Petrobras Renato Duque. O advogado dele, Alexandre Lopes, disse ao Correio que não pedirá a extensão da decisão que liberou os executivos ao Supremo. Duque já foi preso duas vezes por ordem de Sérgio Moro, mas foi solto pelo STF em dezembro, dias após o primeiro mandado de detenção. “Vou esperar nosso habeas corpus chegar lá”, disse Lopes.

Entenda o caso
Demora e complexidade
Por três votos a votos, a 2ª Turma do STF acompanhou voto do ministro Teori Zavascki para soltar nove réus da Lava-Jato. Os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli acompanharam o relator ao dizer que não havia mais risco de interferir no processo porque já haviam se passado cinco meses e meio da prisão e a Petrobras havia suspendido os futuros contratos com as empreiteiras investigadas. Ele disse que a detenção preventiva não poderia ser confundida com uma antecipação de punição. “Decretar ou não decretar a prisão preventiva não deve antecipar juízo de culpa ou de inocência, nem, portanto, pode ser visto como antecipação da reprimenda nem como gesto de impunidade.”

Com a decisão, os executivos voltam para casa em prisão domiciliar, mas tiveram que entregar os passaportes. Ontem, o ministro Celso de Mello divulgou seu voto no site do STF em que contesta a soltura dos réus. Segundo ele, o período da prisão não significa que eles estejam em “injusta situação” de demora devido à complexidade do processo e à diversidade de atores dos supostos crimes. “Não vislumbro excesso irrazoável na duração da prisão cautelar do ora paciente”, disse o ministro. Celso de Mello endossou o voto de Cármen Lúcia pela prisão. Para o ministro, outros indicativos da legalidade das prisões são “a existência de litisconsórcio” de personagens, 10 corréus no processo e a “ocorrência de fatos procrastinatórios”, que retardaram o andamento do caso.