Às vésperas de completar cem dias de governo no segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff tem pouco a comemorar. Ironicamente, Dilma chegará à marca um dia antes das manifestações contra o seu governo agendadas para domingo. Cerca de duas semanas depois, terá de decidir se fará o tradicional pronunciamento presidencial no Dia do Trabalho em rede nacional de rádio e televisão e, assim, correr o risco de expor-se a mais um panelaço. Os desdobramentos políticos desses dois eventos determinarão a capacidade de Dilma recompor sua base aliada e levar adiante as medidas necessárias ao reaquecimento da economia.

O marco dos cem primeiros dias de um mandato é simbólico e muitas vezes questionado por governantes, que em geral preferem ser julgados pelo conjunto total de suas realizações e não apenas pela arrancada inicial de suas gestões. Mas tal referência tornou-se um meio de medir a efetividade e os feitos de um presidente num período em que, pelo menos em teoria, o governante tem maior poder de influência política pela proximidade da vitória eleitoral consagradora e, supostamente, ainda viver uma lua de mel com a sociedade e o Legislativo.

O conceito ficou mais conhecido a partir de 1933, após a eleição de Franklin D. Roosevelt para a presidência dos Estados Unidos, em meio à Grande Depressão. Em sua posse, o americano fez um discurso claro sobre as adversidades que os EUA enfrentavam: a bolsa de valores local alcançara recordes negativos, empresas fechavam, o sistema financeiro americano encontrava-se em colapso e o desemprego era altíssimo. Roosevelt logo adotou uma série de medidas, obteve o apoio do Congresso para aprovar um vasto pacote de políticas públicas e melhorou o humor do país em apenas três meses e meio.

A presidente tem como virar o jogo e reacelerar o país

A efeméride apresenta lições que não deveriam ser deixadas de lado pela presidente da República e seu núcleo mais próximo de assessores, até porque Dilma gosta de comparar a atual situação da economia brasileira com os efeitos observados após a crise de 1929. Aqui, no entanto, a situação é inversa.

Dilma tomou posse com um discurso mais alinhado à ficção criada pela propaganda de sua campanha à reeleição do que ajustado à realidade do país. Agiu como se estivesse amparada pelos demais Poderes e com total apoio da população - embora tenha vencido com uma margem mínima de votos e assumido o comando de um país praticamente dividido. A presidente também montou seu ministério e tomou medidas de ajuste fiscal sem ouvir os aliados. Até hoje esses movimentos geram insatisfação nos partidos da coalizão governista.

Num primeiro momento, a presidente manteve-se afastada da imprensa e evitou aparições públicas. Enquanto via os indicadores da economia descerem ladeira abaixo, não reativou os canais oficiais de comunicação da Presidência e deixou que se consolidasse a imagem de que o governo está parado. Dilma hesitou em defender publicamente o ajuste fiscal que durante a campanha eleitoral prometera não fazer. E anunciou que o governo preparava mudanças tópicas para melhorar o ambiente de negócios, mas muitas delas não saíram do papel, como o plano para impulsionar as exportações.

Como resultado, sobram notícias de corte de empregos, redução de investimentos e queda na confiança dos consumidores. Dilma defronta-se com uma queda recorde de popularidade e um isolamento político inédito em caso de governo apoiado por ampla base parlamentar. Antes, líderes de partidos governistas criticavam a ausência de interlocução com o Executivo para se queixarem da falta de prestígio que sofriam do Palácio do Planalto; hoje, Dilma corre o risco de seus aliados passarem a usar essa escassez de diálogo como um álibi que os afaste da presidente e dos potenciais prejuízos eleitorais que a adesão ao governo federal pode lhes causar em 2016 e 2018.

A presidente também não conseguiu impor sua agenda ao Congresso, onde tramitam lentamente as medidas provisórias que promovem parte do ajuste fiscal e a mudança de regras na concessão de benefícios trabalhistas e previdenciários. Outra MP, que revisava os incentivos sobre a folha de pagamento das empresas, foi rejeitada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, e enviada de volta ao Executivo. O assunto será analisado pelos parlamentares de forma mais lenta.

Em uma resposta às demandas da população por maior correção no manejo do dinheiro público, a presidente enviou ao Congresso um pacote para combater a corrupção. O conjunto de proposições, composto por dois projetos de lei, uma proposta de emenda constitucional e dois pedidos de tramitação em regime de urgência para projetos que já se encontram na Câmara, chegou ao Congresso dia 19 de março. Um dos projetos de lei foi encaminhado somente nesta semana à Comissão de Finanças e Tributação daquela Casa, mas não tem ainda relator. O outro PL nem deu esse primeiro passo. Já a PEC foi enviada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas também não tem ainda relator. Ou seja, há chances remotas de essa agenda caminhar com rapidez no Legislativo.

Mas Dilma dá sinais de que tenta reagir. A nomeação de Renato Janine Ribeiro para o Ministério da Educação não patrocina uma trégua entre a presidente e os aliados insatisfeitos com o Palácio do Planalto, mas dá maior densidade a um Ministério que, embora seja bem volumoso no seu conjunto por contar com 38 Pastas, tem muitos integrantes que não se destacam por seu peso. Na sequência, porém, Dilma sofreu um revés e teve de enfrentar a relutância do PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer, em assumir a articulação política do Palácio do Planalto, atitude que colocou em xeque a máxima existente em Brasília de que não se nega uma convocação do presidente da República.

Dilma ainda tem tempo para virar o jogo, afinal passaram-se apenas cem dias de governo do segundo mandato. Porém, é preciso defender-se, com ação concreta, da zombaria parlamentar que vem atribuindo ao 11 de abril a marca dos "sem dias" do governo Dilma no segundo mandato.

Fernando Exman é coordenador do "Valor PRO" em Brasília. Rosângela Bittar volta a escrever na próxima semana

E-mail: fernando.exman@valor.com.br