A Operação Lava-Jato, em sua 12ª fase, desferiu, na manhã de ontem, o mais duro golpe no Partido dos Trabalhadores e, consequentemente, na presidente da República, Dilma Rousseff (PT), desde que o esquema bilionário de corrupção na Petrobras veio à tona. A prisão do tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto, que, apesar de ser denunciado por corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, exercia o cargo até ontem, revelou que o esquema criminoso contaminou as eleições de 2014.

Uma das motivações da prisão de Vaccari é a empresa Gráfica e Editora Atitude, que prestou serviços para a Presidência e pertence aos sindicatos dos Bancários e dos Metalúrgicos de São Paulo, ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT). De acordo com a investigação, a entidade recebeu R$ 1,5 milhão da empresa Setal, de instalações marítimas, para transformar propina em doação oficial. O Ministério Público Federal apontou que a campanha eleitoral petista do ano passado foi, “possivelmente”, abastecida com o dinheiro sujo, derivado de subornos cobrados de empreiteiras que superfaturavam contratos na petroleira.

No pedido de prisão, a força-tarefa de procuradores afirma que “ao menos parte das doações de 2014 das empresas investigadas na operação seriam, na realidade, pagamento de vantagem indevida”. O Palácio do Planalto entrou em alerta máximo com a possibilidade de, pela primeira vez, os oposicionistas terem elementos técnicos para pedir o impeachment da presidente Dilma.

O Correio descobriu que a mesma gráfica-lavanderia prestou serviços, nos últimos anos, para a Presidência e ministérios. Os repasses, neste caso, são mais modestos. Um total de R$ 30,8 mil. O Portal da Transparência mostra que a Presidência da República destinou R$ 14,9 mil para a Atitude. Há ainda pagamentos feitos pela Agência Nacional do Petróleo e pelos Ministério da Saúde, da Educação e das Cidades.

Os procuradores da República se baseiam na delação premiada dos delatores Eduardo Leite, vice-presidente da Camargo Corrêa, e Augusto Mendonça, executivo da Setal. Em depoimento à Polícia Federal, Mendonça fala em R$ 2,5 milhões, mas transferências bancárias mostram um valor inferior. “Eduardo Leite afirmou que João Vaccari solicitou propina para o PT por meio de doações oficiais da Camargo Correa. Atente-se que a empreiteira de fato doou na campanha de 2014 cerca de R$ 35 milhões ao PT, não podendo ser descartada a hipótese de que tal doação se referia ao pagamento de propina”, dizem os nove procuradores no pedido feito ao juiz federal Sérgio Moro.

Foragida
O magistrado ordenou a prisão preventiva de Vaccari, a oitiva forçada de sua esposa, Giselda Lima, e a temporária de sua cunhada, Marice Lima, que sofreu ações de busca e apreensão em sua residência. Marice não foi presa e permanece foragida.

Em entrevista coletiva ontem, o procurador regional da República Carlos Fernando Lima e o delegado Igor Romário de Paulo afirmaram que o tesoureiro do PT atuou em continuidade criminosa por pelo menos 10 anos. “Já temos uma denúncia de doações oficiais que, na verdade, escondem operações de lavagem de dinheiro relativas a valores da corrupção da Petrobras”, disse o procurador. “Nós verificamos que ele tem uma trajetória desse tipo de operação desde 2004. Diante disso, de uma reiteração de conduta que vem desde 2004 até pelo menos 2014, nós acreditamos necessária a prisão de Vaccari”, declarou Lima.

O tesoureiro afastado já havia sido acusado por vários delatores de ser operador do PT para desviar dinheiro na Diretoria de Engenharia da Petrobras. Também é réu numa ação criminal do caso. Já foi denunciado em 2010 por desvios na cooperativa habitacional dos bancários (Bancoop). Igor Romário disse que a situação de Vaccari “é bem clara e até em tom de desafio à Justiça”. Segundo o ex-gerente de Engenharia da estatal, o PT teria ganho 200 milhões de dólares em propina. Para os investigadores, o tesoureiro mantém o hábito de fazer operações financeiras suspeitas usando contas-correntes de parentes.

