Um amigo me ligou para entender o que estava ocorrendo com sua mãe numa emergência privada. Arritmia cardíaca. O coração batia e apanhava.

Relato aqui minha saga, imaginando a de um leigo.

— Onde está a Sra. Slodovick?

Graça, gentil telefonista, me pergunta:

— Skol de quê?

Imagino que deva haver várias Slodovicks — na Ucrânia. Suspiro. Peço que me transfira para a emergência, pois desejava falar com um médico.

— Qual médico?

Insisto que transfira a ligação.

Alguém irritado atende. Ramal errado. Nova negociação, e chego ao ramal correto. Lá está minha ucraniana. Peço para falar com o plantonista. Telefone é um problema; pessoas, às vezes, são piores. Um ofegante doutor Pedro atende. Não era o responsável pela paciente — uma pedreira achar a pessoa certa. Como uma secretária treinada agilizaria as informações! Não é adequado interromper profissionais de saúde em atendimento.

A responsável pelo caso é chamada. Aguardo. Alguém pega o telefone. Desliga. Ligo de novo. Sou atendido por ela, recém-formada, residente de primeiro ano em... dermatologia! No seu único dia de folga, é plantonista na emergência. Esse é o padrão.

A emergência e o CTI são setores críticos em qualquer hospital; no Rio de Janeiro, os plantonistas são na maioria novatos. Pouco importa sua vivência. É a lógica financeira. Trabalhar nesses locais é como a todo momento bater um pênalti. Os técnicos de futebol, nessas ocasiões, indicam os jogadores mais experientes. Todos podem cometer erros, mas eles, em geral, erram menos. Desconfio que muitos donos de hospitais não entendam de futebol ou de pacientes graves.

A novata é gentil, mas tem muitas dúvidas. Aciona a unidade coronariana. Não há vaga. Busca ajuda de um colega mais antigo. Segue o protocolo. A paciente será transferida para onde o convênio decidir.

Os novatos, no futuro, entenderão que antiguidade não significa experiência e que protocolos envelhecem rapidamente.

A transferência ocorreu. Mas, antes, a família foi obrigada a assinar muitos papéis, aceitando os riscos por uma transferência que não era a vontade dela ou da paciente. Quanto ao hospital, será que prefere pacientes cirúrgicos?

Na ambulância, o filho foi junto com a mãe, os monitores e uma técnica. O médico, com sotaque estrangeiro, acomodou-se no banco da frente, ao lado do motorista.

O filho, policial, jamais seria garantia da segurança da paciente, nessa transferência temerária, tanto do ponto de vista médico como logístico. Foi um longo trajeto noturno, 30 quilômetros, em áreas de guerra urbana. Dois dias depois, nesse mesmo trajeto, houve tiroteio. Três mortos.

Ignorância? Imprudência? Ganância?

A impunidade estimula esse sistema de saúde míope que expõe pacientes ingênuos a riscos desnecessários, em transferências desse tipo. Mesmo ouvindo: “Mas deu tudo certo...”

Esta história real, de nomes fictícios, é cruel. Quem decide onde tratar o paciente não é mais a família ou o médico. É o sistema.