O medo do desemprego e a falta de confiança na economia têm levado milhares de brasileiros a renegociar dívidas em atraso ou caras demais. Somente nos dois primeiros meses deste ano, segundo o Banco Central, as renegociações de contratos com instituições financeiras somaram R$ 5,3 bilhões, valor 14,7% superior ao do mesmo período de 2014. Em média, são R$ 2,6 bilhões por mês.

Quase 60% das famílias têm dívidas com cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de lojas, empréstimo pessoal, prestações de carro e seguro. O eletrotécnico João da Silva Vidal, 54 anos, trabalha em uma grande empresa do setor de telecomunicações, mas receia perder o emprego ao longo do ano. “Tenho consciência de que muitas pessoas foram demitidas nos setores da indústria e de serviços. Não quero entrar na lista de dispensados”, disse.

Por enquanto, Vidal não sente necessidade de renegociar dívidas. Mas, para evitar problemas no futuro, ele pensa em saldar débitos com o cartão de crédito e antecipar o pagamento de prestações do carro, de R$ 1,1 mil. “Quero ter mais poder sobre meu dinheiro. Hoje, sei das minhas responsabilidades, e tenho medo que chegue o dia em que não conseguirei honrar com meus compromissos”, explicou.

Renegociar a dívida é uma boa alternativa para quem deseja sair do vermelho, desde que tenha condições de pagar o novo débito. “Não adianta falar com o gerente do banco sem saber a quantia devida e o quanto do orçamento pode comprometer”, ponderou a economista-chefe do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), Marcela Kawauti. Dependendo do tempo de atraso, é possível conseguir descontos de até 70%.

Saber negociar com o gerente pode definir o valor a ser pago no reajuste. “Se a instituição financeira cobrar acima do que a pessoa pode pagar, é interessante apresentar uma contraproposta”, afirmou Marcela. “Todo credor tem interesse em receber, mesmo que a quantia seja inferior ao crédito concedido anteriormente”, acrescentou.

Entretanto, para o consultor financeiro Reinaldo Domingos, presidente da DSOP Educação Financeira, mais importante do que substituir dívidas é ter reservas financeiras para preservar o orçamento familiar em uma eventual situação de desemprego. “Se o trabalhador é demitido, durante quanto tempo ele conseguiria manter o padrão de vida? É preciso ter reservas para sustentar as prestações assumidas e o custo de vida mensal. Caso contrário, antecipar ou renegociar débitos não resolverá nada”, avaliou.

Apesar de a inflação corroer os orçamentos familiares, Domingos acredita que é possível economizar nas despesas do dia a dia. Segundo ele, há um excesso de 20% a 30% em tudo o que as famílias normalmente consomem, dos gastos mais básicos, como água e luz, às despesas com supermercado e lazer. “É preciso apurar onde a folga é maior e reduzir esses dispêndios. Para isso, é importante reunir a família para discutir quais serão os projetos de vida, sempre pensando a longo prazo”, afirmou.

Desafio
Quem não renegociar a dívida ou não se munir de mecanismos para proteger o orçamento familiar corre o riscode ficar inadimplente. Frente à atual conjuntura, a perspectiva é de que os consumidores encontrem mais dificuldades para limpar o nome. “O avanço da inflação reduz o poder de consumo. Os juros vão continuar subindo e os débitos ficarão mais caros”, analisou Luiz Rabi, economista do Serasa Experian.

Somado à alta dos preços e ao crédito encarecido, o desemprego será o principal desafio para quem está disposto a renegociar as dívidas. O brigadista Ricardo Pereira dos Santos, 37 anos, foi dispensado em dezembro e, até o momento, não conseguiu retornar ao mercado de trabalho. As mensalidade da faculdade, da moto e do cartão de crédito, em atraso desde fevereiro, somam mais de R$ 1,3 mil. “Quero arrumar logo um serviço para não deixar os débitos acumularem. Se não, vai virar uma bola de neve e, aí, a situação vai ficar mais complicada”, disse.

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Decisões radicais

Situações críticas podem exigir medidas à altura. Diante do cenário de economia recessiva, cortes de gastos com supérfluos não devem ser suficientes para saldar as dívidas. Por isso, o consultor financeiro Rogério Olegário recomenda que os consumidores cogitem a venda de carro, casa ou terreno, caso disponham de algum bem. “As pessoas podem se desfazer de algum patrimônio para o pagamento de débitos. É uma situação comum que pode salvar a renda familiar”, avaliou.

