O carteiro Gildásio José Alves da Silva, 55 anos, teme que não conseguirá mais ter recursos suficientes para cobrir as despesas do mês. Não bastasse o ambiente de economia recessiva, com inflação e juros altos, ele será um dos 71.154 trabalhadores ativos dos Correios que precisarão tirar dinheiro do bolso para cobrir um deficit atuarial de R$ 5,6 bilhões no fundo de pensão dos empregados da estatal, o Instituto de Seguridade Social dos Correios e Telégrafos (Postalis). Do salário de R$ 2,5 mil de Gildásio, 59% estão comprometidos com dívidas. “Não vai sobrar nada para consumo”, lamentou.

Preocupado, o carteiro pensou em pedir à filha que suspendesse o curso de pedagogia, cuja mensalidade é de R$ 600 por mês. “Voltei atrás porque quero um futuro melhor para ela. Mas terei que reduzir outras despesas”, explicou, prevendo eliminar gastos com telefonia fixa e internet. Além disso, Gildásio pretende procurar um emprego informal para complementar a renda. “Minha mulher está desempregada e, nessas condições, não teremos dinheiro nem para pagar a água e a luz. Vou tentar algum bico para tirar um extra no fim do mês”, disse ele, que se desdobra para colocar comida à mesa com o vale-alimentação de R$ 900.

Do rendimento mensal, depois de pagas as contas indispensáveis, sobravam R$ 220 para gastar com compras menos importantes e com lazer. Mas, para cobrir o rombo do fundo de previdência — e evitar o drama de ficar sem assistência suficiente na aposentadoria —, ele sofrerá um desconto de R$ 215 no contracheque, a partir deste mês. O montante vai ser usado para cobrir o rombo do plano BD Saldado, um dos dois oferecidos pelo Postalis. Criado em 1981, o plano foi fechado à entrada de novos participantes em 2005, e saldado compulsoriamente três anos depois. Os mais de 71 mil trabalhadores participantes terão de pagar até 24,28% sobre o valor dos benefícios que já recebem, ou que teriam direito de receber se já estivessem aposentados. O outro plano, o PostalPrev, instituído em 2008, não teve alteração nos valores de contribuição.

Os Correios ressaltam que os empregados terão, em média, um desconto de 3,88% nos salários. No entanto, independentemente do rendimento mensal, todos serão atingidos. O carteiro Luís Roberto Neto, 46, está com dívidas no cartão de crédito e, além da contribuição mensal de R$ 170 com o PostalPrev, deve desembolsar R$ 80 com o BD saldado. “Pode parecer pouco, mas é um dinheiro com que eu contava para economizar e saldar débitos”, afirmou. E o valor do desconto pode aumentar. Durante 15 anos e meio, o deficit será reavaliado anualmente a partir do retorno dos investimentos e da expectativa de vida dos participantes.

Operações suspeitas
Na opinião do secretário-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios, Telégrafos e Similares (Fentect), José Rodrigues dos Santos Neto, o rombo é resultado de má administração. “Parte dos recursos foi usada em investimentos suspeitos e pouco rentáveis, que não deram retorno”, acusou. Entre outras, destacam-se aplicações em notas relacionadas à dívida externa da Venezuela, na compra de títulos públicos da Argentina, em ações de companhias do empresário Eike Batista, que acabaram afundando, e em bancos liquidados, como o Cruzeiro do Sul e o BVA. Por conta disso, a entidade recorreu à Justiça para que os trabalhadores não paguem a conta. O imbróglio também já levou senadores de oposição a pedirem a instalação de comissão parlamentar de inquérito para investigar o caso.

Em nota, o Postalis informou que papéis da Argentina e da Venezuela “integravam um fundo de investimento cujo regulamento previa a aplicação de pelo menos 80% do valor investido em títulos da dívida pública externa brasileira” e que “os aportes foram feitos entre 2005 e 2008”. Em 2011, esses títulos foram trocados por outros, à revelia do instituto e contra o regulamento do fundo. Para recuperar os investimentos, o Postalis “tem ação em curso na Justiça contra o gestor Fabrizio Neves e o administrador do fundo, o banco BNY Mellon, inclusive com decisões a seu favor”, diz comunicado.

Funcionários dos Correios e a própria estatal já faziam contribuições extras ao plano desde 2013 para cobrir um deficit de R$ 1 bilhão dos dois anos anteriores. No entanto, a contribuição adicional nesse período foi inferior, de 3,94%. Como patrocinadora do fundo, a estatal destacou que também vai aportar mensalmente R$ 14 milhões, cerca de 1% do faturamento anual da empresa, para o plano deficitário, quantia igual à paga pelos participantes ativos ou assistidos.

Os Correios ressaltam que o fato de estar saldado não significa que o plano não possa ter deficit ou superavit. “Na data do saldamento, os recursos existentes eram suficientes para garantir os benefícios calculados, considerando sua rentabilização de no mínimo a meta atuarial (na época 6%) e as hipóteses atuariais do plano”, explicou a estatal.

Segundo a empresa, grande parte do rombo de R$ 5,6 bilhões do BD Saldado tem origem em resultados negativos dos últimos três anos, decorrentes de investimentos feitos até 2012. “As regras do setor determinam que, se o plano apresentar deficit por três anos consecutivos, ou se o saldo negativo for maior do que 10% do patrimônio, ele precisa ser equacionado paritariamente entre participantes e patrocinadora”, observou.