MARAGOJIPE, BAHIA- Há seis meses, era comum encontrar um verdadeiro congestionamento de escunas no Rio Paraguaçu. Durante as tardes, mais de 60 embarcações disputavam espaço. Nas ruas de Maragojipe, no Recôncavo Baiano, a 140 quilômetros de Salvador, a população corria para fazer cursos técnicos, atrás de algum tipo de especialização no setor naval. E o comércio colhia os lucros do aumento da renda com a construção do estaleiro Paraguaçu, o primeiro grande empreendimento na cidade desde o fechamento das fábricas de charutos nos anos 1940.
Hoje, o cenário é outro. Nas águas do rio, há espaço de sobra. Em Maragojipe, o otimismo com o crescimento econômico deu lugar a incertezas com a paralisação das obras. Dos mais de 7,2 mil operários que chegaram a trabalhar na construção do estaleiro, que nunca chegou a construir uma embarcação, sobraram 576 operários, que trabalham na manutenção e na segurança.
E a situação pode piorar, alertam os sindicatos. O consórcio responsável pelo projeto, o Enseada Indústria Naval, está sem receber da Sete Brasil desde novembro e pode ter de demitir até o próximo mês os funcionários que ainda trabalham na obra, um cenário que nem a própria empresa descarta. Enquanto isso, a pequena cidade, de 43 mil habitantes, sofre com a paralisação de obras de infraestrutura e o tráfico crescente, chamado pelos moradores de “ônus do progresso".
— Há várias bocas de fumo, principalmente nos distritos da cidade. É o ônus do progresso. Andar depois das 22 horas pode ser perigoso, já que o número de assassinatos vem crescendo — diz o professor Rogério Souza.

‘ENQUANTO TIVER ESPERANÇA, FICO AQUI’
Em apenas um mês, a vida de Paulo César Carvalho, de 48 anos, sofreu uma reviravolta. Com salário de quase R$ 3 mil, conseguiu comprar casa própria e dar entrada em seu primeiro carro. O salário era suficiente para sustentar a filha recém-nascida e a mulher, que está desempregada. Com o cancelamento das obras no estaleiro, sua vaga, na área de levantamento de cargas, foi extinta. Hoje, sobrevive com o valor que recebe de seguro-desemprego:
— Quando as demissões começaram, foram em massa. De repente, acabou tudo, e me desestruturei emocionalmente. Agora, recebo R$ 1.300 de seguro-desemprego e é muito difícil ver sua renda cair desse jeito. O estaleiro era um projeto de 20 a 30 anos. Na empresa, tive qualificação e fui crescendo. Quando comecei, em novembro de 2012, como ajudante de ferragem, ganhava R$ 900.
Paulo cogitou ir para Candeias ou Camaçari, na Bahia, mas percebeu que seria em vão:
— Lá também não tem emprego. Estou sem saber para onde ir. Estou pensando em virar taxista.
A 42 quilômetros de distância de Paulo, o eletricista Márcio Francisco Silva Coelho, de 37 anos, teve o mesmo destino. Morador da comunidade Enseada, uma remanescente de quilombo, a alguns metros do estaleiro, ele perdeu o emprego no mês passado. Ao trabalhar por três anos no empreendimento, ele e a mulher conseguiram juntar R$ 70 mil para iniciar a construção da primeira casa.
— Depois que eu e minha mulher fomos demitidos, decidimos parar a obra de construção da casa porque não sabemos como vai ser o futuro. Mas enquanto tiver esperança, fico aqui. Antes do estaleiro, vivia da pesca, mas não conseguia ganhar muito dinheiro. Agora, faço isso só para alimentação — disse ele, pai de Pablo Henrich Melo, de 11 anos.
A pesca foi, sem dúvida, uma das áreas afetadas. Segundo dados da prefeitura de Maragojipe, cerca de três mil famílias viviam da pesca no município. Hoje, uma das alternativas em estudo é a criação em cativeiro, diz Gilberto Sampaio, secretário de Governo da cidade.
— O estaleiro criou e depois tirou o ânimo. Cerca de 30% da mão de obra do estaleiro eram de Maragojipe. Esperamos que tudo seja retomado.

