BRASÍLIA

O esquema de cartel estruturado para fraudar contratos com a Petrobras envolveu 23 empreiteiras, foi viabilizado por conta da preferência da estatal em contratar empresas por meio de convites, e teve início no fim da década de 1990, tornando-se "mais frequente e estável" a partir de 2003 e 2004. Todas essas informações foram delatadas - inclusive com o fornecimento da lista das construtoras que integraram os clubes de cartel - por um dos grupos que integrou o esquema, o Setal.

A Setal Óleo e Gás e a Setal Engenharia e Construções foram as primeiras entre as investigadas na Operação Lava-Jato a firmar acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O grupo Setal já havia feito o acordo com o Ministério Público Federal, responsável pela Lava-Jato, e já formalizou interesse no acordo de leniência junto à Controladoria Geral da União (CGU), numa tentativa de evitar a declaração de inidoneidade e a perda de novos contratos públicos.

No acordo de leniência no Cade, as partes concordaram em dispensar o sigilo, o que resultou na divulgação do "Histórico da Conduta". O documento tem 71 páginas e traz todos os detalhes de, segundo a Setal, como funcionou o cartel que fatiou os contratos da Petrobras. A Setal entregou os nomes das 23 empresas que participaram do cartel e as dividiu basicamente em três grupos: "Clube das Nove", o primeiro a funcionar após a criação do cartel; o "Clube das 16", com a relação das outras sete construtoras que passaram depois a participar do esquema; e as sete empresas que "participaram esporadicamente das combinações entre os concorrentes para licitações específicas", como consta no histórico da conduta.

Divisão em onze fases

Segundo a Setal, reuniões "esporádicas" para tratar de cartel já ocorriam no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, conforme as informações repassadas ao Cade. Essa foi a primeira das 11 fases listadas. Na segunda fase, ainda no fim da década de 1990, houve "proteção entre as empresas e formação do Clube dos Nove". De acordo com a delação, esse clube só passou a ter atuação "efetiva" na Petrobras em 2004.

A fase oito, conforme a leniência, foi a "constatação do clube VIP", que exigia "primazia" para as grandes obras da estatal. Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC Engenharia eram as empreiteiras VIP. A fase 11 é chamada de "final do clube".

Segundo a Setal, o esquema perdurou por mais de 12 anos. "Os contatos e acordos entre concorrentes se iniciaram de forma preliminar no final dos anos 90/início dos anos 2000, tornaram-se mais frequentes e estáveis a partir de 2003/2004 e duraram até, pelo menos, final de 2011/início de 2012", diz o histórico da conduta.

O uso abusivo da modalidade convite para escolher as empresas que participariam das disputas pelos contratos facilitou o cartel, segundo a Setal. O ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque e o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa recebiam previamente do cartel "a lista daquelas que deveriam ser convidadas para participar dos certames". Diz o documento: "Apenas as convidadas poderiam participar dos certames, sendo que as empresas convidadas já haviam combinado previamente quais delas seriam vencedoras e quais apresentariam propostas de cobertura".

Reportagem do GLOBO publicada em 8 de fevereiro revelou que, em dez anos, quase R$ 220 bilhões em contratos da estatal foram disputados apenas por fornecedores convidados. Isso representa 61% de todas as compras feitas pela Petrobras entre 2003 e 2012.