A fragilidade da economia está provocando estragos nos cofres públicos. Nem mesmo o tarifaço promovido pelo governo, como o aumento de impostos sobre combustíveis, foi suficiente para segurar a arrecadação. Segundo a Receita Federal, no primeiro trimestre do ano, as receitas registraram queda real (descontada a inflação) de 2,03% ante igual período de 2013, totalizando R$ 309,4 bilhões, o pior resultado desde 2011. Em março, entraram R$ 94,1 bilhões no caixa do Fisco, alta real de apenas 0,48% em relação ao mesmo mês de 2014.

Em janeiro, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou a elevação das alíquotas do Imposto de Operações Financeiras (IOF) de 1,5% para 3%, que começaram a vigorar em fevereiro e aumentariam as receitas em R$ 7,4 bilhões neste ano. No primeiro trimestre, a alta desse tributo foi de apenas R$ 658 milhões. No caso do PIS-Cofins sobre os combustíveis, a expectativa era de arrecadar R$ 12,2 bilhões a mais neste ano. Entre janeiro a março, porém, houve retração de 4,3% nas receitas.

“O valor arrecadado com o IOF e o PIS-Cofins sobre gasolina e diesel ficou abaixo do esperado em março. Houve menos concessão de crédito e menos dias úteis em fevereiro. As greves de caminhoneiros afetaram o comércio de combustíveis”, explicou o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita, Claudemir Malaquias. Mas, segundo ele, foi a retração do consumo e do emprego o que mais impactou a arrecadação do mês passado.

Na opinião dos especialistas, o desempenho ruim na coleta de tributos é forte ameaça ao cumprimento da meta de superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida) de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Não à toa, a Receita evita fazer projeções. “O comportamento das receitas está muito aderente ao desempenho da economia. Teremos que arrecadar muito para atingir o mesmo nível do ano passado. O quadro econômico não está permitindo uma expressiva recuperação”, disse Malaquias.

Para Bernardo Fajardo, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), com a economia fraca, a tendência da arrecadação é continuar caindo, a não ser que o governo consiga “um milagre” nas concessões de infraestrutura ou ressuscite a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). “Mesmo com a recomposição de vários impostos, a Receita Federal não tem conseguido bons resultados. Isso mostra nitidamente que as chances de o governo cumprir a meta fiscal são muito pequenas”, afirmou. Atualmente, a previsão do Ibre é de superavit primário de 0,7% do PIB. “Não descartamos a possibilidade de esse número ser revisto para baixo”, disse.

Pessimismo

Diante dos fracos números apresentados pela Receita, o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, tratou de cortar as projeções para o resultado fiscal de março do governo central, que será divulgado amanhã. “Estamos esperando deficit de R$ 2,8 bilhões no período. Se assim for, o rombo do governo central acumulado em 12 meses subirá de R$ 24,1 bilhões para R$ 27,3 bilhões”, destacou.

Para ampliar o pessimismo dos analistas, o Fisco informou que as desonerações, que Joaquim Levy vem tentando reverter, somaram R$ 29,1 bilhões no primeiro trimestre, volume R$ 5,3 bilhões (21,63%) acima do registrado em 2014. Somente em março, o Fisco deixou de arrecadar R$ 9,7 bilhões. Claudemir Malaquias afirmou que o governo espera que, em 2015, as desonerações não ultrapassem os R$ 104 bilhões do ano passado.

A surpresa boa da arrecadação de março veio da declaração de ajuste das empresas. As receitas ficaram acima do esperado pela Receita, sobretudo as pagas pelas instituições financeiras. De acordo com Malaquias, no primeiro trimestre, os tributos passaram de R$ 8,9 bilhões para R$ 10,3 bilhões. “Isso representa a margem de ganho das companhias do setor financeiro. No trimestre, a arrecadação delas cresceu 26,7%, para R$ 20,7 bilhões”, frisou.

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Plano Collor pode impor perdas de R$ 7,3 bilhões

VERA BATISTA


Vinte e cinco anos se passaram e a União ainda se vê às voltas com a herança maldita do governo Collor. De acordo com o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016, que lista dos riscos aos cofres públicos, os débitos acumulados com a extinção de órgão públicos, no início da década de 1990, somam R$ 7,3 bilhões.

Na época, foram fechadas as Empresas Nucleares Brasileiras (Nuclebrás), o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), a Superintendência Nacional da Marinha Mercante (Sunamam) e a Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Os servidores afastados entraram com ações de reintegração.