INVESTIMENTO JOGADO FORA
O comércio local também sente os reflexos da crise desencadeada pela paralisia no estaleiro, que se alastra por todo o Recôncavo Baiano. No ano passado, o empresário Máximo Armede, de 57 anos, decidiu investir R$ 500 mil na construção de um restaurante no centro de Maragojipe, chamado Paladar, ao lado da padaria que tem há mais de dez anos, onde já teve de demitir três funcionários:
— Estávamos crescendo e de repente parou tudo. Ainda há a recessão econômica. A queda já chega a 20% no faturamento. Com a operação Lava-Jato, ninguém quer assinar nada.
Em frente ao restaurante, o economista Edvaldo Queiroz, de 61 anos, também é afetado pela queda nas vendas de seu bazar, o Santa Rita. O faturamento caiu mais de 20% neste ano, diz ele:
— Ano passado, investi em uma loja de cosmético, que é a primeira da cidade. Mas o crescimento não veio como esperava. As obras trouxeram crescimento, mas hoje também sofremos com o tráfico de drogas nas áreas próximas ao centro.
Se o comércio sente os efeitos da estagnação do consumo, representantes de sindicatos e moradores reclamam da falta de infraestrutura. Com 70 escolas e uma clínica médica, a cidade sofre com estradas ruins. Eles citam o caso de uma ponte que estava sendo construída entre os distritos de São Roque e Enseada (onde está o estaleiro), obra, que, se concluída, iria encurtar a distância entre os dois pontos, hoje ligados por meio de uma estrada esburacada num percurso que leva mais de uma hora.
— Estávamos recebendo de ISS (do estaleiro) cerca de R$ 1,5 milhão por mês, dinheiro que usávamos para melhorar a limpeza e a infraestrutura — disse o secretário, lembrando que a maior parte do orçamento da cidade, de cerca de R$ 4,5 milhões, vem do Fundo de Participação dos Municípios.
O Hotel Ponto Dez, em frente ao canteiro de obras usado pela Enseada, numa área alugada pela Petrobras para o estaleiro, chegou a investir R$ 1 milhão para ampliar de 30 para cem o total de quartos. As obras no espaço, que receberia um elevador, entre outros equipamentos já adquiridos, foram suspensas.
— Não vale a pena acabar a obra em razão da incerteza sobre o futuro deste lugar. Estamos apenas acabando o telhado para não estragar o que já foi feito. É muito triste. Para se ter uma ideia, servíamos cerca de 2.500 refeições por dia e tínhamos 100% de ocupação. Hoje, não restou mais nada — afirmou José Rodrigo Nascimento, gerente do hotel.
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Funcionários so fazem limpeza e manutenção
 
MARAGOJIPE, BAHIA - Quem chega ao estaleiro Paraguaçu, da Enseada Indústria Naval, logo nota o silêncio das máquinas, os equipamentos guardados, as salas fechadas e os guindastes ainda por montar. O estaleiro, que começou a ser construído em abril de 2012 para fabricar seis sondas do pré-sal, teve de pisar no freio por falta de dinheiro, afetado pela crise financeira de seu único cliente, a Sete Brasil.
 

Sem caixa, o consórcio dono do Paraguaçu (Odebrecht, OAS, UTC e a japonesa Kawasaki) teve de cancelar a construção do empreendimento. Apesar de estar com 82% das obras concluídas, ainda faltam partes essenciais como a finalização do megaguindaste — o maior da América Latina, com 150 metros de altura —, necessário para montar as sondas, e a construção do dique seco. O projeto inicial do estaleiro previa investimentos de R$ 2,7 bilhões, dos quais US$ 85 milhões em transferência de tecnologia com os japoneses.

A falta de verba também forçou a paralisação na construção das duas primeiras sondas entre o fim de janeiro e o início de fevereiro. No caso da primeira sonda, batizada de Ondina, ainda falta a finalização dos módulos. A paralisia também afeta os trabalhos no outro lado do mundo. No estaleiro do Japão, que pertence ao sócio, a chegada ao Brasil do casco da sonda foi postergada de junho para outubro.

O Paraguaçu tem contrato com a Sete Brasil para construir seis sondas por US$ 4,8 bilhões. Hoje, os 576 funcionários remanescentes fazem apenas a manutenção dos equipamentos, assim como limpeza e segurança do empreendimento.

 
 

— Sem o dinheiro da Sete, além da redução dos funcionários, a compra de insumos foi reduzida. Ainda não dá para falar em atraso na entrega da sonda, pois a primeira unidade está prevista para 2016. E a segunda, para fevereiro de 2017 — disse Mario Artur Orges de Assis, gerente industrial da unidade.

Ele lembra que a expansão do estaleiro foi suspensa, já que a unidade ocupa apenas metade dos 1,6 milhão de metros quadrados. O estaleiro, que tem capacidade para armazenar 10 mil toneladas de chapas de aço, tem hoje duas mil toneladas em estoque.

— Se não estivéssemos nessa situação, teríamos só na parte industrial (na construção das sondas) 1.300 trabalhadores hoje. Em junho de 2016, seriam 3.500 operários — disse Orges.