Título: Faltou a conclusão
Autor: Batista, Vera
Fonte: Correio Braziliense, 28/07/2011, Economia, p. 12/13

Governo intervém no mercado futuro de dólar, mas não está claro o quanto quer depreciar o real

O Ministério da Fazenda foi rápido, desta vez, contra o movimento revigorado de apreciação do real, e agiu diretamente sobre a causa maior: o mercado futuro de moedas. Se o Banco Central enxuga todo o fluxo líquido de divisas, razão pela qual as reservas saltaram de US$ 37 bilhões, na posse do presidente Lula em 2003, para US$ 342 bilhões esta semana, a taxa cambial não deveria exibir um viés pró-real, apesar da depreciação do dólar ser um fenômeno mundial.

O dólar começou a octaetéride lulista valendo R$ 3,52. Ao fim de seu primeiro mandato, já valia R$ 2,13. Ontem, estava a R$ 1,56, mas depois da intervenção da Fazenda, em consenso com o BC, estendendo a aplicação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) também ao saldo entre os estoques de dólares comprados e vendidos a futuro pelos bancos e fundos de hedge. O governo só resolveu agir quando a taxa cambial já deslizava para o patamar de R$ 1,50.

A decisão merece melhor avaliação, já que o governo não revelou o que espera dela. Não se sabe se foi apenas uma medida tópica, como as passadas ¿ também à base da cobrança do IOF sobre os ingressos financeiros para aplicação em papéis do Tesouro ¿, ou uma mudança de estratégia do BC e da Fazenda em relação ao uso do câmbio como instrumento acessório da Selic no controle da inflação.

O dólar barato castiga as exportações, mas premia as importações, que complementam a oferta interna no atendimento da demanda movida pelo aumento da renda, do crédito, dos gastos fiscais e pelo ciclo de investimento. O balanceamento entre a oferta e a demanda sempre esteve no centro das preocupações do governo Lula.

Depois da crise de 2008, que levou a economia à recessão em 2009, porém, o pêndulo se deslocou para o lado da demanda, e isso quando reapareceu o que estava em curso no mundo antes do furacão de Wall Street: o choque de preço das commodities, sobretudo as agrícolas.

A somatória dos dois eventos, choque de preço com laxismo fiscal e de crédito, inflou a inflação no Brasil. Se o BC se adiantasse, os juros atrasariam a saída da recessão, estendendo-a até 2010 ¿ ano de eleições. Os interesses eleitorais indicaram o caminho para a política econômica: menos arrocho e mais crescimento econômico.

Bazar de importados As consequências estão aí, e, entre elas, o coice da valorização do real. Ela ajudou Dilma Rousseff a se eleger, mas ao custo de transformar o mercado interno num bazar de mercadorias importadas ¿ uma sequela que, se não contida, já que é improvável cogitar sua reversão devido ao efeito inflacionário a curto prazo, arruinará a produção nacional. E, a médio prazo, o próprio emprego.

Muito pouca gente entendeu o que fez o dólar no Brasil cair mais que em outros países, mesmo onde as commodities também têm grande peso nas exportações, como Austrália e Argentina. Enxerga-se só o volume de ingressos, que, de fato, tem sido caudaloso. E tanto por causa dos juros básicos de dois dígitos, um recorde internacional, como pela solidez da solvência externa, garantida pelas reservas ¿ e mais a demanda aquecida e a penca de projetos de investimentos.

Enigma do real forte Mas, repetimos, se entre o que entra de dólares e o que sai o BC compra todo o excedente, a depreciação cambial deveria, no limite, estar neutralizada. Se não esteve, como demonstra a valorização do real de R$ 3,52, no início de 2003, a R$ 1,56, hoje ¿ uma gangorra com inclinação de 56% ¿, a melhora dos fundamentos da economia não explica toda a história. Nem a relação de trocas recorde, expressa pelo preço médio maior das exportações em relação às importações.

Como Robin e Batman O mercado futuro explica o que fez o real amplificar a derrocada do dólar, deliberadamente mirrado pelo governo Barack Obama para tentar compensar com exportações o débil mercado interno dos EUA.

Não é simples visualizar tais operações. Primeiro, o BC garante a compra do fluxo líquido de moedas. A banca se endivida no exterior a custo baixo; interna os dólares; vende-os a futuro; e aplica os recursos em papéis do Tesouro. Com a sincronização desses tempos, faturam-se os juros e mais a valorização cambial ¿ o resultado das apostas no mercado futuro, agora dificultadas com a incidência do IOF. Desta vez, vai funcionar? Depende de outros condicionantes.

Se a inflação continuar firme, a crença no câmbio como o Robin de Batman-Selic continuará intacta. Importa conhecer o compromisso do governo com uma taxa mais depreciada em relação às projetadas pelo mercado, mas isso ninguém disse. Parece que o governo espera que a crise externa se agrave, livrando-o de ter de derrubar o real.

Dilma está pronta? As dúvidas sobre as intenções do governo Dilma em relação ao real fraco são legítimas. Enfraquecê-lo não é uma decisão técnica, se a solvência externa não estiver em causa, e não está. Ela é política ¿ e com implicações sociais. Dólar caro implica, num primeiro ato, transferência de renda de salários para o exportador, algo difícil de defender, embora essencialmente correto, já que, como está, é a indústria e o próprio emprego que estarão ameaçados a médio prazo.

Mas reverter o populismo cambial exige mais que ações táticas. O gasto fiscal e o crédito precisariam ser contidos para desarmar a inflação e mirrar a Selic ¿ vitamina da valorização cambial. Dilma está pronta para enfrentar essa parada? Há controvérsias.