Após despertar o entusiasmo inicial de investidores estrangeiros, as medidas do governo para o ajuste fiscal disputam espaço no Congresso, que parece atrapalhado e atrapalha a plateia poucas vezes espectadora de tantos parlamentares mostrando-se atarefados. As medidas do governo disputam quórum com propostas para solução de problemas emergenciais, com projetos ressuscitados e com uma fieira de depoimentos entabulados em comissões parlamentares de inquérito com a intenção de dimensionar prejuízos e responsabilidades pela sucessão de escândalos que envolvem corrupção e desvio de dinheiro público, a ponto de anestesiar a nação. As medidas preparadas pela equipe econômica algumas convertidas em projetos de lei que podem equacionar ou amenizar problemas de longo data , não são numerosas, mas provocam rebuliço no Parlamento. Comparadas aos pacotes anunciados por governos anteriores, as propostas atuais são espartanas. Tão espar
tanas que não vingaram até o momento. O Brasil continua na penúria. IPCA de março sai hoje e cheio de ‘realismo tarifário’ O governo está disposto a cortar as asas dos gastadores e a engordar seu caixa, atendendo a duros e, para a maioria de bom juízo, quase incompreensíveis critérios de endividamento e solvência, em troca de uma suposta restauração de sua credibilidade junto aos investidores internacionais. Mas não leve ao pé da letra, caro leitor, a expressão ‘engordar o caixa’. Os inúmeros esclarecimentos feitos pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mostraram que o ajuste fiscal será resultado de economizar, poupar e arrecadar, receber. O negócio dará certo, se o governo aprender a não gastar mais do que pode, ou a não ficar devendo o que não tem. Exemplo de grande encrenca para o ajuste com foco no reequilíbrio das contas públicas que assegure novo ciclo de crescimento é a restrição de acesso a benefícios sociais como segurodesemprego, abono salarial, auxíliodo ença e pensão por morte. A proposta boa de ibope junto a investidores e motivo para desconto em índice de popularidade deu munição aos opositores do governo que passaram a julgar suas decisões o avesso de tudo o que Dilma Rousseff defendeu enquanto candidata à reeleição. A nova equipe econômica limitou o regime especial de contribuição previdenciária de empresas, que deixaram de incidir sobre folha salarial e passaram a incidir sobre faturamento com alíquotas fortemente ampliadas. Ainda no universo das desonerações, mecanismo mais que explorado pelo governo no primeiro mandato de Dilma e que acabou explicando a fragilidade das contas públicas, a equipe do segundo mandato, logo no começo do ano, elevou o IPI para automóveis. De olho no caixa, a equipe liderada por Levy também apelou, logo na chegada, a providências de fácil compreensão: dobrou a alíquota do IOF para o crédito ao consumidor, aliás a única rubrica que acusou crescimento de janeiro para fevereiro, quando as
contas do governo apresentaram déficit primário. Foram elevadas as alíquotas do PIS/Cofins sobre os combustíveis e a Cide voltou. As alíquotas de importações tiveram forte ajuste. E, para arrepio imediato do público feminino, o governo equiparou atacadistas à indústria de comésticos para efeito de incidência de IPI. O ministro da Fazenda detentor de apoio inédito da presidente teve seu prestígio ampliado ao defender em alto e bom som o ‘realismo tarifário’. A novidade, agregada à rotina do mercado, pouco demorou para turbinar as contas de luz e a depenar o orçamento das famílias brasileiras. Nesta manhã, o IBGE divulgará o IPCA de março e o indicador virá cheio de ‘realismo tarifário’, se for confirmada a projeção média, de 1,38%, de 20 instituições e consultorias ouvidas pelo Valor Data. Tainara Machado, do Valor, informa que, só no primeiro trimestre, a inflação subiu 3,9%. Em 12 meses, o IPCA deve passar de 7,7% para 8,18%, maior variação desde dezembro de 2003.
Na pesquisa Focus, divulgada nesta semana, a projeção mediana do mercado não vai muito além. Ficou em 8,20% para o fim deste ano. E mais: para dezembro de 2016, instituições financeiras, consultorias, empresas e fundações, mais de uma centena de contribuidores da sondagem semanal do BC, veem o IPCA cerca de um ponto percentual acima da meta central ao fim de 2016, a 5,6% ao ano. O mercado financeiro vem exigindo pouco prêmio do governo para manter um bom comportamento nas últimas semanas. Isto é, não promover estrago na formação de preços dos principais ativos negociados no país, considerando a imensa agitação provocada pelo próprio governo, especialmente junto à classe política, num esforço hercúleo de garantir a aprovação parlamentar ao ajuste fiscal. E, certamente, dobrar a resistência teimosa a algumas medidas propostas demonstrada por aliados tão poderosos quanto o PMDB, partido que comanda a Câmara dos Deputados e o Senado. Mesmo incluindo nesta fatura de desgaste as ex pectativas deterioradas para quase todos os indicadores econômicos, os investidores continuam tratando o Brasil muito bem. Exemplo de voto de confiança embora na pesquisa Focus os analistas mais pessimistas estimem a taxa de câmbio em até R$ 3,61 no fim deste ano , a mediana do mercado está 10% abaixo desse valor, em R$ 3,25. E, para o encerramento de 2016, a estimativa mediana é de R$ 3,30. Vamos a mais um exemplo? Na mesma edição da Focus, desta semana, o mercado financeiro reduziu mais uma vez sua projeção para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Agora espera retração de 1,01%. Para 2016, a perspectiva é de crescimento econômico da ordem de 1,10%. Podemos desaprovar o governo, a presidente, a equipe econômica, criticar o Congresso. Não dá para negar, porém, que o país está navegando em mar sereno, quando se leva em conta previsões qualificadas sobre o impacto da Operação LavaJato na economia brasileira. A GO Associados estima perda de R$ 100 bilhõ es, o que significa dizer que o PIB brasileiro pode encolher 2% em 2015. Angela Bittencourt é repórter especial. O titular da coluna, Cristiano Romero, está em férias.
Email:angela.bittencourt@valor.com.brValor Econômico – SP – 08/04/2015