O mercado de trabalho brasileiro vive uma combinação perversa: diante do ambiente recessivo da economia, as empresas começaram a demitir e, ao mesmo tempo, mais gente voltou a procurar emprego. O resultado é o aumento da taxa de desocupação, que atingiu 7,4% no trimestre encerrado em fevereiro deste ano, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o maior patamar desde o período de março a maio de 2013.

Apesar do aumento do desemprego, o total dos rendimentos pagos também subiu: 2,2% em relação ao mesmo trimestre do ano passado. A justificativa é de que a perda de postos por pessoas menos qualificadas manteve a renda em alta. A mesma lógica define crescimento do rendimento médio real de 1,1% na comparação com igual período de 2014, chegando a R$ 1.817. “Pode estar acontecendo uma perda de pessoas com menores salários. E essa população saindo do mercado faz a renda subir”, comentou o coordenador de trabalho e rendimento do IBGE, Cimar Azeredo.

Esse quadro, no entanto, não deve se manter. A queda dos salários nos próximos meses é tão certa quanto o aumento da taxa de desocupação ao longo de 2015, no entender do professor da Universidade de Brasília Carlos Alberto Ramos. “Se seguirmos a teoria, não há outro jeito: com inflação alta, juros subindo e mais gente procurando emprego, o rendimento real cai”, afirmou  o especialista.

Sem qualquer sinal de reviravolta na tendência de deterioração do mercado de trabalho, analistas projetam que a taxa continuará subindo até o fim deste ano. “A situação não é apenas complicada, é muito complicada”, resumiu Ramos. O esperado recuo do nível de emprego e do rendimento médio pode acabar ajudando o governo no arrefecimento da inflação. A carestia de serviços, inclusive, já começou a ceder, influenciada pelo clima de recessão.

Lava-Jato

Não bastasse a conjuntura macroeconômica desfavorável, problemas em setores específicos têm impulsionado as demissões pelo país. O impacto da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, que investiga o esquema de corrupção na Petrobas, em grandes empreiteiras, por exemplo, pode ter levado à demissão de 100 mil pessoas neste primeiro trimestre do ano. “Estão se acumulando evidências claras da deterioração”, disse André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos.

A confusão provocada pelas novas regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) também pode ter contribuído para que, principalmente, os jovens voltassem a distribuir currículos, pressionando ainda mais o mercado de trabalho. “Pessoas que estavam estudando se viram obrigadas a buscar novas oportunidades”, opinou Perfeito.

Entre dezembro e fevereiro, o IBGE calculou 7,4 milhões de desempregados, 13,8% a mais do que os 6,5 milhões estimados no trimestre anterior. O nível de ocupação (proporção entre pessoas ocupadas e pessoas com idade de trabalhar) foi estimado em 56,4%, retração de 0,5 ponto percentual em relação ao período entre setembro e novembro de 2014. Em um ano, o recuo foi de 0,6 ponto percentual. “Quando olhamos para a frente, o cenário é muito negativo, não tem horizonte”, sublinhou o ex-diretor do Departamento de Emprego e Salário do Ministério do Trabalho, Rodolfo Torelly.

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Dilma é contra perdas

A presidente Dilma Rousseff afirmou ontem que o governo acompanha com “muito interesse” a votação do projeto de terceirização no Congresso Nacional. Na quarta-feira, o texto-base do PL nº 4.330/04, que permite a contratação de terceirizados em todas as atividades de empresas privadas e públicas, foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Em entrevista no Rio, ela disse que o sistema de contratação não pode “comprometer direitos dos trabalhadores”.

De acordo com a presidente, há algumas questões na terceirização que precisam ser tratadas, desde que não desorganizem a vida dos empregados. “Temos que garantir que as empresas contratadas assegurem o pagamento de salários, de contribuições previdenciárias e de impostos, e que tenham uma responsabilidade solidária.”

Apesar da garantia de Dilma de que o governo está atento e que possíveis perdas trabalhistas não serão aceitas, as centrais sindicais CUT e CTB se aliaram aos movimentos dos sem terra (MST) e sem teto (MTST) e prometem convocar, para 15 de abril, uma paralisação geral contra o PL nº 4.330. Um estudo da Central Única dos Trabalhadores mostra que empregados terceirizados recebem 25% menos do que os contratados diretos, trabalham três horas a mais por semana e são os que mais sofrem acidentes de trabalho.

Para Confederação Nacional da Indústria (CNI), é “injustificável que uma forma moderna de divisão do trabalho, difundida pelas estruturas produtivas globais, encontre tanta resistência no país”. A entidade divulgou nota em defesa do projeto na quarta-feira.

Modificações

O projeto aprovado pelos deputados altera dois pontos fundamentais do atual sistema de contratação terceirizada no país, além da permissão da terceirização da atividade-fim da empresa contratante: muda a responsabilidade sobre problemas trabalhistas e a relação com os sindicatos.

De acordo com o texto-base, quem contrata só fica responsável por problemas da terceirizada se não fiscalizar corretamente a situação das obrigações trabalhistas. Ou seja, só aparece como responsável solidária em uma ação de empregado, se ficar comprovada que não promovia fiscalização adequada na contratada. Hoje, a empresa contratante assume totalmente a responsabilidade por pagamentos não realizados, como por exemplo, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dos funcionários teceirizados.

O PL prevê também que os empregados sem vículo poderão se associar a sindicatos diferentes das categorias previstas na atividade-fim da empresa contratante. Isso deverá mudar o tamanho dos grandes sindicatos do país.