A mais recente crise na segurança pública do Rio, com o assassinato de Eduardo de Jesus, de 10 anos, no Complexo do Alemão, conseguiu alinhar na mesma pauta de ativistas dos direitos humanos e policiais militares. Nas redes sociais, os dois grupos defendem o fim das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o carro-chefe da política de segurança dos governos do PMDB, e pedem a queda da cúpula da pasta. E planejam ir às ruas hoje e amanhã em um cenário que lembra a reação à morte do pedreiro Amarildo, em junho de 2013.
A queda do secretário de Segurança José Mariano Beltrame, que resiste há quase nove anos no cargo, é considerada pouco provável. O governador Luiz Fernando Pezão já saiu em defesa de Beltrame e da política atual. Teme-se, porém, pela cúpula da PM, liderada pelo comandante-geral, coronel Alberto Pinheiro Neto, e pelo chefe do Estado-Maior Geral, coronel Robson Rodrigues da Silva. São os idealizadores da reforma, convidados a voltar ao governo por Pezão para tocar o projeto. "Eles já estavam na reforma, bem empregados na iniciativa privada. Podem não querer ficar", resume o cientista político Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, que considera perigosa essa junção das reivindicações das comunidades com a de policiais.
"Eles são da vanguarda da PM no Brasil, a última geração que conviveu com o coronel [Nazaré] Cerqueira. Estão na faixa dos 50 anos, quase 30 de PM. Em breve, vão para a 'expulsória'. Pode ser a última chance de uma reforma como essa", afirma a cientista social Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes. A chacina da Candelária, em 1993, foi comprovadamente uma reação da linha dura da PM a tentativa do coronel Nazaré Cerqueira, secretário de segurança de Leonel Brizola, de implantar o modelo de polícia de proximidade.
No começo de fevereiro, em um encontro promovido pelo Viva Rio, a cúpula da PM apresentou as principais linhas da reforma. A proposta desmobiliza os Batalhões de Operações e os substitui por unidades menores, descentralizadas, as Companhia Integrada de Policiamento de Proximidade (Cipps). Com estrutura, armamento e contingente para assumirem grandes áreas, o comando desses batalhões sempre foi objeto de muita disputa dentro da PM - e também de corrupção. Estão na matriz de algumas milícias que dominam regiões na cidade. As carreiras de praça e oficial da Polícia Militar também passarão por mudanças. Os praças poderão ascender a carreira de oficiais. Já os oficiais terão que passar pelo ciclo básico de treinamento. Além disso, para salvar o projeto das UPPs, também foram planejadas novas estruturas, inclusive um comando para atuar em substituição à polícia de proximidade, em áreas onde as forças do Estado forem confrontadas, como vem acontecendo há quase dois anos no Complexo do Alemão.
Ignácio Cano chama atenção para o impacto da crise econômica que o Estado enfrenta na área de segurança. As reclamações postadas por policiais militares nas redes sociais têm forte componente econômico. Eles alegam que houve uma mudança recente na política de gratificações, que penaliza os policiais de Batalhões de Operação - que têm o maior contingente - e privilegia os policiais de UPPs e do Batalhão de Operações Especiais (Bope). "O momento econômico do Estado é péssimo, mas parece que a orientação política é avançar no que não implicar em aumento de gastos. Esses grupos parecem reunir defensores de batalhões, mas essa é uma estrutura obsoleta", afirma.
Procuradas, as assessorias da Secretaria de Segurança e da PM não quiseram comentar os episódios recentes nem fazer qualquer correlação com a proposta de reforma da polícia. Limitaram-se a dizer que as mudanças serão apreciadas na Assembleia Legislativa. Desde 1º de abril, porém, Beltrame baixou pelo menos três decretos ligados ao tema. Também não responderam aos questionamentos enviados pelo Valor sobre as gratificações.