A presidente Dilma Rousseff escalou o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, para transmitir sua profunda insatisfação com declarações do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de que ela nem sempre age da forma mais eficaz. Dilma, segundo interlocutores, ficou irritada e indignada ao tomar conhecimento da fala de Levy, feita na terça-feira passada em um encontro em São Paulo, e divulgada no sábado.

Mercadante telefonou ao ministro da Fazenda ainda no sábado, após tomar conhecimento da fala de Levy, feita numa palestra para ex-alunos e professores da Universidade de Chicago. “Acho que há um desejo genuíno da presidente de acertar as coisas, às vezes, não da maneira mais fácil... Não da maneira mais efetiva, mas há um desejo genuíno”, disse ele, em inglês.

A avaliação no Planalto e no Congresso é que esse tipo de discurso vindo do principal ministro da área econômica e responsável por sanear as contas públicas do País dificulta as negociações em torno do ajuste fiscal. É dado como certo que o tema deve interferir nas discussões em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, marcada para terça-feira, quando o ministro pretende detalhar seu plano de corte de gastos e a política de retomada do crescimento.

 

Foco. Declaração de Joaquim Levy sobre presidente pode contaminar debate sobre medidas do ajuste fiscal no Congresso

Foco. Declaração de Joaquim Levy sobre presidente pode contaminar debate sobre medidas do ajuste fiscal no Congresso

Resistências. Em meio a sucessivas derrotas sofridas pelo governo no Congresso, um dos principais objetivos do Planalto é que o Senado retire de pauta projeto que obriga a presidente a regulamentar a troca dos indexadores da dívida de Estados e municípios com a União, reduzindo o valor devido. Isso depende de a audiência de Levy na CAE não ser contaminada pelas suas recentes declarações.

“Ele (Levy) tem que tomar mais cuidado. É evidente que é ruim e dá munição para quem quer. A presidente já está sendo muito atacada”, afirmou, reservadamente, um ministro próximo à presidente.

A avaliação de aliados é que, se o próprio ministro da Fazenda questiona a eficiência da presidente, é difícil convencer os congressistas a aderir a um pacote de medidas impopulares proposto por ela. Para o Planalto e aliados, Levy, mais do que ninguém, precisa defender o governo em um contexto em que o ajuste enfrenta resistência da oposição e de partidos da base, entre eles o próprio PT.

Apesar do mal-estar causado pelas declarações, o Planalto trabalhará para minimizar o episódio. Espera-se que Dilma se posicione na primeira oportunidade em que for questionada por jornalistas, mas uma reprimenda dura ao ministro fragilizaria ainda mais o governo nas negociações.

Reações. No Congresso, a polêmica deve fermentar com a ajuda da oposição e do próprio PT. “Do ponto de vista político, a fala do ministro é temerária: ironiza a presidente em público. Isso corrói ainda mais a credibilidade do governo a que pertence”, afirmou o senador José Serra (PSDB-SP), suplente da CAE.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), também integrante da CAE, disse que perdeu o cargo de ministro da Educação no primeiro mandato de Lula por ter criticado o governo de forma mais branda do que fez Levy. Buarque ocupou o cargo entre 2003 e 2004 e foi demitido por telefone. “Fui dizer coisas desse tipo sobre o Lula, sem nem citar o nome dele, e acabei caindo. Lembro da frase que eu disse: não precisa do Fome Zero, basta ampliar a Bolsa Família. Essas coisas é perigoso para um ministro dizer.”

Para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), “não é recomendado a um subordinado esse grau de liberdade”. “Espera-se dele um discurso mais uníssono ao da presidente.” O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), disse que “ele quis dizer que a presidente é bem intencionada e, às vezes, as coisas não dão certo ou é difícil.

Levy não quis se pronunciar neste domingo, 29. Na noite de sábado, ele divulgou nota dizendo que sua declaração foi mal interpretada. 

 

Economia em baixa intensifica lobby de prefeitos por verbas

 

Os maus indicadores econômicos e consequente diminuição da receita dos municípios começam a ser o principal componente da pressão que prefeitos vêm fazendo sobre deputados e senadores para se reformular o modelo de distribuição de recursos da União para as cidades do País. Empenhados em não deixar secar a fonte de recursos de suas bases eleitorais, com as eleições de 2016 no horizonte, parlamentares têm atendido a esta pressão.

"Os prefeitos estão desesperados. Eles têm que mostrar trabalho. Pela crise econômica, chegarão ao ano eleitoral sem conseguir cumprir as promessas e serão cobrados por isso", disse o relator da comissão criada na Câmara para rediscutir o pacto federativo, o deputado André Moura (PSC-SE). Ele reclama da distribuição desigual da receita advinda de tributos e do custo dos 390 programas federais que ficam, diz ele, sob responsabilidade dos municípios.

