Depois de resistir por mais de três meses, a presidente Dilma Rousseff cedeu e decidiu entregar para o PMDB a articulação política do governo. Segundo anunciou no início da noite de ontem o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, toda a estrutura da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) será incorporada à Vice-Presidência da República, o que inclui as assessorias legislativa e federativa, respectivamente encarregadas da articulação com o Congresso e os Estados. O vice Michel Temer, presidente do PMDB e três vezes presidente da Câmara dos Deputados, fará a coordenação política, o que deve facilitar a aprovação do ajuste fiscal mas não necessariamente pacificar de vez o Congresso.

A decisão, antecipada pelo Valor PRO, o serviço de informação em tempo real do Valor, se deu após uma desastrada primeira tentativa da presidente de atrair o PMDB para a coordenação política. Numa tentativa apelidada de "Operação Tabajara" pelos pemedebistas, Dilma convidou para o cargo o ministro Eliseu Padilha (Aviação Civil), que recusou, alegando problemas familiares. Com a recusa de Padilha, a presidente voltou-se para Michel Temer. Reunida no Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice, a cúpula do PMDB avaliou que Temer só deveria aceitar a função, se a SRI fosse extinta e ele assumisse toda a política do governo.

É o que Mercadante chamou de dar "estatura" para o trabalho do vice. Padilha, no entendimento da cúpula do PMDB, seria um ministro sem poder sitiado entre Mercadante e o Secretário-Geral da República, Miguel Rossetto. Já o vice-presidente, indemissível pela natureza de seu cargo, pelo contrário, pode ombrear com o próprio Mercadante, o ministro mais forte do governo Dilma. "Em política, nada é mais forte que a solução natural", saudou o presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Moreira Franco, para quem esse deveria ser o desenho do governo, no segundo mandato da presidente, desde a posse.

A natureza da mudança foi explicitada pela própria Dilma ao agora ex-ministro da SRI, o deputado Pepe Vargas: "Me desculpa, mas eu preciso trocar o PT pelo PMDB". Além da articulação política, o partido tem agora os ministérios da Agricultura, Minas e Energia, Pesca, Turismo, Portos, Aviação Civil e a Secretaria de Assuntos Estratégicos, cujo titular, o ministro Mangabeira Unger, é filiado à sigla. Conforme estava combinado desde a composição do ministério, o ex-presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, deverá ser nomeado ministro, uma vez que seu nome não foi relacionado entre os investigados da Lava-Jato, como foi especulado à época. A acomodação de Alves no ministério é o primeiro grande desafio de Temer.

O ex-deputado deve ser nomeado para o Ministério do Turismo, conforme acertado na formação do ministério, onde se encontra desde o fim do mandato passado de Dilma o técnico Vinicius Lage, sob a benção de Renan Calheiros. Segundo integrantes da cúpula do PMDB, agora que o problema da coordenação foi resolvido, os pemedebistas devem se acertar internamente. Outra questão é a agenda do PMDB para o parlamento, o que incluiu algumas das chamadas "pautas-bombas" e que os presidentes das duas Casas não, dão o menor sinal de resistência. O PMDB também deve insistir com o projeto de enxugamento dos ministérios - um dos objetivos do partido é reunir toda a área de infraestrutura (portos, aeroportos e transportes) em uma única pasta sob o seu comando.

Com a decisão de ontem, o número de ministérios na gestão Dilma Rousseff cai de 39 para 38 pastas. Mercadante disse que a escolha de Temer - "um grande articulador político" - foi uma "solução política" e desconversou sobre o governo "ter sucumbido" ao PMDB: "É um parceiro histórico", afirmou. Ele ressaltou que o papel de Temer será maior que pacificar apenas o PMDB e caberá a ele, inclusive, dialogar com a oposição - Temer, aliás, tem encontros previstos com os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, que defendeu o ingresso do PMDB no governo, e Fernando Henrique Cardoso. "A articulação política é mais complexa, não diz respeito a um único partido, exige diálogo, construção, mediação com todos os partidos da base, inclusive com a oposição", disse o chefe da Casa Civil.

Temer terá como primeira missão, nesta quarta-feira, um encontro com presidentes de partidos aliados e lideranças da base de apoio ao governo no Congresso para a apresentação de uma carta pública em apoio ao ajuste fiscal proposto pela presidente Dilma Rousseff. "Temos um problema fiscal", disse Mercadante.

"O esforço por investimentos e programas prioritários dependem do ajuste fiscal". Mercadante afirmou que o pacto a ser assinado pelas lideranças políticas aliadas ganha ainda mais importância em meio ao cenário adverso da economia brasileira e o esforço do governo pelo equilíbrio fiscal. "Todo o esforço da política fiscal anticíclica foi atingido por queda nas receitas", afirmou o ministro. (Colaborou Bruno Peres)

Para Câmara, "FHC é uma voz sempre a ser ouvida"

Por Cristiane Agostine | De São Paulo
Uma das principais lideranças do PSB, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, reuniu-se ontem com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na tentativa de promover uma aproximação com o tucano.

No encontro, de pouco mais de uma hora, no apartamento do ex-presidente, em São Paulo, Câmara e FHC trataram da crise enfrentada pelo governo da presidente Dilma Rousseff e demonstraram preocupação com o cenário político e econômico.

