Quem deseja utilizar os recursos depositados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) deve seguir algumas regras básicas. Segundo a Caixa Econômica Federal, o dinheiro pode ser usado para realizar o sonho da casa própria e sacado em caso de demissão sem justa causa, de aposentadoria e de doenças graves, entre outros motivos. Chegar aos recursos requer, porém, muita paciência, pois a burocracia é grande. Os especialistas asseguram que os trabalhadores não devem se intimidar. Desfrutar dos recursos do FGTS é direito de todos. O fundo foi criado em 1966. É uma poupança composta por 8% do salário mensal. A fiscalização das contribuições é feita pelo Ministério do Trabalho e os rendimentos são de 3% ao ano mais a variação da Taxa Referencial (TR). “O FGTS é muito eficiente.

Embora suas regras estejam arcaicas, tornou-se uma vantagem para os trabalhadores. É aquela economia obrigatória que faz a diferença em algumas situações, principalmente na compra de imóvel”, afirma Clarisse Dinely, do escritório Veloso de Melo Advogados. Segundo o gerente nacional do FGTS, Henrique José Santana, no caso da casa própria, o uso do fundo é permitido para a aquisição de imóveis prontos ou em construção. O dinheiro depositado pode servir como entrada no negócio ou mesmo para cobrir o valor total. Quem não tiver os recursos necessários para a operação pode fazer um financiamento. Nesse caso, a Caixa, que é gestora do patrimônio, libera até 80% do preço de avaliação do empreendimento, que não pode passar de R$ 750 mil em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Distrito Federal. Nas demais localidades, o teto é de R$ 650 mil. Para as transações, é preciso ter três anos de trabalho sob o regime do FGTS; não ser titular de financiamento ativo do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), em qualquer parte do território nacional; e não ser proprietário de outro imóvel residencial, concluído ou em construção, na mesma região metropolitana.

E não é qualquer casa que pode ser comprada com recursos do fundo. O imóvel deve ser residencial urbano e para moradia e tem que estar matriculado no Cartório de Registro de Imóveis. Cada pessoa poderá movimentar seu saldo de dois em dois anos para abater as prestações. Flexibilidade No entender dos especialistas, as regras para o uso do FGTS poderiam ser mais flexíveis. “O fundo de garantia é um projeto extremamente importante, mas, de fato, está defasado. Tem muito dinheiro em jogo, que não atende para valer as necessidades dos trabalhadores”, diz Wagner Balera, professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Para ele, as mudanças no fundo de garantia poderiam começar pela maior transparência na gestão dos recursos, pois a rentabilidade dos ativos sequer repõe a inflação. “A primeira legislação do FGTS é de 1966 e deixou muito ranço. Resta um primitivismo que abre espaço para deturpações”, destaca. “Os trabalhadores deveriam ter liberdade maior para decidir como aplicar seu patrimônio”, emenda.

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Riscos das pedaladas

Os atrasos nos repasses do Tesouro Nacional aos bancos públicos, conhecidos como “pedaladas” fiscais, ocorridos com frequência durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, podem ter colocado em risco um dos maiores patrimônios dos trabalhadores, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O valor devido pelo governo ao Fundo mais que duplicou entre 2013 e 2014.

Segundo dados disponibilizados pelo Conselho Curador do FGTS, os débitos do Tesouro com o fundo de garantia saltaram de R$ 7,6 bilhões, em janeiro de 2013, para R$ 18,7 bilhões em novembro de 2014. Nesse montante, estão incluídos subsídios ao programa Minha Casa, Minha Vida e os 10% da multa adicional paga pelas empresas nos casos de demissão sem justa causa.

Representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Conselho Curador do FGTS, Cláudio da Silva Guedes tem se queixado da demora do Tesouro em honrar as dívidas com o fundo. Ele ressalta que o patrimônio dos trabalhadores vem sendo usado, sem constrangimento, para subsidiar o programa habitacional do governo para a baixa renda desde que foi criado. Pelas contas dos sindicalistas, os débitos chegam a R$ 12 bilhões. “Havia uma promessa do governo de regularizar a situação a partir de janeiro, mas nada aconteceu”, destaca.

