BRASÍLIA
Diante da crise política e das dificuldades da equipe econômica para aprovar no Congresso medidas que viabilizem o ajuste fiscal, já começa discretamente no governo um movimento pela redução do superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida) de 2015, cuja meta fixada é de R$ 66,3 bilhões, ou 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país). A defesa vem especialmente do núcleo político, que está preocupado com o desempenho da economia. O mercado financeiro prevê retração de 0,78% no PIB deste ano, por causa do impacto dos cortes no Orçamento dos ministérios, do aumento de impostos e dos preços administrados, e demais medidas do ajuste.
Segundo interlocutores, a presidente Dilma Rousseff tem ouvido reclamações de ministros que se declaram sem margem para trabalhar. Eles alegam que só com os decretos de contingenciamento preventivo já editados até agora, não há dinheiro sequer para tocar projetos estruturantes, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e há obras paralisadas ou atrasadas. O governo já bloqueou temporariamente R$ 32,6 bilhões em recursos que haviam sido reservados para o pagamento de obras do PAC este ano.
- Há uma crítica forte de ministros, que têm a caneta, mas ela está sem tinta. É difícil trabalhar assim, não tem mágica - disse um auxiliar da presidente.
dificuldades no congresso
Outros argumentos apresentados ao Palácio do Planalto são que as medidas propostas pela equipe econômica, como a redução dos benefícios trabalhistas e previdenciários, não serão aprovadas da forma como o governo encaminhou ao Congresso, em função do quadro político, o que dificulta ainda mais o ajuste fiscal. Os críticos do tamanho do ajuste acreditam que, depois do desastre das contas públicas de 2014 - que fecharam o ano com um déficit primário de mais de R$ 30 bilhões - as agências de classificação de risco e o mercado financeiro aceitariam um superávit um pouco abaixo de 1,2% do PIB, como suficiente para mostrar o compromisso do governo Dilma com uma política econômica mais responsável.
No entanto, até o momento, esses argumentos não sensibilizaram o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, nem o demoveram do propósito de realizar a meta proposta. Fontes da equipe econômica afirmam que ele não só está completamente convicto de que conseguirá a poupança prometida como, se puder, quer fazê-la com receitas correntes, ou seja, sem a ajuda de recursos extraordinários que ingressam nos cofres públicos, como os decorrentes de concessões, por exemplo.
Essa convicção levou a atual equipe econômica a propor o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015 sem margem para as manobras fiscais, como as adotadas nos últimos anos. O superávit primário foi definido em R$ 66,3 bilhões, sem a possibilidade de descontar deste valor as despesas com o PAC. Ou seja, para realizar um esforço fiscal menor, seria preciso encaminhar ao Congresso um projeto de lei reduzindo a meta deste ano.
O texto da LDO, aliás, é ainda mais rígido que o de anos anteriores. Determina que, se a economia crescer acima do esperado, a equipe econômica poderá realizar uma meta ainda maior do que a fixada na lei: "Se as reestimativas para a taxa de crescimento real do PIB superarem a estimativa utilizada para fins de elaboração do Anexo IV.1. - Metas Fiscais Anuais desta Lei - fica o Poder Executivo autorizado a aumentar a meta de superávit primário prevista no artigo 2º ", diz o texto.
Os técnicos lembram que, em 2003, quando ocupava a Secretaria do Tesouro Nacional, Levy não apenas elevou a meta de superávit primário, de 3,75% para 4,25% do PIB, como a atingiu. Isso ocorreu graças a restrições nos gastos públicos, a um endurecimento nas negociações de reajustes salariais com servidores e também a aumentos de tributos. A Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), por exemplo, teve um aumento de alíquota de 12% para 32% para prestadores de serviços. Por isso, o ministro conserva até hoje o apelido de "Levy, mãos de tesoura". E hoje, afirmam os técnicos da equipe econômica, tem o aval de Dilma para fazer o ajuste.
- A meta de 1,2% do PIB é da presidente. Ela comprou essa ideia e deixou Levy executá-la - disse uma fonte, lembrando que o ministro aceitou o convite para comandar a economia em troca de liberdade para agir.
Levy não aceita mudar superávit
Em conversas com senadores na semana passada, Levy deixou clara sua intenção de não reduzir a meta. No entanto, disse ter consciência da resistência do Congresso em aprovar o ajuste fiscal e sinalizou que há margem para negociar as propostas. Mas, segundo senadores que estiveram com ele, o ministro avisou que se as mudanças resultarem em perda de receitas, terá que cortar gastos para compensar as perdas.
O contingenciamento que será anunciado nas próximas semanas está estimado em algo entre R$ 60 bilhões e R$ 80 bilhões. Outra arma para garantir a meta virá das receitas. O governo já estuda, por exemplo, a possibilidade de passar a tributar com Imposto de Renda heranças, doações e transmissão de bens.
Desde que percebeu que no Congresso as medidas provisórias (MPs) 664 e 665 - que restringem o acesso a benefícios trabalhistas e previdenciários - não seriam aprovadas sem alterações, o ministro da Fazenda também adotou uma postura mais conciliatória. Começou a explicar ao Parlamento a importância do retorno da confiança dos investidores para a retomada do crescimento e para a manutenção do grau de investimento das agências de classificação de risco.
Ele adotou uma postura bem diferente da presidente Dilma que, em conversa com Renan Calheiros, presidente do Senado, na última quarta-feira, disse que o ajuste tem que ser feito e que o Congresso tem que "dar o exemplo". O tom da presidente desagradou ao Congresso mais uma vez. E isso coloca mais combustível na relação ruim entre os dois Poderes.