O governo federal possui 141 empresas estatais, das quais 33 exclusivamente da União, com patrimônio de R$ 615,6 bilhões, dados recentes. Elas contam com 500 mil empregados e movimentam R$ 1,3 trilhão com seus orçamentos. Só a Petrobras, que, apesar de ter muitos diamantes a menos do que há alguns anos, continua a ser a joia da coroa, investirá R$ 81,5 bilhões, 43% mais do que R$ 57 bilhões da administração direta. Não é a toa que os escândalos envolvendo desvio de recursos têm se multiplicado nessas companhias. “Parafraseando Milton Nascimento, o corrupto vai aonde o dinheiro está”, diz o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco.

Com ativos tão valiosos, e tanto risco de perdê-los, é de esperar que o governo tenha um órgão poderoso para evitar deslizes. Mas não é bem assim. O Departamento de Coordenação e Governança de Empresas Estatais (Dest) carece de instrumentos suficientes para exercer essa função, avaliam especialistas, incluindo pessoas que fizeram parte de seu corpo técnico.

Por conta, disso, as estatais acabam acomodando interesses escusos de todos os lados: de fora, abrindo espaço para partidos da base do governo; de dentro, favorecendo funcionários; e do alto, obedecendo determinações do eventual ocupante do Planalto. “A governança das estatais é pior do que nas companhias privadas. Aliás, empresas públicas não têm governança. Algumas até dizem que têm, mas é só pirotecnia”, afirma Telmo Schoeler, presidente da Consultoria Strategos.

Embora envolva muitos aspectos, o controle das estatais passa pela competência do Dest. O órgão já foi um dos mais poderosos da Esplanada na época em que Delfim Netto era ministro do Planejamento, no início dos anos 1980. Com status de secretaria, atendia por outra sigla: Sest. No governo de Fernando Henrique Cardoso, tornou-se um departamento da secretaria executiva do Planejamento e os cargos foram reduzidos aos 70 atuais. “A ideia na época era privatizar o máximo possível, por isso desidrataram o órgão. No governo Lula, em que não se sabia direito o que se pretendia fazer, o programa de venda e empresas foi suspenso, mas o Dest continuou como estava”, conta um ex-funcionário.

Mesmo reduzida, a estrutura ocupa metade de um andar do prédio do Planejamento, na Esplanada. O problema, porém, não está tanto no tamanho. As tarefas a cargo do órgão exigem tecnologia de ponta. Mas até alguns anos atrás o sistema de informática era o mesmo dos anos 1980, em linguagem Cobol. Como ninguém mais trabalhava com esse tipo de coisa, várias das funções do programa tornaram-se inoperantes.

Sem autoridade

Falta de gente e de tecnologia são problemas reais, mas não os obstáculos principais. O pior, para quem já trabalhou lá, é a falta de autoridade. Castelo Branco, que atuou ali na década de 1990, conta que era quase impossível pedir informações às estatais. Uma vez, relata, foram enviados requerimentos a todas elas. Depois de algumas semanas, apenas 17 haviam respondido. E não adiantou insistir: o número de respostas seguiu acanhado.

Outro ex-funcionário, que atuou lá até quatro anos atrás, conta que fazer exigências não era fácil com as estatais médias, mas com as maiores era impossível. “A gente ficava na dúvida se a Petrobras era um ministério à parte ou um país amigo, ao qual poderia, pelo menos, enviar um embaixador”, ironiza. Quando era necessária uma comunicação urgente, no máximo se conseguia falar com o adjunto do diretor financeiro. O comandante do Dest pegar o telefone e alcançar o presidente da companhia era impensável.

“O governo finge que fiscaliza, e as estatais fingem que são fiscalizadas”, resume Castelo Branco. Ele afirma que um dos problemas está no compadrio que acaba se criando entre servidores do Dest e das companhias. “Alguns até exercem cargos nos conselhos dessas empresas”, critica.

Racionalidade

O próprio diretor do Dest, Murilo Barella, está em dois conselhos : o da Transpetro, da qual recebeu R$ 11.715,32 em fevereiro, e o de outra subsidiária da Petrobras, a Transportadora Associada de Gás (TAG), que lhe pagou R$ 4.860,14. Somados, os jetons ultrapassam seu salário no governo, de R$ 11.235,00. Barella rejeitou os pedidos de entrevista para explicar sua atuação no Dest. Em vez disso, a assessoria do Planejamento respondeu a algumas questões por escrito.

Para Schoeler, da Strategos, os servidores nomeados pelo governo para os conselhos das estatais não cumprem o papel que deveriam ter. “Em empresas privadas, eles estão ali para defender a eficiência da empresa. Não se sentem devedores de quem os nomeou”, explica.

Schoeler acredita que melhorar a governança das estatais é impossível. “A racionalidade econômica não faz parte da lógica pública.” Ele defende que estatais sejam proibidas de ter ações em bolsa. Afinal, parte do objetivo não é ter lucro, é atender a outros interesses, eventualmente benéficos à sociedade, mas não aos sócios privados dessas empresas.

Conselheira do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, Eliane Lustosa discorda. Ela lembra, que controladores privados também podem ter uma “agenda oculta” que prejudique os outros sócios. E ressalta que a preocupação com as boas práticas deve independer de quem é o controlador. “O importante é que as empresas, públicas ou privadas, sigam os quatro princípios básicos da boa governança: prestação de contas, equidade, responsabilidade corporativa e transparência.”