COLONIA DEL SACRAMENTO, Uruguai e BRASÍLIA
A presidente Dilma Rousseff repreendeu ontem o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. No Uruguai, ela considerou "infeliz" a declaração feita pelo ministro, na última sexta-feira, de que a política de desoneração da folha de pagamento, que vinha desde 2011, foi "grosseira". Levy chegou a dizer que "a brincadeira" custa R$ 25 bilhões por ano ao país e não dá resultados. A presidente defendeu o programa:
- Acredito que a desoneração foi importantíssima e continua sendo. Se ela não fosse importante, tínhamos eliminado e simplesmente abandonado. Acho que o ministro foi infeliz no uso do adjetivo. Agora, o fato é que tanto o ministro como todos os setores estão comprometidos com a melhora das condições fiscais do Brasil.
Na sexta-feira mesmo, o ministro já admitia a pessoas próximas ter sido infeliz na escolha de algumas expressões durante a coletiva de imprensa em que anunciou as medidas de ajuste que anularam, na prática, a desoneração da folha de pagamento para as empresas.
- Usei demais de coloquialismo - comentou o ministro com assessores, em uma avaliação após a entrevista, na qual admitiu que as frases foram ruins.
Na sexta-feira, o ministro da Fazenda classificou de ineficiente o programa de desonerações, com a seguinte declaração:
- Você aplicou um negócio que era muito grosseiro. Essa brincadeira nos custa R$ 25 bilhões por ano, e estudos mostram que não tem criado e nem protegido empregos.
Dilma ressaltou que a desoneração da folha é, hoje, uma realidade, e não é pura e simplesmente um instrumento de ajuste fiscal:
- É uma realidade e nós garantiremos que haja um reajuste nas condições. É um instrumento que vai permanecer, mas em certas circunstâncias deve ser reajustado. E agora foi pra cima. Quando a realidade muda, a gente muda.
A presidente fez as declarações em Colonia del Sacramento, a 150 quilômetros de Montevidéu, onde inaugurou, ao lado do presidente José Pepe Mujica, o Parque Eólico Artilleros, construído pelos dois países por meio de parceria entre as empresas Eletrobras e UTE/Uruguai. De acordo com o governo uruguaio, o empreendimento custou US$ 100 milhões e será capaz de gerar cerca de 65 megawatts de energia.
Barbosa desautorizado
Questionada se seria uma utopia o Brasil superar a crise, Dilma respondeu:
- Pode ter certeza que o Brasil vai sair desta crise. Vai sair ainda mais forte. Até porque o Brasil tem fundamentos sólidos. Nós passamos por dificuldades conjunturais, e isso garantirá que o país sairá com outro patamar, garantindo empregos e a renda que conquistamos.
Em conversa com assessores, Levy disse acreditar que as medidas anunciadas "não são para revogar o passado e sim para construir o futuro".
Não é a primeira vez que as declarações do ministro Levy geram polêmica. Em outras ocasiões, o ministério esclareceu palavras do ministro. Ele já chegou a falar em recessão, mas corrigiu para retração. Ao se referir à possibilidade de racionamento teve que explicar que quis dizer reservatórios baixos. Chamou de ultrapassado o seguro-desemprego para depois voltar atrás e afirmar que o programa precisa de modernização. Nem o dólar escapou. Levy dissera que não havia intenção de manter o câmbio artificialmente valorizado. A declaração fez o dólar subir 3%. Nova nota reeditou a fala, explicando que se referia ao cenário internacional.
Dilma também já chamara do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Com só um dia no cargo, ele foi repreendido e, por ordem de Dilma, divulgou nota em que afirmava que "a proposta de valorização do salário mínimo, a partir de 2016, seguirá a regra de reajuste atualmente vigente". No dia anterior, Barbosa falara de planos para mudar as regras.
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Petistas e tucanos veem crise política após episódio
BRASÍLIA
A reprovação da presidente Dilma às declarações do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a respeito da desoneração na folha de pagamento promovida na gestão de Guido Mantega, repercutiu no meio político. Alguns petistas, que criticavam reservadamente as ações de Levy, agora já se manifestam publicamente pela demissão do ministro. No PSDB, o sentimento é de que a crise se aprofunde com a discordância entre Dilma e Levy.
O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), criticou as declarações de Levy, mas diz que não há motivo para crise.
- Não é recomendável que um ministro faça críticas ao antecessor, mas isso não é razão para qualquer tipo de crise - disse Costa. - É um bom ministro, está fazendo um bom trabalho. Como ele mesmo diria, foi só uma "escorregadinha" - ironizou.
A deputada federal Luizianne Lins (PT-CE), porém, diz que Levy deve "respeitar a presidente Dilma e deixar o cargo".
- Ao contrário do que diz o ministro, foi a "brincadeira" que ajudou o Brasil a atingir os menores patamares de desemprego da história.
O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), dá razão ao ministro da Fazenda:
- É um ministro que veio para dar ao governo o que não tem, o mínimo de credibilidade. Essa crise entre os dois (Dilma e Levy) quebra esse objetivo.
O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), afirmou que Dilma tenta criar a impressão de que as "maldades" são culpa de Levy, e não dela.
- A presidente da República parece ter um prazer mórbido em desautorizar seus ministros, como se isso aumentasse a sua autoridade.