O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem encontrado as contas públicas em pior estado do que imaginava no início de dezembro de 2014, quando aceitou o convite da presidente Dilma Rousseff para substituir Guido Mantega. Na época, Levy esperava que o país crescesse 0,8% em 2015 e, assim, se comprometeu a fazer superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida) de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 66,3 bilhões, algo considerado muito ambicioso por especialistas.

De lá para cá, muita coisa mudou. Levy herdou de Mantega um rombo de R$ 32,5 bilhões, ou 0,6% do PIB. A economia não cresce como ele previa — projeções do mercado apontam para queda de até 1,5% neste ano. Em consequência, a arrecadação vem caindo. Prova disso é que o deficit primário acumulado em 12 meses até fevereiro foi de R$ 35,8 bilhões, ou 0,69% do PIB. Para piorar, o resultado nominal no mesmo período foi recorde: ficou no vermelho em R$ 379,5 bilhões, ou 7,34% do PIB, um dos maiores do mundo. Nessa conta, a fatia de juros é o que mais pesa, pois equivale a 6,65% do PIB.

“Um deficit nominal desse tamanho preocupa muito porque tem um impacto direto sobre a dívida bruta do governo, que está em patamares elevados”, destacou o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa. Em fevereiro, ela somou R$ 3,4 trilhões, ou 65,5% do PIB, uma alta de 1,1 ponto percentual sobre o mês anterior.

Promessa inviável
Para este ano, Levy sinalizou a parlamentares, no Senado, que pretende entregar um resultado nominal negativo de 4,1% do PIB. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, considera a promessa inviável. “É muito difícil isso acontecer porque significa alcançar a meta de superavit primário e ainda ter queda no pagamento de juros. Mas a Selic (taxa básica da economia, hoje em 12,75% ao ano) está aumentando”, afirmou.

O economista Samuel Pessoa, da Fundação Getulio Vargas (FGV), observa que nem quando os juros estavam em 7,25% o governo conseguiu entregar um deficit nominal de 4,1% do PIB. “O ministro precisará de um crescimento de 1,5% na receita para conseguir cumprir as metas”, alertou. Para Pessoa, será preciso um arrocho fiscal muito mais duro do que Levy vem anunciando, com aumentos expressivos de impostos. “No Brasil, infelizmente, é o único jeito de se fazer ajuste”, lamentou.

A expectativa de Newton Rosa é que em março o resultado nominal atinja um novo recorde, podendo ultrapassar 8% do PIB. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), apenas Líbano e Egito possuem deficits maiores que o brasileiro, de 13,8% e 11,6%, respectivamente. A Argentina, cuja economia está cambaleando há mais tempo que a do Brasil, tem resultado negativo de 4,8%. O Ministério da Fazenda não comentou o assunto.

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Impostos maiores

Ameaçado de não conseguir cumprir a meta de superavit fiscal deste ano, o governo decidiu reforçar o caixa e restabeleceu a cobrança de PIS/Cofins sobre receitas financeiras de grande e médias empresas, com exceção de bancos, 10 anos depois de essa taxação ter sido zerada. A medida, regulamentada pelo Decreto nº 8.426, publicado no Diário Oficial da União, deve render ao governo R$ 6,48 bilhões anuais. Neste ano, o ganho será de R$ 2,7 bilhões, já que a mudança produzirá efeito a partir de agosto.

Pelo decreto, as alíquotas voltam a ser de 0,65%, no caso das contribuições ao Programa de Integração Social e de Formação ao Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e para 4%, quando se tratar da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Elas haviam sido reduzidas a zero em maio 2005. O aumento da tributação alcança inclusive receitas obtidas com operações de hedge (proteção contra desvalorização cambial).

As mudanças, elaboradas pela equipe comandada pelo secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, passam a valer a partir de 1º de julho e atingirão 80 mil empresas. O efeito financeiro ocorrerá a partir do mês seguinte. Em nota, o Fisco ressaltou que o restabelecimento das alíquotas é apenas parcial, uma vez que “o teto legal permite que a elevação alcance o patamar de 9,25%, sendo 1,65% em relação ao PIS/Pasep e de 7,6% em relação à Cofins”. Isso significa que ainda há espaço para elevar essas contribuições em mais 4,25%, se houver necessidade.

Com o reajuste das alíquotas por decreto, o governo encontrou uma forma de aumentar a arrecadação sem precisar da autorização do Congresso. Para José Matias-Pereira, professor da Universidade de Brasília (UnB), especialista em gestão pública, as medidas são preventivas para tentar alcançar o superavit primário de R$ 66 bilhões nas contas públicas prometido para este ano.

Segundo o professor, o governo ainda deve promover novos aumentos de tributos “para compensar os ajustes que o Congresso fará nas propostas que reduzem benefícios trabalhistas e previdenciários” e outras medidas que podem ser adotadas pelo Legislativo. Não por acaso, o montante a ser arrecadado este ano é bem próximo ao custo que o governo terá com a eventual troca do indexador da dívida de estados e municípios com a União, uma negociação que está em curso entre o ministro da Fazenda, Joaquim Levy e o Senado.

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Bovespa é multada

Receita Federal multou a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) em R$ 2 bilhões. A punição se refere ao não pagamento de impostos por causa da amortização, para fins fiscais, nos exercícios de 2010 e 2011, do ágio gerado na incorporação da Bovespa pela BM&F em 2008. A cobrança envolve R$ 1,45 bilhão a título de Imposto de Renda e R$ 523,8 milhões de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Os valores já incluem multa de 75% e juros de mora.

O auto de infração veio depois da multa aplicada pela Receita à companhia pelo mesmo motivo, relativa aos anos de 2008 e 2009. Em comunicado, a BM&FBovespa afirmou que apresentará impugnação da decisão no prazo regulamentar e defendeu que o ágio foi constituído regularmente. A empresa destacou ainda que continuará a amortizar as despesas para fins fiscais, na forma da legislação vigente.

A punição à BM&FBovespa ocorre num momento crucial para a Receita, que, com a Polícia Federal e o Ministério Público, investiga fraudes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Integrantes do “tribunal” teriam montado esquema para reduzir multas impostas pelo Fisco. As irregularidades podem ter causado prejuízo de R$ 19 bilhões aos cofres públicos. Ao menos 74 empresas são investigadas.