Segundo Lima, a Gráfica Atitude não prestou serviço algum. Por isso, o Ministério Público suspeita de lavagem de dinheiro. De acordo com o procurador, as notas fiscais são genéricas e mencionam apenas “serviços gráficos”. Com a CUT, a gráfica foi multada em 2010 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por fazer campanha em favor de Dilma e criticar o então candidato da oposição, José Serra (PSDB). Segundo o tribunal, a central reproduziu em seu site publicação feita pela Atitude.

Carlos Fernando Lima diz que Vaccari está envolvido em indícios de crime de corrupção, contra o sistema financeiro e desvios de recursos, incluindo o episódio da cooperativa habitacional dos bancários, em que também pesa a suspeita de que parte do dinheiro alimentou o caixa do PT.

O Ministério Público e a PF observaram também uma série de depósitos não identificados e fracionados em contas de parentes do tesoureiro, como sua filha e sua esposa, Giselda Rousie de Lima. A mulher do tesoureiro recebeu R$ 322 mil de 2008 a 2014. Para Sérgio Moro, há “indícios de enriquecimento ilícito do tesoureiro e de seus familiares”. A filha de Vaccari, Nayara Lima Vaccari, aumentou seu patrimônio de R$ 240 mil para R$ 1 milhão entre 2008 e 2013, mesmo tendo como única fonte de renda um “pequeno valor” de bolsa de estudos de medicina.

Devolução
Outro foco de atenção dos investigadores é a compra de um apartamento por Marice. Ela declarou ter pago R$ 200 mil em um imóvel no Guarujá (SP), desistiu no negócio e recebeu conseguiu negociá-lo coma empreiteira OAS, investigada na Lava-Jato. A construtora pagou R$ 432 mil a Marice, mas só conseguiu revendê-lo por R$ 337 mil.

Na ordem de prisão, Sérgio Moro destacou o poder a influência de Vaccari, apesar de ele já ter sido denunciado à Justiça nos casos Bancoop e Lava-Jato. “O mundo do crime não pode contaminar o sistema político-partidário”, afirmou. “A manutenção em liberdade oferece um risco”, disse. Segundo Moro, o fato de Vaccari continuar no cargo de tesoureiro do PT, apesar de todas as acusações “graves”, permite “constatar que persistiu sem abalo na referida posição de poder que lhe confere grande influência política”. E prossegue. “Quem responde por tão graves crimes, que incluem a posição de tesoureiro de partido político para angariar recursos criminosos e corromper o sistema político, oferece um risco à ordem pública.”

O Palácio do Planalto informou que os pagamentos feitos à Gráfica e Editora Atitude são referentes a anúncios publicitários institucionais da Secom em uma publicação chamada Revista Brasil, editada pela empresa.

“Verificamos que ele (Vaccari) tem uma trajetória desse tipo de operação desde 2004. Diante da reiteração dessa conduta, nós acreditamos necessária a prisão de Vaccari”
Carlos Fernando Lima, procurador regional da República

Depósitos suspeitos
Acima, Planilha do Ministério Público Federal revela que uma gráfica de São Paulo, ligada à CUT, foi usada para lavar pelo menos R$ 1,5 milhão da Petrobras. O pagamento, de acordo com os procuradores da República, foi feito a pedido do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, afastado das funções só após a prisão. Os valores foram usados para campanhas eleitorais. Em depoimento à PF, o executivo da Setal Augusto Mendonça falou em R$ 2,5 milhões, mas transferências bancárias mostram um valor menor. O documento indica 14 repasses entre junho de 2010 e agosto de 2013. Augusto Mendonça disse à PF que Vaccari pediu para o dinheiro ser encaminhado à empresa Editora e Gráfica Atitude. Entretanto, não houve prestação de serviços. Segundo o MPF, as notas fiscais são genéricas e mencionam apenas “serviços gráficos”. As transferências foram realizadas pela Tipuana Participações Ltda e Projetec Projetos e Tecnologia Ltda. As duas empresas são ligadas à Setal e à Mendonça.