BRASÍLIA
Depois do atendimento com psicólogos, é hora de falar e ouvir nas rodas de conversa. Todos ali carregam o estigma de terem agredido mulheres, namoradas, filhas, enteadas, irmãs. Aos poucos, o incômodo se desfaz. De repente, eles se veem representando passagens do dia a dia, como parte de uma oficina para refletir sobre a convivência mantida com os familiares mais próximos. Em outro momento, surpreendem-se ao saber que condutas corriqueiras, como chamar a parceira de "rapariga", é uma forma de violência.
Os ensinamentos são passados nos centros de reabilitação de agressores de mulheres, previstos na Lei Maria da Penha, mas ainda pouco difundidos. São locais de atendimento para homens acusados de violência contra a mulher. As experiências são pontuais no país, segundo o juiz Álvaro Kalix, do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
- Falo pela experiência do meu juizado, em que a reincidência dos agressores que passaram pelos cursos caiu para menos de 10%. São dados incipientes, mas significativos e que demonstram um caminho a seguir. Essa experiência vem trazendo bons resultados - diz Kalix, que atua no Juizado de Violência Doméstica de Porto Velho (RO).
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Homens afirmam que foram reabilitados
Do ponto de vista de quem passou pela reabilitação, a percepção também é positiva. Pelo menos para João (nome fictício), dono de uma pequena agência de viagens em uma área nobre de Brasília. Depois de três anos de idas e vindas, juras de amor, troca de ofensas e muita confusão, a última briga de um relacionamento passado saiu do controle. O bate-boca virou enfrentamento físico.
Com o braço cortado por um copo jogado pela ex-namorada, João revidou. Usou a força para retirar a mulher da casa dele, deixando nela marcas que foram classificadas pelo Instituto Médico-Legal como agressão leve. O jovem empresário, de 26 anos, foi processado e condenado por violência doméstica. João frequentou durante quatro meses um centro de reabilitação para agressores de mulheres. E se apresenta, periodicamente, em juízo, até que a pena seja extinta.
Para João, os encontros semanais num centro de reabilitação de Brasília na companhia de psicólogas, assistentes sociais e outros homens na mesma situação, servirão para "o resto da vida".
- Antes de chegar ao ápice do desrespeito, que é o físico, é o corporal mesmo, eu já tinha feito outras coisas. Xingar, colocar a pessoa em situações complicadas, deixar em qualquer lugar no meio de uma briga, isso também é violência. Aprendi muito e digo que nunca mais vou deixar um relacionamento chegar ao ponto em que esse chegou - afirma João.
Aos 62 anos, Pedro (nome fictício) garante que saiu da experiência melhor do que entrou. Numa noite de segunda-feira, em que bebeu "um pouco acima do normal" para aproveitar o dia de folga, uma discussão com a mulher se transformou em briga física com a enteada e terminou com a chegada da polícia na casa da família. Pela primeira vez na vida, Pedro passou por um presídio, detido por dois dias. Além de cumprir mais de cem horas de serviço comunitário em uma creche.
- Estava desatualizado. Hoje, a gente não pode mais dominar um filho como antigamente, tem que ter mais diálogo. Aprendi a conviver melhor com as pessoas e reconhecer as coisas erradas que faço também - pondera Pedro.