A Câmara dos Deputados aprovou ontem o texto base do Projeto de Lei nº 4.330, de 2004, que regulamenta a terceirização no Brasil (veja quadro). Mesmo com os apelos do governo para que a matéria não fosse apreciada, 334 parlamentares votaram a favor e 137, contra. O presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), costurou um acordo em plenário para que os parlamentares apreciem na próxima terça-feira os destaques relativos à proposta, que, depois, será enviada ao Senado. Com isso, novas emendas não poderão ser feitas.

Contrário ao projeto, o Partido dos Trabalhadores (PT) protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) um mandado de segurança para anular a sessão de ontem. Os deputados Sibá Machado (PT-AC) e Alessandro Molon (PT-RJ) argumentaram que a pauta deveria ser trancada porque uma medida provisória chegou à casa. Cunha argumentou que, pelo regimento, isso só ocorreria se A MP tivesse sido lida em plenário, o que não ocorreu. 

Receitas

Durante a votação, o líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), afirmou que o relator da proposta, Arthur Maia (SD-BA), não acolheu emendas propostas pelo Ministério da Fazenda que evitariam a perda de arrecadação de contribuições previdenciárias em contratos de terceirização. O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, passou a tarde reunido com Maia.

O PL prevê que os contratantes de serviços de limpeza, conservação e zeladoria, de vigilância e segurança, de empreitada de mão de obra e de outros serviços retenham até 11% do valor bruto da nota fiscal ou da fatura mensal de prestação de serviços e repassem o dinheiro ao Fisco em forma de contribuição previdenciária. Rachid queria que a obrigação fosse estendida a todas as empresas.

Maia também não aceitou proposta do governo de que a retenção para empresas que contam com desoneração da folha de pagamentos fosse de 3,5%. Ele decidiu que o recolhimento deve variar de 1% a 2%. O líder José Guimarães ressaltou que tentará sensibilizar os colegas para que o texto seja alterado a fim de que todas as contratantes sejam obrigadas a reter os recursos. O governo pleiteava outras restrições, rejeitadas por Maia, como proibir empresas do Simples de atuarem como terceirizadas, o que pode reduzir a arrecadação.

Entretanto, o relator acertou com o Executivo que o contratante também recolherá 1,5% de Imposto de Renda, 1% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), 0,65% de PIS/Pasep e 3% de Cofins. Maia também concordou em proibir a contratação de empresas terceirizadas em que os titulares ou sócios tenham trabalhado para a empresa principal nos últimos 24 meses.

Com a derrota do governo, o ministro Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da Presidência, publicou nota oficial em que criticou a aprovação. “O projeto é ruim, pois permite que toda relação de trabalho seja terceirizada, portanto, precarizada. Reduz os salários e os fundos de seguridade social. Não é bom para os trabalhadores. Não é bom para o país”, afirmou Rossetto.

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Concursos ameaçados

A possibilidade aberta pela aprovação do PL 4.330/04 de empresas públicas e de economia mista contratarem trabalhadores terceirizados para qualquer atividade, exceto as exclusivas de Estado — regulamentação e fiscalização — deve reduzir a abertura de novos concursos públicos. Especialistas temem que, com a administração pública autorizada a terceirizar mão de obra, algumas funções deixem de ser preenchidas por seleção pública.


O advogado e mestre em direito do trabalho João Carlos de Campos Moraes prevê que instituições como Banco do Brasil, Caixa Econômica e Petrobras, na hora de contratar, optarão por terceirizados e não celetistas, contratados por concurso. Para ele, o projeto é “muito bem-vindo para empresas de um modo geral, porque possibilita maximizar os lucros”, mas fere o artigo sétimo da Constituição Federal e retira “toda a ideia de proteção social do trabalhador”.


O professor de direito constitucional Beto Fernandes crê que a questão central do projeto é reduzir o custo Brasil com diminuição de pagamento de impostos e encargos previdenciários. Ele explica, no entanto, que a contratação em empresas públicas e de economia mista tem que ser pelo mérito. “O artigo 37 da Constituição determina que a investidura no cargo ou emprego público ocorrerá por meio de concurso, de acordo com a complexidade do cargo”, afirmou.


Atualmente, cerca de 13 milhões de trabalhadores no país são terceirizados — mais de 25% da mão de obra —, e segundo especialistas, a falta de regulamentação é uma das maiores fontes de litígio na Justiça do Trabalho.


Na avaliação da Fiesp, a regulamentação desse sistema de trabalho permitirá abrir 3 milhões de empregos. Opinião não compartilhada pelos sindicatos, que consideram que o projeto precariza as relações de trabalho. O ex-deputado Sandro Mabel, autor do projeto, justifica que as mudanças são necessárias para que a empresa possa se concentrar em seu negócio principal e melhorar a qualidade do produto.

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Servidor: negociação neste mês

Diante da pressão dos servidores públicos, o governo já admite antecipar as negociações salariais para este mês. A data provável é 23 de abril. Após quase duas horas de reunião com lideranças sindicais, o secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça, disse que vai consultar o ministro Nelson Barbosa sobre o assunto, mas revelou que não vê impedimento para a mudança, contaram sindicalistas. Ontem, cerca de 300 funcionários públicos fizeram manifestações na Esplanada dos Ministérios.


Em 20 de março, após longo encontro com 47 entidades de servidores, Barbosa declarou que o reajuste linear de 27,3% — principal eixo da campanha salarial de 2015 — era “inviável”, mas prometeu estudar um percentual compatível com o espaço orçamentário do governo, que se esforça para alcançar superavit primário (economia para pagar juros da dívida) de R$ 55,3 bilhões, ou 1% do PIB (Produto Interno Bruto, soma das riquezas produzidas no país).


À época, a data estabelecida por Barbosa para o início do debate foi 20 de maio, prazo imediatamente rechaçado. “O tempo é curto para as discussões específicas das várias carreiras, já que os resultados práticos de possíveis acordos precisam constar do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA), a ser entregue ao Congresso até o final de agosto”, destacou Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Servidores Federais (Condsef, que representa 80% do funcionalismo).


As representações sindicais protocolaram vários pedidos para acelerar as conversações entre as partes, mas não receberam retorno. Ontem, Mendonça prometeu dar uma resposta ainda esta semana, disse Silva. Hoje, a partir das 9 horas, os servidores voltam a se concentrar em uma tenda no Eixo Monumental, de onde partem em passeata para a frente do Palácio do Planalto.