Procurado, o Ministério da Fazenda informou que, enquanto os repasses não ocorrerem, “os valores (devidos ao FGTS) serão atualizados pela taxa básica de juros (Selic), de forma que não haverá prejuízo para o referido fundo”. De acordo com o órgão, que não confirmou o total devido ao fundo dos trabalhadores, “desde 2009, houve o pagamento do Tesouro de R$ 2,05 bilhões ao FGTS”.

Responsabilidade

Advogado e professor de direito tributário e finanças públicas da Fundação Getulio Vargas, Fernando Zilveti demonstra preocupação com as “pedaladas” fiscais. “Quando elas são feitas de propósito, comete-se crime de responsabilidade fiscal. Os responsáveis terão que responder por isso, inclusive a presidente da
República, se for comprovado que ela sabia de tudo”, diz.

Zilveti também critica o fato de o Tesouro se apoderar dos 10% de adicional de multa sobre demissões. Conforme os dados do último balancete do FGTS, de novembro de 2014, somente nessa rubrica, o valor devido pela União estava em R$ 10,4 bilhões. “Se esses recursos não vão para o fundo de garantia, caracteriza-se quebra do princípio. O dinheiro é carimbado. O não repasse é outro crime de responsabilidade”, avisa.

É o que também diz José Matias-Pereira, professor de Administração Pública da Universidade de Brasília (UnB). “Essas operações de ‘pedaladas’ foram intensificadas entre 2013 e 2014. O governo tentou fazer um processo de maquiagem para turbinar o resultado fiscal. Usou receitas de bancos públicos como se fosse um cheque especial. Quando honrar os compromissos estará, automaticamente, gerando receitas ilegais. Por isso, bate de frente com a Lei de Responsabilidade Fiscal”, explica.

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Saldo pode abater prestações a cada dois anos

A bancária Anna Karolina Milhomem, 31 anos, não tem do que reclamar. Mesmo com toda a burocracia para liberar os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), ela conseguiu comprar a tão sonhada casa própria em 2012. “Usei o meu saldo para dar entrada no imóvel que planejava adquirir havia anos. O dinheiro do FGTS já estava reservado para isso”, afirma. 

Ela se beneficiou também de outro mecanismo: a antecipação das prestações. Para aliviar o saldo devedor, a cada dois anos, vai à agência bancária e negocia, com base no montante do saldo recolhido, todas as parcelas do financiamento que fez. “Vejo o quanto tenho de dinheiro, pois posso reduzir em até 80% o valor das parcelas”, explica. “É um ótimo negócio, dá uma boa aliviada nas despesas”, diz Anna, que tem dois filhos pequenos, de 12 e 4 anos. 

A estudante Gabriela Bueno, 23 anos, também se diz satisfeita com o funcionamento do FGTS. Em janeiro último, depois de ser demitida sem justa causa, sacou o dinheiro a que tinha direito. Por dois anos de trabalho no comércio, recebeu R$ 469. “Usei os recursos para pagar a mensalidade da minha faculdade e para gastar com o que queria”, frisa. “Não tenho do que reclamar.” 

Reclamação

Para muitos trabalhadores, o FGTS deveria ser mais amigável. Como, há dois anos, elevou, de R$ 500 mil para R$ 750 mil, o teto para financiamento de imóveis, muita gente que não pode usar o Fundo de Garantia por estar desenquadrada, quer recorrer ao FGTS agora para abater as prestações. “Infelizmente, isso não é permitido. Quem comprou pela regra antiga, de teto de R$ 500 mil, está fora do jogo. As regras não são retroativas, o que é um erro. Por isso, muita gente reclama”, ressalta Wagner Balera, professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Daniele Akamines, diretora da Akamines Negócios Imobiliários, é da mesma opinião. Ela explica que uma resolução do Banco Central, de 2013, determinou que os novos tetos para financiamento com recursos do FGTS, de R$ 650 mil e R$ 750 mil, entraram em vigor naquela data. E a Caixa Econômica Federal segue a determinação à risca.