O ambiente de tratamento diferenciado para fornecedores da Petrobras não aconteceu apenas no Brasil. Existem suspeitas de que o fato de Daniel Duque, filho do ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, ter trabalhado na francesa Technip, de junho de 2011 até abril do ano passado, a ajudou a se isentar das consequência de um acidente na instalação que causou danos à Petrobras, ocorrido cerca de dois meses antes de entrar na empresa.

O acidente atrasou em um ano a produção dos campos de Cascade e Chinook, no Golfo do México, e a estatal deixou de vender petróleo em 2011, ano em que o preço ficou na faixa de US$ 110,38. O acidente aconteceu em abril de 2011, depois que uma gigantesca boia de flutuação - uma estrutura gigantesca do tamanho de um prédio de 10 andares e presa no fundo do mar - se soltou de um dos "risers", que são linhas quem ligam o poço até a plataforma levando petróleo.

"A Technip contratou uma empresa espanhola, a Vicinaÿ, para fazer os elos das correntes que apoiavam as boias, que ficavam cerca de 100 metros submersas no mar. Um dos elos arrebentou e a boia saiu do mar como um torpedo", conta uma fonte que participou de reuniões sobre o acidente no Rio.

Ao invés de entrar com ação judicial contra a Technip, que era a dona do contrato, em março de 2012 a Petrobras processou a Vicinaÿ. A fonte que acompanhou o assunto no Brasil não entendeu a decisão, já que a Vicinaÿ era uma subcontratada e tinha sido escolhida pelos franceses, que ele achava que deveriam se responsabilizar.

Em Houston, causou estranheza na época que o negociador da Technip com a Petrobras fosse o economista Daniel Duque, contratado pela Technip em junho de 2011 no Rio para trabalhar no escritório do Texas. O pai do economista, Renato Duque, hoje um dos presos pelo escândalo da Operação Lava-Jato, era diretor de serviços da estatal à época.

Um funcionário da Petrobras nos Estados Unidos conta que a estatal precisou alugar barcos para enfrentar a emergência, e retirar o "riser" rompido. "No final, a Petrobras perdeu um "riser" que não foi reposto, prejudicando a produção", conta a fonte, que pediu para não ser identificada.

A Technip fechou em 2008 dois contratos com a Petrobras America. O primeiro previa serviços de Engenharia, Aquisição de Equipamentos, Construção e Instalação (EPCI na sigla em inglês) e envolvia a instalação de cinco risers e os cilindros de flutuação. O segundo contrato previa a instalação das linhas e o gasoduto de exportação de gás, incluindo a soldagem de aproximadamente 120 km de tubulações, linhas, instalação dos dutos e estruturas associadas. O site da Technip informa que o contrato era de US$ 300 milhões, mas nem a Technip nem a Petrobras responderam à pergunta sobre o valor final do contrato para esse projeto, que segundo informações obtidas pelo Valor custou aproximadamente US$ 800 milhões no total.

A fonte nos Estados Unidos conta que na época o então diretor da área internacional da Petrobras, Jorge Zelada, orientou Houston para que deixasse o assunto ser tratado no Rio. O fato chamou a atenção porque já tinha ficado evidente que o funcionário da Technip que negociava com a Petrobras America em Houston era filho do então diretor de Serviços, Renato Duque.

"Eu lembro claramente que a orientação da sede, do diretor Zelada, era para deixar com ele a questão Technip. O importante era trabalhar para entrar em produção. Pelo visto ele e Duque devem ter trabalhado juntos", diz.

Em resposta ao Valor, Jorge Zelada disse, por meio de seu advogado, que "devido à magnitude do acidente, a Petrobras formou uma comissão para dar tratamento e continuidade à questão, com o suporte das equipes de diversas disciplinas do Brasil, não só da área Internacional, mas de toda a companhia". O ex-diretor afirmou, ainda, que "não houve qualquer envolvimento ou influência" de Daniel Duque na negociação. Zelada responde a processo no Rio por fraude em licitações, por um contrato para serviços de SMS em nove países assinado com a Odebrecht.

A produção de Cascade e Chinook só foi restabelecida no dia 25 de fevereiro de 2012, praticamente um ano depois do início (em março de 2011). Sobre a decisão de não acionar a Technip, a estatal respondeu que "analisou o caso sob os pontos de vista técnico, legal e securitário e optou por acompanhar os seguradores na qualidade de coautora em ação de indenização por responsabilidade civil, ainda em curso, contra a fabricante das correntes, Vicinaÿ", diz a nota.

Segundo a Petrobras, Cascade e Chinook produzem atualmente 18 mil barris de petróleo por dia, menos do que os 40 mil barris/dia informados no ano 2014. A estatal também esclareceu que a ação contra a Vicinaÿ pede ressarcimento por perdas e danos. De acordo com a Petrobras, a empresa entrou com ação em 23 de março de 2012, cerca de um ano depois do acidente.