A combinação entre a Operação Lava Jato e o pacote de ajuste fiscal do Ministério da Fazenda, além de uma certa dose de burocracia e brigas contratuais, resultou num amontoado de obras paradas (ou em ritmo lento) pelo Brasil afora.
Uma sondagem feita pelo Estado,com sindicatos do setor de construção pesada, levantou quase 30 grandes projetos em ritmo extremamente lento e, muitos deles, com demissões em massa.
Trecho do Rodoanel parado em São Paulo
Só nos primeiros dois meses deste ano foram fechadas 35.552 vagas no setor de construção civil, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego. Se retroagir a setembro de 2014, quando as investigações da Operação Lava Jato se intensificaram, esse número sobe para 241.580. O cenário é completamente o oposto do início de 2014, quando o País vivia o chamado "apagão" da mão de obra.
Virada. Naquela época, com a carteira cheia de projetos, as empresas se viravam como podiam para conseguir preencher o quadro de funcionários - no primeiro bimestre de 2014, o setor abriu 63.113 vagas. Mas a maré boa do setor virou com o fraco desempenho da economia, o fim das obras da Copa e o envolvimento de dezenas de empreiteiras na Operação Lava Jato.
O Produto Interno Bruto (PIB) da construção civil, considerado um dos motores de crescimento do País, despencou 5,6% em 2014 e pode cair mais 5% neste ano, segundo cálculos da GO Associados a pedido da Associação Paulista dos Empresários de Obras Públicas (Apeop). A maior preocupação está na continuidade dos atrasos de pagamentos do governo federal aos construtores.
A prática começou no ano passado como instrumento para o governo fechar suas contas e foi mantida no início deste ano com a demora na votação da Lei Orçamentária e por causa do ajuste fiscal proposto pela Fazenda. Em situação normal, as empresas até conseguiriam suportar atrasos com empréstimos bancários, afirma a Apeop.
Cofres fechados. Mas, com o escândalo de corrupção nos contratos da Petrobrás, os bancos se retraíram e fecharam os cofres para novos créditos às empreiteiras. Sem dinheiro, as empresas optaram pelas demissões e mantiveram só alguns poucos trabalhadores nos canteiros de obras para não terem os contratos rompidos.
Nessa situação estão grandes projetos estruturantes - ou seja, que têm capacidade para desenvolver regiões e empregar grande quantidade de pessoas. A lista inclui trechos da transposição do Rio São Francisco, Ferrovia da Integração Oeste-Leste (Fiol), Cinturão das Águas do Ceará e Rodoanel Norte de São Paulo, além dos grande projetos da Petrobrás que estão em ritmo lento. "O Brasil está parado. As obras não avançam", reclama o presidente do Instituto de Engenharia, Camil Eid.
Pesadelo. O que era para ser oportunidade de desenvolvimento - já que o governo apostava em grandes obras para turbinar o crescimento - virou pesadelo. "Nas cidades onde estão grandes projetos, os pequenos empresários que investiram em restaurantes, hotéis e empresas de transporte estão endividados e sem dinheiro para pagar os bancos", afirma Irailson Warneaux, do Sindicato dos Trabalhadores nas indústrias da Construção da Bahia (Sintepav-BA).
Para os trabalhadores, a situação não é diferente. Muitos deles estão desempregados e sem receber as indenizações a que têm direito. O representante do Sintepav-CE, Evandro Pinheiro, conta que as obras do Cinturão das Águas estão praticamente paradas. De dezembro pra cá, diz o sindicalista, cerca de 4,5 mil trabalhadores foram demitidos no projeto, que pretende atender 93% do Estado por meio de canais e túneis.
"O problema é que os consórcios subcontrataram outras empresas, que foram embora e não pagaram 13.º salário nem FGTS dos funcionários. Muitos continuam sem receber as indenizações e estão em situação delicada." A paralisia do projeto deve-se à redução do ritmo de repasses do governo federal ao Estado, diz a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará.
O Ministério da Integração Nacional afirmou, por intermédio de uma nota, que fez repasse de recursos neste mês. O órgão também é responsável pelas obras da transposição do São Francisco, mas garante que o fluxo de pagamento às empreiteiras do projeto está normal. Apesar disso, algumas empresas estão demitindo, afirma Pinheiro, do Sintepav-CE.
Segundo ele, a Serveng mantém apenas 600 do 1,8 mil funcionários que tinha no mês passado e a Mendes Júnior dispensou 2,8 mil trabalhadores. Mesmo negando problemas, o ministério afirmou que instaurou processo administrativo para apurar possíveis faltas cometidas pela Mendes Júnior na execução do contrato.
Em ritmo lento. A construtora também está tendo problema com as obras do Rodoanel de São Paulo. Segundo o diretor-presidente da Dersa - Desenvolvimento Rodoviário S.A,, Laurence Casagrande Lourenço, as obras do lote 1 estão num ritmo lento.
"A empresa está sendo punida e, se as respostas não forem positivas, poderemos romper o contrato. O fato de a empresa ter problema de capitalização não é um problema do governo do Estado. Hoje sou um cliente insatisfeito", afirmou o diretor- presidente da Dersa.
A Galvão Engenharia também tem tido dificuldade para tocar importantes obras, como a duplicação da BR-153 (TO/GO); Fiol (BA); e Anel Viário de Fortaleza (CE).
Além da Lava Jato e dos atrasos nos pagamentos do governo federal, a lentidão ou paralisia de algumas obras está associada a descumprimento de contrato e brigas entre o poder público e consórcios. A lista de obras inclui a construção das estações da Linha 4 do Metrô de São Paulo; Aeroporto Internacional Pinto Martins, no Ceará; e o VLT de Fortaleza.
Nos três casos, houve rompimento do contrato entre construtor e o governo. No Ceará, até hoje o governo Estadual e a Infraero não conseguiram refazer a licitação das duas obras, que estão paradas. Em São Paulo, o Metrô anunciou na sexta-feira a decisão de manter uma parte das obras com o consórcio atual (Isolux, Corsan e Corvian)e rescindir outra parte do contrato, que terá nova licitação.
Segundo o Metrô, em janeiro deste ano o consórcio foi acionado por causa da redução do número de funcionários nos canteiros e do ritmo das obras. Nos bastidores, a informação é de que a empresa reclamava da demora do Metrô para a entrega do projeto, o que encareceu a obra. O Metrô nega a informação.
Muitas vezes, as construtoras desistem das obras por que alegam que os custos são maiores que aqueles apresentados pelo poder público durante o processo de licitação. O caminho natural para uma negociação é o pedido de aditivo - de acordo com a lei, os preços podem ser aumentados em até 25% por esse instrumento. Mas, em alguns casos, as empresas já entram numa disputa de olho nesse porcentual, oferecem deságios elevados e, mais tarde, pedem revisão do contrato. Se não conseguem, abandonam a obra.
Na opinião do presidente do Instituto de Engenharia, Camil Eid, esse tipo de problema poderia ser resolvido simplesmente com um projeto básico de qualidade, e não um "rascunho", como tem sido adotado no Brasil. Além disso, é preciso eliminar alguns entraves antes da licitação, como as desapropriações e problemas ambientais. É o caso da linha Sul do Metrô de Fortaleza, que continuam em ritmo lento por causa da demora na desapropriação da área.
"Outra crítica que faço é sobre as licitações feitas pelo menor preço (ganha quem oferecer o menor preço). Os governos têm de fazer pelo preço exequível, se não as empresas continuarão a dar lances ousados e depois não darão conta de continuar as obras", disse Eid. / R.P.