Uma queda histórica no número de homicídios dolosos no Rio de Janeiro é, para especialistas em segurança pública, um indicativo de que a política de pacificação do estado está no caminho certo. Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) divulgados ontem mostram que, em fevereiro, houve uma redução de 32,8% na quantidade de assassinatos em relação ao mesmo mês do ano passado. Ao todo, foram 324 casos, o menor número desde 1991, quando a estatística chegou a 732. É o menor número de vítimas registrado em 24 anos, como antecipou, na sexta-feira, Ancelmo Gois em sua coluna no GLOBO. Na capital, houve redução de 24,8% dos casos de assassinatos em fevereiro, que teve cem registros. No mesmo mês do ano passado, foram 133 casos.

Para a antropóloga Alba Zaluar, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), apesar dos problemas que vêm sendo enfrentados, tiveram impacto considerável nas estatísticas de criminalidade.

- Isso é uma prova de que as UPPs, apesar dos problemas envolvendo o retorno do conflito armado em algumas regiões, estão salvando vidas. Precisamos pensar com muito cuidado antes de criticar o programa. O governo está no caminho certo. Mas as taxas ainda estão muito altas. É preciso baixar ainda mais - observou Alba Zaluar.

DONA MARTA COMO EXEMPLO

Ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), o antropólogo Paulo Storani, especialista em segurança pública, também vê relação entre os dois fenômenos.

- No Morro Dona Marta (o primeiro a receber uma UPP), não há registro de homicídios desde a implantação da unidade local. O Pavão-Pavãozinho ficou um longo tempo sem registro de homicídio. O problema envolvia traficantes, conflitos entre eles e os moradores ou entre eles e consumidores de drogas. Hoje, eu vejo a Polícia Militar funcionando de forma mais eficiente do que antes. Há mais veículos circulando, especialmente nos fins de semana - analisa Storani, que, no entanto, reclama da ausência de pesquisas qualitativas no trabalho do ISP. - Mas a sensação que tenho é de que a cidade continua violenta, pelo nível de letalidade dos criminosos.

Outros indicadores também tiveram queda expressiva. A estatística de letalidade violenta (soma de homicídios dolosos, autos de resistência, lesões corporais seguidas de morte e latrocínios) apresentou uma redução de 23,8%. Em fevereiro, foram 426 casos contra 559 no mesmo mês do ano passado. Porém, analisados separadamente, os autos de resistência apresentaram um aumento significativo: 48,2%. Passaram de 56 casos, em fevereiro do ano passado, para 83 este ano. Na capital, o crescimento foi ainda maior: 128% (21 em 2014 e 48 este ano).

- Há dois aspectos relevantes (na pesquisa do ISP): a redução do número de homicídios e o aumento dos casos de autos de resistência. A redução é muito positiva. Após 2012, os números começaram a subir um pouco, mas nunca chegaram a ficar como eram antes das UPPs. Mas precisamos verificar se isso é uma tendência. Quanto aos autos de resistência, precisamos lembrar que o novo comando da Polícia Militar prometeu rever o uso da força. A maior concentração de casos é nas áreas do 9º BPM (Rocha Miranda), do 18º BPM (Jacarepaguá) e do 16º BPM (Olaria). São problemas localizados - alerta Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes.

SENSAÇÃO DE INSEGURANÇA

Todos os especialistas são unânimes quanto à necessidade de uma análise mais profunda e de abordagens mais qualitativas do problema. Também chamam a atenção para a sensação de insegurança que ronda a população. Ontem, A dona de casa Vanessa Aparecida de Abicassis, de 38 anos, foi morta, após ser atingida por uma bala perdida quando estava no quintal de casa, na Rua São Felipe, no Complexo do Alemão, onde há uma UPP, que enfrenta resistências, desde 2012. Segundo testemunhas, a vítima estava sentada na porta de casa com dois vizinhos, por volta das 14h, quando houve um tiroteio, provavelmente entre policiais e traficantes. O crime está sendo investigado pela Divisão de Homicídios.

Mas, para o tenente-coronel reformado da PM, Milton Corrêa da Costa, a polícia tem tido uma atuação mais proativa e menos reativa:

- Hoje, observamos que se dá uma importância maior aos crimes contra a vida.

Ontem, por meio de nota, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, afirmou que a redução dos casos de homicídios dolosos "é uma meta que sempre perseguimos, pois se trata de um crime contra a vida, que é o bem mais precioso. É um dos indicadores utilizados pela Organização das Nações Unidas para medir o Índice de Desenvolvimento Humano de uma nação. Sem dúvida alguma, o programa das UPPs, aliado ao Sistema de Metas e Acompanhamentos de Resultados, é fundamental para que chegássemos a esse número. Costumo dizer que segurança pública é um jogo que não se vence, por isso nos manteremos atentos em busca de resultados. Não temos a ilusão que não continuaremos a ter problemas, mas quero deixar claro para a população que não iremos retroceder" .

Há ainda bons resultados na ação de combate a outros crimes. De acordo com o ISP, o roubo de veículos teve redução de 17,6% em fevereiro deste ano em relação ao ano passado, caindo de 3.025 para 2.494. Os roubos a residência sofreram queda de 44,3%, caindo de 140 para 78 casos. As ações de assaltantes ainda se mantêm estáveis, com ligeira queda: os roubos a transeuntes caíram apenas 1,3%. Os roubos de rua (que incluem assaltos a transeuntes e roubos de celulares e em coletivos), por sua vez, aumentaram 3,3% em fevereiro deste ano, passando de 7.637 no ano passado para 7.889 este ano.