Na opinião do professor José Matias-Pereira, especialista em finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), diante do imbróglio que permanece, o brasileiro ainda vai ouvir falar desses “esqueletos” por muito tempo.

“O governo Collor não era apenas trapalhão, era temerário. Collor foi o homem do desmonte. Me lembrava o regime nazista. Tomou decisões sem base jurídica e técnica”, afirmou Pereira, lembrando que boa parte das pessoas que se beneficiariam com a reversão dessas medidas já morreram.

Os motivos para a demora na decisão são diversos. A Justiça, tradicionalmente morosa, fica mais estática quando trata de decisões complexas, de cunho econômico, disse. E o governo, para evitar sangramento nos cofres, tem interesse em empurrar com a barriga indenizações dessa natureza. “Os fatos mostram que o poder público precisa ser refundado. Não faz sentido o governo ficar protelando uma causa que vai perder, apenas porque faz parte de sua função recorrer até a última instância”, condenou Pereira.

De acordo com o especialista em contas públicas Gildásio Pedrosa de Lima, do escritório Veloso de Melo Advogados, embora ultrapassada, a ideia original de obrigar o Estado a recorrer até a última instância era proteger o erário e preservar o patrimônio público. “Há ainda pouca flexibilidade para fazer acordos com os governos. Mas muita coisa está mudando. Hoje, a Advocacia Pública dispensa processos de pequenos valores e segue a orientação do STF, quando há entendimento consolidado”, disse.

Vergonha
As modernizações, no entanto, têm impacto apenas para os mal-feitos após a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Os conchavos do passado, admitiu, vão ainda tramitar por prazo indefinido.

Independentemente dos efeitos sociais que o passivo causar aos prejudicados pelas medidas, o carregamento da dívida é muito barato para o Estado, explicou o advogado Jean Ruzzarin, do escritório Cassel, Ruzzarin, Santos, Rodrigues Advogados, especializado na defesa do servidor público.

Enquanto as instituições financeiras cobram taxa, no crédito consignado (a mais baixa do mercado), de 18,44% a 106,53% ao ano, segundo dados do Banco Central, a União remunera seus débitos pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA, em 8,23% ao ano, em 2015) e juros de mora de 6% anuais.

“Uma vergonha. É um excelente negócio para o governo ficar segurando os pagamentos”, destacou Ruzzarin. Apesar de ser advogado, ele disse que não entende o porquê de tanta demora para a ação chegar ao fim, já que o Código de Processo Civil (CPC) fixa prazos para as partes envolvidas. “No entanto, o não cumprimento de prazo, não acarreta nenhum constrangimento ao magistrado, é o que se chama de prazo não peremptório”, assinalou. 


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Prazo para abonos


O governo tem esperança de, até amanhã, fechar os últimos detalhes para aprovar as medidas de ajuste fiscal, que tratam da concessão de benefícios trabalhistas. Ontem, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, afirmou que o governo já admite reduzir de seis para três meses o prazo necessário para que o trabalhador tenha direito ao abono salarial, como prevê a MP nº 665. O relatório do senador Paulo Rocha (PT-PA) sobre a medida deve ser votado amanhã na comissão mista, para só depois, se aprovado, ser encaminhado ao plenário da Câmara. De acordo com o ministro, “o relator aceitou nossa proposta de fazer o pagamento do abono de forma proporcional, como acontece com o 13º (salário)”.

Barbosa, que participou da reunião com o vice-presidente da República, Michel Temer; com os ministros da Fazenda, Joaquim Levy; e da Previdência, Carlos Gabas, e com parlamentares para negociar ajustes no texto, admitiu que ainda não há concordância sobre a alteração do prazo de concessão do seguro-desemprego. “Já existe uma convergência em vários aspectos... Continuamos achando que o ideal é 18 meses (de trabalho para que o seguro-desemprego possa ser acessado)”, disse o ministro, que se declarou confiante de que o Congresso vai preservar a essência das medidas ao aprová-las.

Originalmente, a proposta do governo era de aumentar de seis para 18 meses o período de trabalho para recorrer ao benefício pela primeira vez, mas o relator da MP propõe em seu texto que essa carência seja de 12 meses.

Sobre a Medida Provisória nº 664, que trata de benefícios previdenciários como auxílio-doençca e pensão por morte, Barbosa afirmou que espera que o relatório seja apresentado nesta semana. Ele admitiu que há consenso sobre a necessidade de determinar tempo mínimo de contribuição à Previdência e de casamento para o recebimento de pensão por morte. “Existe uma concordância qualitativa nesses princípios.”