Título: Estrutural, território da pobreza
Autor: Branco, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 29/07/2011, Cidades, p. 27

RETRATO BRASILIENSE

Mais de um quarto da população do local vive com menos de um salário e 52,6% não concluíram o ensino fundamental. Os indicadores socioeconômicos são os piores entre 14 cidades estudadas pela Codeplan

Uma ilha de miséria em meio à prosperidade. Apesar das obras de infraestrutura e das políticas públicas dos últimos anos, essa continua sendo a situação da Vila Estrutural, que tem péssimos indicadores socioeconômicos, segundo a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio (Pdad) divulgada ontem pela Companhia de Desenvolvimento do DF (Codeplan). Cerca de 20 anos após o assentamento das primeiras famílias na área, nascida de uma ocupação irregular, a renda domiciliar per capita dos habitantes não chega a um salário mínimo, ficando em R$ 325. É o menor valor entre as 14 cidades pesquisadas desde o fim do ano passado. Não é por acaso que 28% da população conta com o Bolsa Família, benefício do governo federal, para sobreviver. A educação também deixa a desejar: mais da metade dos moradores, 52,6%, não completou o ensino fundamental, e só 0,5% tem diploma de curso superior.

Apesar do retrato negativo, a expectativa é de que as coisas melhorem. Quando foi legalizada e transformada na região administrativa Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA)-Estrutural (englobando a Cidade do Automóvel e as residências da antiga invasão), a área passou a estar apta ao socorro oficial. Foi isso que permitiu o asfaltamento, a iluminação e a chegada do saneamento. Há ainda recursos do Banco Mundial e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) comprometidos com moradia, construção de escolas e outros equipamentos urbanos.

Para o economista e sociólogo Marcel Bursztyn, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília (UnB), não existem desculpas para não proporcionar condições mais dignas à população da Vila Estrutural. "Durante muito tempo, por força de impeditivos legais, não era possível investir em infraestrutura e serviços. Essa questão se resolveu e começou a haver mudanças, mas há uma defasagem", analisa. Para Bursztyn, um ponto desfavorável é que há poucas atividades econômicas que propiciem renda e empregos aos moradores.

Subemprego O baixo grau de escolaridade obriga a população a recorrer a empregos que não exigem formação e pagam pouco. Sebastião Anvaldo Marques de Araújo, 48 anos, trabalha como ajudante de pedreiro em uma obra próxima à Cidade do Automóvel e ganha um salário mínimo e meio por mês. "Meu negócio mesmo era mexer com fazenda. Era nisso que queria trabalhar quando cheguei de Minas Gerais, há 16 anos. Mas estava desempregado e aceitei o que apareceu", conta ele, que só cursou a escola até a 5ª série. Sebastião tem três filhos, de 25, 26 e 27 anos, que também não conseguiram terminar a escola. Todos os rapazes têm ensino médio incompleto.

Em meio a tantas dificuldades, muita gente busca se amparar na ajuda divina. O estudo da Codeplan mostrou que a Estrutural tem o maior percentual de evangélicos entre todas as regiões administrativas visitadas, 44,9%. O número fica somente três pontos percentuais abaixo da proporção de católicos, religião que costuma superar as outras em adeptos. A cearense Maria Lúcia da Silva, 58 anos, evangélica pentecostal, resume o sentimento que a leva a procurar a igreja.

"Se a gente não tiver Deus, é pior". Atualmente dividindo um barraco com dois filhos e duas noras, Maria Lúcia conta com apenas R$ 300 originários de faxinas e com o salário de um dos filhos. "O outro não conseguiu emprego ", diz.

Júlio Miragaya, diretor de Gestão de Informação da Codeplan, destaca que a Estrutural precisa ser alvo prioritário do governo local. "É uma cidade em situação de fragilidade econômica e social." A administradora regional, Maria do Socorro Fagundes, diz que as questões mais graves são a educação e as ocupações em áreas de preservação ambiental. (veja Para saber mais)

Radiografia A Pdad 2010/11 é a segunda pesquisa domiciliar realizada no Distrito Federal. O primeiro levantamento foi feito em 2004. A Codeplan já levantou dados em 14 cidades. A intenção é que, até o fim deste ano, as 30 regiões administrativas do DF tenham sido visitadas pelos pesquisadores.