RIO E BRASÍLIA

O ajuste fiscal vai fazer o governo destinar menos recursos para o BNDES emprestar. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já disse que o banco de fomento precisa dar espaço para que o setor privado participe mais do financiamento da produção e do investimento no Brasil. Algumas alternativas começam a ser estruturadas dentro do banco. Já está na rua um ensaio desses novos instrumentos: o primeiro fundo de investimento em debêntures de infraestrutura, que tem a possibilidade de atrair capital privado para o setor. Com R$ 1 bilhão, o fundo vai agregar 11 projetos que há um ano e meio emitiram debêntures (títulos de dívidas).

O BNDES vem comprando estes papéis há um ano e meio - de segmentos como geração e transmissão de energia, rodovias e aeroportos. Agora está finalizando a criação de um pacote para pôr à venda para investidores institucionais, em geral, fundos de pensão que precisam de papéis de longo prazo para garantir rendimentos aos seus associados. No ano passado, o setor de infraestrutura levou R$ 68,9 bilhões do banco.

Investimento isento de IR

Este fundo foi criado a partir da Lei nº 12.431, de 2011, que visava a estimular a criação de formas alternativas ao financiamento de projetos de infraestrutura, isentando de Imposto de Renda pessoas físicas e estrangeiros que investirem no setor. O BNDES começou seu programa com três linhas: compartilhamento de garantia, ou seja, as mesmas garantias dadas ao financiamento de um projeto no banco servirão para a debênture; uma tabela de correção mais vantajosa para os empreendedores; e a criação de débito cruzado, ou seja, caso uma empresa atrase o pagamento de uma debênture, ela será considerada também inadimplente com o banco.

- Essas medidas visam a reduzir os riscos deste mercado e atrair o investidor para estes papéis. São garantias que se somam à isenção de Imposto de Renda - disse Otávio Lobão, chefe do Departamento de Gestão de Carteira de Participação da Área de Mercado de Capitais do BNDES.

Ele afirma que este fundo ainda não tem prazo para ir ao mercado por causa do atual cenário de incertezas e turbulências na economia. E também dos juros, que tornam estes papéis menos atrativos em relação à renda fixa, que paga a taxa Selic, atualmente em 12,75% ao ano. O Bradesco BBI e BTG Pactual farão a coordenação e estruturação da oferta pública de cotas deste fundo.

- Esta é uma alternativa, mas a médio e longo prazo. Estamos estruturando um produto que ainda não tem prazo para ir ao mercado, mas que certamente deverá ser repetido no futuro - disse Lobão, que negou que o banco esteja "sufocando" o setor privado. - Desde a lei, foram emitidas debêntures de 33 projetos que somaram R$ 10,578 bilhões, mas o banco só comprou R$ 1,038 bilhão de 11 projetos. Estamos focando nas debêntures de menor valor, de até R$ 300 milhões.

Laura Bedeschi, chefe do Departamento de Operações Estruturadas da Área de Mercado de Capitais, afirma que o BNDES continua no mercado incentivando e comprando debêntures de infraestrutura. O setor de portos deverá ser um que deve ter projetos com debêntures. O banco já identificou ao menos 20 projetos potenciais no futuro, que poderão emitir até R$ 3 bilhões:

- Mas não é uma previsão, alguns projetos podem ser adiados, vemos que no atual cenário algumas empresas preferem se financiar com notas promissórias neste momento de turbulência. E há projetos que ainda não mapeamos, mas que o banco pode participar. Este é apenas um esboço, não estão ainda dentro do planejamento.

Para que as debêntures tenham papel relevante no total de financiamento de infraestrutura, os modelos de concessão dos projetos precisam mudar.

- O governo optou pela modicidade tarifária (o menor preço vence os leilões) nas concessões de infraestrutura. Este tipo de contrato dá menos margem para financiamento no mercado de capitais. Se o governo quiser reduzir a participação do BNDES, talvez tenha que aumentar o retorno dos projetos, é uma escolha - disse Lobão.

Conjuntura econômica não ajuda

A equipe econômica ainda não deixou claro como vai conseguir reduzir a participação do banco na economia num cenário de confiança em baixa e taxas de juros em alta. Segundo interlocutores, o ministro está trabalhando no desenvolvimento de instrumentos de estimulem a emissão de debêntures corporativas. Segundo o próprio ministro, esse tipo de aprimoramento "tende a aumentar a confiança do parceiro privado e baixar o custo do crédito".

Em entrevista ao GLOBO há dez dias, Levy afirmou: "A boa notícia é que há muitos fundos de investimento e fundos de pensão brasileiros que já se acostumaram a comprar dívida de cinco, dez e até 15 anos. Eles vão querer mais desses ativos, assim que a economia começar a se estabilizar. Os estrangeiros também, especialmente se refinarmos alguns instrumentos e desenharmos outros. O BNDES pode, portanto, ajudar a ampliar a oferta desses ativos, se construir uma nova parceria com os mercados de capital".