"O momento é de preocupação com a instabilidade política, com os problemas na economia, a recessão, o desemprego", afirmou Câmara. "Fernando Henrique é uma voz sempre a ser ouvida. Ele tem papel de protagonista", disse o governador. Segundo o dirigente do PSB, o partido "está aberto ao diálogo" com lideranças políticas de outros partidos, como FHC.

Segundo Câmara, a possibilidade de impeachment da presidente não foi tratada no encontro. "Não há nada que justifique isso".

Ao falar sobre os problemas na economia do país, o governador de Pernambuco disse que o ajuste fiscal, proposto pelo governo federal, deve ter o apoio do PSB na votação no Congresso.

O PSB aproximou-se do PSDB nas eleições de 2014. A principal aliança entre os dois partidos se deu em São Paulo, com a indicação do presidente estadual do PSB paulista, Márcio França, para a vice do tucano Geraldo Alckmin.

No segundo turno, o partido apoiou o senador Aécio Neves (PSDB-MG) na disputa pela Presidência contra a reeleição da petista Dilma Rousseff.

As conversas sobre 2016 já começaram, mas ainda são preliminares, segundo Câmara.

O governador pernambucano, afilhado político do ex-governador Eduardo Campos, morto no ano passado, também busca uma aproximação com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No início de fevereiro Câmara esteve em São Paulo, na sede do Instituto Lula, na capital, para um almoço com o ex-presidente petista. "Somos muito gratos a Lula, que levou muitos investimentos para Pernambuco. Tenho muito respeito por ele", disse Câmara.

Wagner diz que PT precisa ceder espaço

Por Marli Olmos | De Buenos Aires
O plano de aproximação do PT dos partidos aliados, que se tornou evidente ontem com a entrega da coordenação política para o vice-presidente Michel Temer, recebeu respaldo integral do ministro da Defesa, Jaques Wagner, hoje do Ministério da Defesa. "O PT não tem que ter o monopólio. Se a gente acredita num governo de coalizão, precisa distribuir responsabilidades", destacou.

Segundo Wagner, além de PT e PMDB serem os maiores partidos da base, as reuniões de coordenação política nas últimas semanas têm sido "eficientes". Ele explica que esses encontros envolveram PC do B, PSB e PMDB, além do PT.

Governador da Bahia de 2007 a 2014 Wagner conta que sua candidatura ao governo baiano foi apoiada por uma coligação formada por PT, PV, PPS, PC do B, PTB, PMN e PMDB, sendo que veio dos peemedebistas a indicação de um dos seus integrantes, Edmundo Pereira, para o cargo de vice-governador. Na época, a vitória de Wagner sacramentou o fim da hegemonia do carlismo, o movimento do senador Antonio Carlos Magalhães, que sustentava a direita no poder do Estado.

Wagner destaca: "A presidente é do PT e o chefe da Casa Civil também. Se a articulação política for do PMDB não vejo problemas". Para ele, a questão do ajuste é hoje a maior dificuldade, que o governo encontra no terreno político. Ele defende, no entanto, uma campanha para que a opinião pública o aceite: "As pessoas têm que entender quando é preciso desacelerar".

Wagner recomendou resignação em relação ao escândalo de corrupção desencadeado pela Petrobras. "o PT terá de encarar o que está sendo revelado", afirmou. Apesar disso, ele acredita que isso não é uma questão exclusiva do partido. "Talvez doa mais no PT porque todo mundo está acostumado ao pecado do pecador, mas o pecado do pregador assusta todo o mundo", disse.

Para Wagner, a ética é um pré-requisito e a honestidade é bem-vinda na vida pública. "Mas existe uma máquina com um sistema. E a conclusão, quando se vê algum partido envolvido [em escândalos], inclusive o meu, é que se o sistema que propicia essa transparência não funciona, esse sistema tem de ser mudado; caso contrário vamos continuar sofrendo", disse, em uma defesa da reforma política.

Wagner fez ontem a sua primeira viagem ao Exterior desde que assumiu o Ministério da Defesa. Ao atender ao convite do colega de pasta argentino, Agustín Rossi, passou boa parte do dia, ontem, na sede do Ministério, em Buenos Aires, para tratar de temas que aproximam os dois países na área, como a aliança no projeto do avião militar Embraer KC-390.

Defensor da reforma política, o ministro disse sentir falta de bandeiras com propostas mais definidas na organização da onda de protestos, que terá nova rodada no domingo. "Ao invés de dez, 20, 30 bandeiras deveria haver uns quatro ou cinco pontos porque é disso que precisamos para fortalecer a democracia do país", disse.

Na proposta de reforma política de Wagner seriam contemplados a redução dos limites de recursos privados em campanhas, o fim das coligações proporcionais e o fim da barganha no tempo de propaganda eleitoral na TV. "Temos de olhar para a frente, senão vamos tomar susto a cada dois ou três anos", disse.

Wagner lembrou que as investigações [dos escândalos de corrupção] estão a cargo do Ministério Público, da Polícia Federal e Poder Judiciário. "Portanto, o Brasil não pode ficar assistindo a esse processo; ao contrário, é preciso agora trabalhar na prevenção", destacou.