O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sofreu a primeira derrota no comando da Casa. Ele foi obrigado a adiar a votação do Projeto de Lei nº 4.330, de 2004, que regulamenta a terceirização, para 22 de abril. Isso porque a maioria dos parlamentares, que havia votado favoravelmente ao texto-base, na semana passada, ameaçava retirar a proposta da pauta de votação.

A mudança de postura foi motivada pelos protestos de trabalhadores que se espalharam pelo país ontem, e pela repercussão negativa nas redes sociais contra a aprovação da matéria. O requerimento para retirada de pauta foi proposto pelo líder do PSD, Rogério Rosso (DF). Em discurso inflamado, o parlamentar criticou cartazes e panfletos distribuídos por centrais sindicais que afirmam que a proposta retirava diretos de trabalhadores. Rosso defende que, antes de apreciar o texto que regulamenta a terceirização, os deputados votem as medidas provisórias nº 664 e nº 665 de 2014, que mudam as regras na concessão de benefícios previdenciários e trabalhistas. “Antes, temos de votar as MPs, porque essas, sim, tratam das alterações de regras que afetam os trabalhadores.

Estamos aqui para defender os 12 milhões de terceirizados”, afirmou ele, que foi aplaudido pelos pares. Sessão Após a manifestação de Rosso, Cunha chegou a afirmar que, se o requerimento para retirada de pauta fosse aprovado, encerraria a sessão e abriria uma extraordinária com o PL nº 4.330 como primeiro item da pauta. A ameaça do presidente da Câmara não intimidou os pares, que se sucederam em discursos favoráveis ao requerimento de retirada. Prestes a perder a votação, Cunha suspendeu os trabalhos e convocou os líderes partidários ao gabinete da Presidência para costurar um acordo que garantisse a apreciação do PL. Na volta ao plenário, o presidente da Casa afirmou que a decisão tinha sido pelo adiamento. Questionado se considerava a decisão uma derrota, ele minimizou a questão. “Se é para aprovar o requerimento de forma muito apertada, como ia ser, é melhor concluir essa votação depois. Fizemos um acordo para, na próxima semana, votar sem obstrução. Muitas emendas foram apresentadas e os deputados ficaram sem segurança do que iam votar”, disse Cunha. A decisão de alterar a data para apreciação da matéria foi comemorada pelo governo.

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Miguel Rossetto, comentou, em nota, que o Executivo retomará as negociações sobre a medida. “Diante da decisão do plenário da Câmara dos Deputados de adiar a votação do PL nº 4.330, é momento de retomarmos o diálogo entre trabalhadores, empresários, governo e Congresso Nacional”, informou o documento. Na avaliação do líder do governo, José Guimarães (PT-CE), os parlamentares tomarão uma decisão acertada para evitar prejuízos aos trabalhadores. Ele comentou que fará reuniões com as centrais sindicais, com empregadores e com o governo para tentar chegar a um consenso sobre a matéria. “Acho que prevaleceu o bom senso e nós só temos o que comemorar. É o melhor caminho para votar essa matéria, diante de tamanho impasse”, detalhou. Mudanças Enquanto os parlamentares discutiam a matéria, manifestações contrárias ao projeto de lei que regulamenta a terceirização ocorreram em pelo menos 21 estados e no Distrito Federal.

A proposta discutida pelo Congresso Nacional prevê que a terceirização poderá ser feita em todas as atividades de uma empresa privada. As estatais, as sociedades de economia mista, a administração pública direta, fundações e autarquias poderão contratar prestadoras de serviço somente para atividade-meio, como prevê a Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O texto ainda define que será feita retenção antecipada, pela contratante, de contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). As empresas que terceirizam terão de recolher, em nome da contratada, o imposto de renda, o PIS/Cofins, a CSLL, o PIS/PASEP e a Cofins. Caberá à tomadora de serviços fiscalizar o pagamento de salários, adicionais, horas extras, décimoterceiro salário, férias, vale-transporte, depósitos de FGTS e de INSS. Se ficar comprovado o acompanhamento dessas ações, a empresa responde subsidiariamente, em caso de problemas com a terceirizada. Caso o monitoramento não seja realizado, a responsabilidade é solidária, ou seja, pode ser acionada em qualquer momento da ação trabalhista.

_________________________________________________________________________________________________________________

Lula cobra veto de dilma ao PL

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou da presidente Dilma Rousseff o veto ao Projeto de Lei nº 4.330/04, que regulamenta e amplia a terceirização de mão de obra no país, caso ele seja aprovado pelo Congresso. “Não deixar passar esse projeto é uma questão de honra para a classe trabalhadora”, afirmou Lula, em discurso no 9º Congresso Nacional dos Metalúrgicos da CUT, em Guarulhos (SP), na noite de terça-feira.

O ex-presidente disse que o governo não pode permitir que haja retrocesso nos direitos trabalhistas. E condicionou o apoio dos sindicatos e movimentos sociais a Dilma, que vem sendo duramente criticada em manifestações populares, e até ameaçada de impeachment, ao veto da proposta de terceirização. “Dilma, conte conosco para qualquer coisa, mas tente fazer o Congresso Nacional respeitar as conquistas históricas da classe trabalhadora”, afirmou. “É o mínimo que nós queremos que aconteça neste país.”

No discurso, Lula esgrimiu seu habitual recurso de retórica — apontar o suposto desejo das elites de sufocar a ascensão social dos mais pobres — para criticar o projeto que, segundo ele, desfigura a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada em 1943, durante a ditadura de Getúlio Vargas. “A elite brasileira nunca gostou de Getúlio, por isso o levou à morte. Não queremos que as empresas passem a utilizar mão de obra quase escrava. As conquistas dos trabalhadores vieram com muita luta. Mas, certamente, Eduardo Cunha (PMDB-RJ, presidente da Câmara dos Deputados) não sabe disso”, disse ele.

Enrascada

Para Lula, há semelhanças entre o momento atual e o período em que eclodiu o escândalo do mensalão, o esquema de pagamento de propinas para deputados da base aliada com recursos desviados de estatais. Ele lembrou que, em 2005, quando era presidente, a oposição chegou a falar em impeachment, mas recuou diante do apoio dos sindicatos e dos movimentos sociais ao governo.

O ex-presidente reconheceu, contudo, que, diante das dificuldades econômicas e da perda de popularidade, Dilma está numa enrascada. Ambos, lembrou, fazem parte do mesmo projeto político. “Se não der certo com Dilma, não vai dar certo para nós. Se tem alguém que vai para a rua para te defender e te ajudar a sair dessa enrascada, é essa gente aqui”, disse, referindo-se aos sindicalistas.

Ainda recorrendo ao mensalão, ele afirmou que “faz 10 anos que há uma política premeditada para criminalizar o PT. Eles nunca vão reconhecer que, nunca antes na história deste país, um governo combateu a corrupção como o PT nestes 12 anos”, disse.
Na visão do ex-presidente, a corrupção é também um problema de classes sociais. “Aprendi com a minha mãe, que nasceu e morreu analfabeta, que ser honesto não se aprende na escola, se aprende no berço. Até agora, todos que roubaram têm diploma. Não vi um analfabeto roubando.”