A estratégia do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque de investir em obras de arte parte de sua fortuna para dar uma fachada legal à propina recebida de contratos com a Petrobras é prática antiga.

Durante a Operação Lava-Jato, a Polícia Federal apreendeu com o executivo — acusado de movimentar mais de R$ 70 milhões somente em operações no exterior — 132 obras de arte. Mas esse acervo pode ser considerado uma mixaria se comparado às 12 mil telas do acervo particular do banqueiro e controlador do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira, preso em dezembro de 2006, condenado a 21 anos de prisão por lavagem de dinheirocrime organizado e formação de quadrilha.


O acervo de Edemar tinha estátuas romanas e tesouros de mais de 3 mil anos. Havia esculturas, pinturas a óleo, fotografias raras, achados arqueológicos e obras contemporâneas de artistas consagrados. O mais importante, no entanto, para a compra de arte por criminosos não é a qualidade da obra, mas o valor que atinge no mercado. Depois de atuar no caso do Banco Santos, o então juiz Fausto De Sanctis — hoje desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) — também viu parte do dinheiro do crime ser investida em obras de arte pelo megainvestidor Naji Nahas, preso durante a Operação Satiagraha, em julho de 2009. Mais modesto, Nahas investiu parte do seu dinheiro em 1.650 peças.


Condenado também num processo presidido por De Sanctis, o traficante internacional Juan Carlos Abadia — um dos chefes do maiorcartel colombiano da droga e autor de pelo menos 300 assassinatos — adquiriu 195 obras, apreendidas em 2006, quando ele foi preso em São Paulo. Muito longe de ser um amante das artes, Abadia tinha em seu acervo preciosidades como um quadro do pintor Andreense Luiz Saciolotto (1924-2003), além de pinturas de Miró e Burle Marx. Em 2005, o banqueiro Salvatore Cacciola foi condenado a 13 anos de prisão por peculato e gestão fraudulenta do Banco Marka. Com ele, a Justiça apreendeu 23 obras, entre elas pinturas e gravuras de Manabu Mabe, Iberê Camargo, Milton Dacosta, Cícero Dias, Antônio Bandera e João Magalhães.

Migração

Para De Sanctis, o controle global de movimentações financeiras nos últimos anos tornou a vida mais difícil para os fraudadores, traficantes de drogas, contrabandistas de armas e outros que lavam dinheiro e, por isso, eles migraram para o mundo das artes. “A arte é fácil de comprar, fácil de transportar e é fácil se esconder como um comprador. A indústria da arte é baseada no anonimato. Os fluxos de caixa não são regulamentados. E pinturas são fisicamente fáceis de contrabandear”, disse Fausto De Sanctis em entrevista a um jornal dinamarquês. Segundo ele, durante seu interrogatório, o traficante colombiano revelou que comprou, por várias vezes, obras de arte com dinheiro vivo dentro e fora do país. Revelou ainda que recebeu peças como forma de pagamento de drogas comercializadas pelo seu cartel.


O primeiro registro formal da apreensão de obras de arte no Brasil foi feito ainda nos anos 1980, quando o grupo Coroa Brastel, do empresário Assis Paim Cunha, fechou as portas lesando milhares de correntistas e investidores. A Justiça apreendeu 15 pinturas da coleção do empresário, que hoje estão sob a guarda do Museu Nacional de Belas Artes, aguardando autorização judicial para sua exposição ao público. Engana-se também quem pensa que somente grandes operadores de esquemas de corrupção e desvio de dinheiro optam por buscar uma fachada legal nas obras de arte. No início do mês, o ex-secretário de Planejamento, Orçamento e Gestão da Prefeitura de Armação de Búzios (RJ), Ruy Ferreira Borba Filho, foi preso em uma operação do Grupo de Ação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Estadual sob a acusação de lavagem de dinheiro. Em sua casa, foram apreendidas 40 obras, entre elas, 10 telas de Martinho Haro ( 1907-1985) e uma de seu filho Rodrigo Haro.