Muito vivas e presentes em nossa memória, recentes ainda do ponto de vista histórico, as multidões famintas das regiões mais áridas do país, nas ruas das cidades, nos campos e nas estradas, sempre que ocorriam secas mais prolongadas. Há quatro anos as chuvas andam escassas e ariscas nos sertões do Polígono das Secas. Mas não se vê pelas estradas as levas de retirantes famélicos nem há notícia dos saques efetuados sob o impulso incontrolável do estado de necessidade, que eram a maneira como estávamos acostumados a ouvir as vozes da seca.

Eis aí uma grande mudança na paisagem social do Brasil, que se insere entre outras importantes realizações do governo da presidente Dilma: em 2014, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) excluiu o Brasil do Mapa da Fome no Mundo.

Esta notável conquista civilizatória não teve, entre nós, a merecida repercussão. Não foram devidamente lembrados os nossos compatriotas que sonharam e trabalharam por esse momento: Josué de Castro, Herbert de Souza, o Betinho, Dom Hélder Câmara, Zilda Arns...

Não voltamos, para medir o tamanho da conquista, às “Vidas secas”, aos retirantes de Graciliano Ramos; ao personagem criança de José Lins do Rego que tinha os olhos virados, vazados de fome; aos catrumanos desnutridos do “Grande sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa; às “Vidas Severinas”, de João Cabral de Melo Neto; aos quadros de Portinari, para celebrarmos essa grande realização do povo brasileiro.

Nas origens dessa conquista estão o desenvolvimento da produção agrícola, os programas de apoio à agricultura familiar e de democratização do acesso à terra e ao crédito, como o Pronaf, o Mais Alimentos e o Fome Zero, lançado no governo Lula, que se desdobrou no Bolsa Família e no Brasil Sem Miséria. O fato é que estamos zerando a fome e a desnutrição no Brasil. E isso é coisa para se guardar na memória e no coração.

O desafio agora é não retrocedermos do patamar alcançado e continuarmos avançando na perspectiva de uma alimentação cada vez mais farta e saudável para toda a população brasileira, contribuindo para superar a fome e a desnutrição no planeta.

As políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, que se articulam com a soberania nacional, podem ser potencializadas por ações integradas entre os ministérios e órgãos federais; o aprofundamento do pacto federativo com os estados e municípios; a ampliação das parcerias com os setores produtivos, entidades da sociedade civil e os movimentos sociais.

O direito humano a alimentação adequada e saudável com regularidade, quantidade e qualidade está assegurado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Artigo 6º da Constituição, na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. É um dos legados mais vivos da tradição cristã, na passagem da multiplicação dos pães e na oração ecumênica que Jesus nos ensinou.

Consolidar e ampliar esta conquista civilizatória é passo essencial para bem celebrarmos, em 2022, os 200 anos de nossa Independência.