Outra alternativa é a troca das atuais dívidas por outras mais baratas. “É importante pesquisar linhas de crédito que ofereçam juros menores e prazos de pagamento superiores. Contudo, essa substituição só deve ser realizada se couber no orçamento”, acrescentou Olegário. Segundo dados da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade(Anefac), a taxa de juros média do cartão de crédito chegou a 276,04% ao ano em fevereiro, a maior desde julho de 1999. Já a taxa média de juros do empréstimo pessoal cravou 58,27%.

Foram necessários seis meses para maturar a ideia da venda de um lote por R$ 120 mil, mas o Marco Antônio Dias, 69 anos, e a mulher, Moema Roriz Coelho, 60, ambos aposentados, garantem ter acertado na decisão. Com o dinheiro, eles liquidaram um total de R$ 70 mil em despesas com dois carros e um crédito consignado.

“Não sabemos como a economia se comportará nos próximos meses. Optamos por não correr o risco e nos livrar daqueles gastos”, explicou Dias. “Os R$ 50 mil restantes vamos investir em nós mesmos”, disse Moema. “Temos uma casa em Cabo Frio (RJ) e pensamos em nos mudar de vez para lá. No momento, a intenção é organizar a mudança, poupar, e usar o dinheiro quando necessário, na nova cidade”, afirmou.

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"Traição financeira" separa casais

As incertezas econômicas e a instabilidade no mercado de trabalho podem causar sérios problemas na vida dos casais. Diante da uma crise financeira, a tendência, segundo analistas, é que as discussões aumentarem na proporção em que diminui a quantidade de dinheiro no bolso. Estudo do SPC Brasil aponta que 23% dos casais endividados brigam por causa de dinheiro e que 35% dos brasileiros não informam ao parceiro todos os gastos pessoais. Omitir quanto ganha, patrimônio ou montante das dívidas é traição financeira, na análise de Dora Ramos, diretora da Fharos Contabilidade & Gestão. 

Contar com a ajuda e a confiança do parceiro, abrir mão de gastos desnecessários, dividir as despesas de forma justa e, acima de tudo, conversar são fatores que garantem um orçamento planejado e, ao menos no ponto de vista financeiro, uma vida saudável ao casal, afirmou Dora Ramos. Mas dividir as contas nem sempre é fácil, principalmente quando se está desempregado. 

Às vezes, discutimos porque um de nós quer comprar um produto de um valor que poderá fazer falta meses depois. Mas, apesar do desentendimento, prevalece o bom senso, garantiu o ajudante de obra Tadenes Ferreira Campos. É do salário de R$ 900 da mulher, Edilene Monteiro, que trabalha como operadora de caixa, que eles tiram o sustento. É o bastante para sobreviver. Então, todo fim de mês, sentamos juntos para examinar as despesas e analisar se há sobras para o consumo, explicou a mulher. 

Todo cuidado é pouco para não cair em armadilhas, alertou Wilson Justo, diretor de Marketing e Relacionamento da Sorocred. Segundo ele, mentiras podem destruir o casamento ou o convívio familiar. Compartilhar informações é fundamental. Só fazendo os cálculos, é possível apurar o tamanho do rombo e encontrar em conjunto uma saída, disse. Se for preciso, o casal pode até buscar uma linha de financiamento. E, nesse caso, não basta apenas ver o percentual dos juros. 

O mais importante é o Custo Efetivo Total (CET), que inclui todas as taxas. Pesquise bastante, não aceite a primeira oferta, reforçou Justo. Outro elemento que inquieta a maioria é o mimetismo social: na busca por ascensão e aceitação, a pessoa é capaz de qualquer coisa para ter um objeto igual ao do vizinho. Não adianta comprar o que não se pode pagar. É fundamental se adequar às próprias condições, salientou.

O momento, é de redução radical dos gastos, complementou Paulo Ferreira Barbosa, professor de economia e empreendedorismo da Fundação Getulio Vargas. É claro que ninguém vai abrir mão totalmente do prazer. Mas não adianta ambicionar o carro do vizinho, de R$ 60 mil. Quem estiver em dificuldade, ao contrário, terá que trocar o seu automóvel de R$ 30 mil por outro pela metade do preço, disse. Os maiores riscos de desembolsos por impulso, observou, estão nas datas festivas, como Páscoa, Dia das Mães e Dia dos Namorados.