A falta de padrão nas políticas de cotas e outras ações afirmativas nas universidades estaduais levam a uma inclusão menos efetiva de alguns grupos étnicos, como negros, pardos e indígenas. Diferentemente das instituições federais, submetidas à Lei de Cotas, sancionada em 2012, no caso das estaduais, cabe aos conselhos universitários ou ao legislativo local definir tais medidas. Apesar de ações inclusivas como reservas de vagas e sistema de bônus estarem presentes em pelo menos 32 de 38 estaduais, há uma tendência de cotas sociais em detrimento das raciais. Isso resulta em uma representação desproporcional desses grupos no ensino superior.

Na região Sudeste, onde a situação é mais desequilibrada, 7,8% das cotas são para negros, pardos ou indígenas, apesar dessas etnias representarem 43,9% da população local, segundo estudo do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA). Na avaliação do professor Luiz Augusto Campos, do GEMAA, a ideia de que as cotas sociais contemplariam a população negra porque eles seriam o grupo majoritário nas classes sociais mais baixas é equivocada. “Mesmo negros e pardos que tiveram acesso a escolas privadas continuam enfrentando dificuldade no mercado de trabalho, porque são discriminados. As cotas sociais e raciais devem vir juntas, mas estão lidando com problemas distintos”, afirma.


Há críticas também à adoção de sistema de bônus usados pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pela Universidade de São Paulo (USP). Para Campos, esse tipo de medida demanda uma complexidade maior na aplicação porque é afetada por questões como uma variação na nota de corte dos cursos nos processos seletivos, por exemplo. Tais experiências produzem resultados pouco expressivos no aumento da quantidade de candidatos de grupos desprivilegiados que ingressam na universidade.

No caso da USP, em 2012, cerca de 7% dos matriculados eram negros. O número é título do documentário USP 7%, que será lançado amanhã e conta a trajetória de luta pela implementação de ações inclusivas na universidade. Para Daniel Mello, um dos diretores do filme, a política de bônus é ineficiente, especialmente nos cursos mais concorridos, como direito e medicina. “Tem carreira que você tem zero negro”, afirma. O sistema adotado desde 2006 passou por aumentos progressivos nos percentuais de bônus. Desde o ano passado, vestibulandos que frequentaram o ensino fundamental e médio em instituições públicas podem receber o acréscimo de até 20% na pontuação final. Estudantes que se declararem negros, pardos ou indígenas recebem um acréscimo de 5% na nota.

Na USP, uma das maiores universidades do Brasil — onde estudam 92.792 alunos —, há uma resistência histórica pela adoção de políticas afirmativas, devido a diversos fatores, incluindo a dificuldade de se estabelecer um sistema de inclusão considerado adequado no estado de São Paulo, apesar de algumas tentativas. Na última semana, o debate voltou à tona quando um grupo com mais de 50 integrantes do movimento estudantil e de coletivos negros interrompeu uma reunião do Conselho Universitário da instituição durante a discussão da reforma do Estatuto da USP demandando políticas mais inclusivas.

Federais

Resistência similar aconteceu em universidades federais de renome, como a do Rio de Janeiro (UFRJ) e a de Minas Gerais (UFMG), durante a discussão da implementação da lei de cotas. Para o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, o modelo das federais é adequado e sinaliza para os estados sobre a adoção de ações afirmativas. “É uma imposição altamente moral. No caso dos negros, tivemos quase 400 anos de escravidão e, quando terminou, não houve nenhuma política de compensação para eles. Então, o Brasil manteve, no lugar da escravidão, uma miséria profunda”, afirmou, em entrevista ao Correio na última semana.

Na avaliação de José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, houve um avanço extraordinário na inclusão durante os últimos anos. “O Brasil nunca teve um manual para tratar desse tema e o que se fez (a lei de cotas) é uma ação pioneira e que, por natureza, vai ser ajustada no percurso”, afirmou. Para André Lázaro, pesquisador da Uerj, falta aprimorar políticas de manutenção dos cotistas no ensino superior e acompanhar o desempenho após a graduação. Ele defende que o aumento do número de negros nas universidades ajuda a combater o preconceito. “Quando você começa a conviver com a diferença e reconhece que ela não faz diferença, você diminui o racismo”, afirma Lázaro.

Ainda assim, o preconceito é presente mesmo na Universidade de Brasília (UnB), pioneira entre as federais a adotar cotas raciais, em 2004. Foi pensando nisso que a estudante de ciências sociais Lorena Monique dos Santos, 21 anos, criou o tumblr #ahbrancodaumtempo. Nas fotos publicadas no site, universitários negros seguram fotos com frases racistas que ouvem no dia a dia, como “você é privilegiada por ser cotista”. “A gente tem um mito de democracia racial, mas a agressão acontece em comentários sutis, conselhos, frases naturalizadas”, conta.