A queixa é antiga. A questão do indexador das dívidas dos Estados e municípios com a União, que marcou uma derrota do governo na Casa - foi dado um prazo para que a presidente Dilma Rousseff reveja o índice atual - não é o único problema de caixa enfrentado por governadores e prefeitos. As políticas de estímulo à economia adotadas no primeiro governo de Dilma também contribuíram para emagrecer os repasses da União aos outros entes federativos.

Segundo o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) indica que medidas como o corte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de automóveis, eletrodomésticos, móveis e material de construção reduziram em R$ 190 bilhões os valores que o governo federal transferiu por meio dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios, entre 2008 e 2012. Hauly estima que, até 2014, a perda tenha sido de algo como R$ 270 bilhões.

Despesas. Além da menor arrecadação, prefeitos e governadores enfrentam o crescimento das despesas. Estudo da Confederação Nacional dos Municípios em 2013 mostra que os repasses de recursos da União e dos Estados, somados, bancam apenas 36,3% de programas como Saúde da Família, vigilância epidemiológica e farmácia básica, entre outros. A diferença é paga pelas prefeituras.

Da mesma forma, foi constatado que 64% dos municípios não conseguem cumprir a lei federal que fixa um piso para os professores. E que a União repassa R$ 0,60 por aluno para o transporte escolar, cujo custo é de R$ 5,17. O estudo da CMN calcula quanto a União deveria estar pagando às prefeituras num conjunto de programas federais. A União repassou R$ 200 mil a cada prefeitura grande para aquisição de equipamentos do Samu em outubro de 2003. E o repasse era o mesmo nove anos depois, em 2012. Com correção pela inflação, o pagamento teria de ser de R$ 419 mil, o que indica uma defasagem de 110%. "Os prefeitos estão pedindo para a União parar de levar prejuízo (aos municípios)", diz o deputado Hildo Rocha (PMDB-MA).

 

‘Vem pra Rua’ passa a ver impeachment de Dilma como factível

 

 O empresário Rogério Chequer, um dos líderes do “Vem pra Rua”, disse ontem que há “um clamor muito alto” das bases do movimento para que um eventual impeachment da presidente Dilma Rousseff seja admitido, dentro do grupo, como uma possibilidade concreta entre suas metas e palavras de ordem. “Não é um clamor pelo impeachment em si. E, de novo, lembramos a precondição de que tem de ser tudo dentro da lei”, afirmou. “Mas o fato é que começamos a perceber várias iniciativas que trazem motivos novos, argumentações de que a presidente poderia estar sujeita a uma ação por crime comum”, afirmou ele ao Estado. Disse também que hoje ou amanhã o movimento vai “oficializar” essa posição no documento sobre temas que defenderá na próxima manifestação, dia 12 de abril.

Criado no final do ano passado, o “Vem pra Rua” destacou-se nos recentes protestos de rua defendendo o “Fora Dilma” mas entendendo – até a semana passada – que “por enquanto” não via razões legais para o impeachment (da presidente)”. Essa posição vinha sendo cobrada por vários outros grupos.

Um dos motivos para se incluir o impeachment, agora, como perspectiva concreta – segundo o empresário – é a movimentação do governo em favor dos acordos de leniência que vêm sendo negociados com empresas envolvidas em casos de corrupção. “Já foram aprovados cinco, e temos vários pedidos novos em andamento”, afirmou. Chequer ressalta que não é advogado e que não tem “competência nem a função” para entrar no mérito jurídico do problema e que o impeachment não é a “causa central” do movimento. Mas admite ter ouvido muitas análises de estudiosos que consideram a instrução 74 da Advocacia Geral da União (AGU) – que trata das condições para os acordos de leniência – uma invasão do Executivo sobre áreas de competência do Judiciário. 

‘Plano’. “Não podemos ficar calados diante disso. O que parecia um plano iniciado no Executivo, interferido no Judiciário, invadindo a AGU, passado pelo TCU e aterrissado na Controladoria-Geral (CGU) começa a se deflagrar”, explicou.

Ele diz não estar sozinho nessa percepção. Menciona “outras iniciativas” de advogados e de partidos políticos, como o PPS – cujo deputado Raul Jungmann (PE) pediu ao Supremo Tribunal Federal uma avaliação sobre a constitucionalidade dos acordos de leniência. “Cresce a ideia de que se consiga pelo menos uma investigação sobre o papel da presidente nisso tudo”, resumiu Chequer.

Ele diz não ter medo de que esse gesto seja visto como um passo à direita e, assim, prejudique a imagem do grupo. “Não é radicalização, de modo algum. Não estamos fechando o foco, continuamos com todas as outras demandas – por ética na política, por cidadania, por um basta à corrupção e à má gestão dos recursos públicos”, concluiu.