Em tempos de seca, os apelos para não deixar a torneira pingando, evitar banhos demorados e se mobilizar para aproveitar a água da chuva são recados simples e diretos. Assim, toda a população é convocada a racionalizar o consumo e evitar que o drama se agrave. Que é oportuno bater nessa tecla, ninguém discute. No entanto, a questão extrapola — e muito — a vida doméstica. Atividades econômicas são responsáveis por mais de dois terços do consumo no Estado do Rio de Janeiro, na seguinte proporção: indústria, 37,7%; agropecuária, mineração e outros setores, 36,6%, conforme artigo do deputado estadual Flavio Serafini (PSOL-RJ), publicado no GLOBO semana passada.

Esses números indicam a urgência de fazer do uso racional da água não só questão de conscientização. É claro que a adesão do consumidor doméstico é muito importante, mas a atividade econômica, por natureza, exige uma racionalidade na qual não podem faltar a definição clara dos processos a serem adotados e as metas — e punições — para poupar insumo tão vital. Ou seja, é preciso uma política.

É como um bem que deve gerar riqueza que a água é vista na Austrália, um dos países mais secos do mundo e exemplo na forma de tratar o assunto. Os prejuízos à economia são evitados com medidas duras, inclusive punições para quem não cumpre a sua parte.

Nos casos mais graves, a água só pode ser usada em estabelecimentos públicos e para o gado. “Um copo é visto como um cifrão”, disse ao GLOBO o brasiliense Marlos de Souza, diretor de Política e Planejamento da Autoridade da Bacia Murray-Darling, a região australiana mais importante para o setor agropecuário. E a situação é considerada alarmante quando os reservatórios operam com 30% de sua capacidade — nos nossos no Rio Paraíba do Sul, o percentual é de 15%.

O Brasil vive situação oposta. Segundo estudo do Instituto Trata Brasil, mais de 6,5 bilhões de metros cúbicos de água tratada foram desperdiçados no país em 2013, correspondendo a uma perda financeira de R$ 8,015 bilhões ao ano e a cerca de 80% dos investimentos em água e esgoto. Uma tragédia em tempos de prevenção urgente contra a seca.

A postura das autoridades é lamentável. Tanto o governador paulista Geraldo Alckmin quanto a presidente Dilma Rousseff evitaram o assunto ano passado para não prejudicar suas campanhas à reeleição. Ele, responsável por um estado duramente castigado pela seca; ela, conhecedora dos riscos para o setor elétrico, até por ter sido ministra de Minas e Energia. Ambos empurraram o problema para frente, mas de nada adiantou. Apesar de chuvas recentes, o Sistema Cantareira, em São Paulo, continua em situação delicada. E o acionamento de termelétricas para gerar energia encareceu as tarifas ao consumidor. A conta começou a chegar.