SÃO PAULO - ‘Ele não é nenhum Rimbaud, mas faz poesia direitinho.” É assim que o editor José Mário Pereira, da carioca Topbooks, se refere ao ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha, que esta semana lança “Quatro & outras lembranças”. Trata-se de um livro de poemas, uma espécie de “Memórias do Cárcere” de João Paulo, do tempo em que passou na penitenciária da Papuda, em Brasília, após ser condenado no mensalão.

Atualmente cumprindo pena em prisão domiciliar, também na capital federal, o petista terá, segundo seu editor e sua assessoria de imprensa, autorização da Justiça para participar do lançamento do livro no próximo dia 7 de abril, em Brasília, e em data não definida, em São Paulo. Cunha ainda poderá, de acordo com sua assessoria, dar entrevistas sobre o trabalho de escritor — mas somente a partir desta semana.

O conteúdo do livro é guardado a sete chaves. Apesar da insistência, a Topbooks não liberou nem trechos dos poemas, muito menos a capa. José Mário diz que o título foi dado pelo próprio autor e “é uma divisão interna de sua poesia e não tem nada a ver com política”. O editor conta que foi procurado há cinco meses por um amigo em comum com João Paulo, pedindo que ele lesse “sem compromisso” os poemas do ex-deputado. O amigo relatou a tristeza e a solidão que o ex-parlamentar petista sentia na cadeia e contou que ele usava a escrita, “até altas horas da madrugada”, como válvula de escape. Assim como o ex-presidente Lula, João Paulo foi metalúrgico antes de entrar na política.

— Como não tenho preconceito, nem esta coisa de direita ou esquerda, atendi ao pedido do meu amigo. Achei que o autor tem qualidade, tem cultura, leitura, referência. E pensei: “Por que não editá-lo?”. Qualquer pessoa que está na lona pode ser ajudada — declara Pereira, que editou, em 2011, o livro de outro condenado do mensalão: o delator do esquema, Roberto Jefferson.

CONDENADO A 6 ANOS E 4 MESES

Condenado a seis anos e quatro meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e peculato, João Paulo, garante o editor, nada pagou pela edição do livro e vai ganhar o previsto: 10% dos prováveis R$ 37 do preço de capa. O ex-deputado foi envolvido no mensalão com a descoberta de que sua mulher sacou R$ 50 mil da conta da empresa do publicitário Marcos Valério, apontado como operador do esquema. João Paulo presidia a Câmara e, nessa época, a agência de Valério ganhou uma licitação para prestar serviço à Casa.

Depois que recebeu os poemas, José Mário enviou o texto de João Paulo a dois poetas, sem dizer quem era o autor, para “afastar qualquer preconceito”. Os dois, segundo o editor, ficaram surpresos “pela pulsação do livro”, o que reforçou a decisão de publicar a obra.

José Mário adianta que são poesias longas, uma meditação sobre como a “prisão mudou o íntimo desse homem”. Cunha foi um dos políticos que mais se abalaram com a condenação no mensalão. Sempre negou participação no esquema e se ressentia da perda de prestígio no PT. Na época em que o escândalo veio à tona, ele era considerado uma das principais figuras do partido em São Paulo e alimentava a expectativa de disputar o governo do estado.

— O autor expeliu poesia em vez de uma coisa ardida. A obra não é nada panfletária, não aponta nomes e tampouco faz acusações. João Paulo apenas reflete, faz um mea-culpa de seus erros e uma reflexão sobre injustiças que ele acredita ter sofrido — afirma o editor do livro.

Para José Mário, a poesia do mensaleiro remete à de Augusto Frederico Schmidt, poeta da segunda geração do modernismo, que fundou, em 1930, a Livraria Schmidt Editora, primeira a publicar (“olha só a coincidência”) a obra de Graciliano Ramos, o autor de “Memórias do Cárcere”. O próprio João Paulo Cunha já se inspirou no título da obra de Graciliano Ramos ao escrever, da Papuda, críticas literárias para seu blog — o título da sessão é “Janelas do Cárcere”. O conteúdo do blog de João Paulo comumente é reproduzido por sites alinhados ao PT.

Numa de suas críticas literárias — do livro “Michael Kohlhaas”, de Heinrich Von Kleist, o ex-presidente da Câmara escreve o seguinte sobre os juízes: “Os juízes, ao longo da história, se distinguem em fazer as sobrancelhas para que ao franzir o cenho possam aparentar algo profundo. No entanto são preparados para a mentira desde priscas eras e usam de sinais para aparentar sabedoria e profundidade (…) Não é uma injustiça praticada contra um pequeno e pobre que alegrará o espírito de um juiz. Este se compraz com o atendimento dos poderosos e se exultará com uma boa taça de vinho a brindar a vitória do direito do forte sobre a justiça do fraco. A não ser que o ódio empurre os cidadãos para buscar a justiça!”.