Dois indicadores econômicos divulgados na semana passada – a previsão de que a inflação pode ficar acima de 8% este ano e a maior taxa de desemprego para fevereiro desde 2011 – reforçam o comportamento ainda mais cauteloso do consumidor. Para segurar os gastos, na hora de ir ao supermercado, ele está mais disposto a experimentar, como mostra uma pesquisa do instituto Data Popular (ler quadro abaixo). A mudança de comportamento pode beneficiar empresas que investem em produtos mais baratos, além de aumentar a participação das marcas próprias de grandes varejistas. 

Entre as companhias que estão buscando abocanhar fatia de mercado nesses tempos de crise está a fabricante de bens de consumo Hypermarcas. “É o momento da escolha inteligente”, diz o presidente da empresa Claudio Bergamo. “É a hora de melhorar a relação custo-benefício dos produtos. E estamos com uma série de propostas nesse sentido.”

A Hypermarcas disputa mercado em segmentos em que Unilever, Procter & Gamble, Johnson & Johnson são consideradas marcas “premium”. No segmento de fraldas, por exemplo, lançou uma linha da marca Pompom que “garante um bebê sequinho por até 14 horas” – benefício que será usado para brigar em pé de igualdade com opções mais caras nas prateleiras de farmácias e supermercados. 

Ao longo do ano passado, lembra Bergamo, a empresa “repaginou” marcas como Monange (beleza feminina), Bozzano (beleza masculina) e Cenoura & Bronze (protetores solares). Os esmaltes Risqué também ganharam nova fórmula, que agora é hipoalergênica. “A gente já vinha com essa visão (de oferecer um bom custo-benefício). Achamos que, em 2015, isso vai ficar mais disseminado.”

A Hypermarcas não é a única que está se mexendo para oferecer opções que caibam no bolso do consumidor. O Grupo Pão de Açúcar está investindo pesadamente na ampliação de seu portfólio de marcas próprias – especialmente nos supermercados e hipermercados Extra, bandeira voltada à classe C. 

A companhia já oferecia desde 2008 a marca Qualitá, também presente nas lojas Pão de Açúcar, a um preço 15% mais baixo do que a média das líderes das categorias em que atua. Desde o ano passado, o grupo criou duas marcas exclusivas para o Extra que têm uma proposta ainda mais agressiva: redução de 30% em relação às líderes. O rótulo Pra Valer oferecerá uma linha extensa de produtos – de alimentos a produtos de limpeza –, enquanto a Liss terá opções mais baratas em produtos como sabonete líquido e itens para manicure.

“O objetivo é que as marcas próprias sejam mais atrativas não só do ponto de vista de preço, mas também porque estão sempre presentes nas gôndolas – o que nem sempre é possível para outras marcas de posicionamento intermediário”, explica Rafael Berardi, gerente de marcas próprias do GPA. 

A aposta do grupo controlado pelo francês Casino nas marcas exclusivas tem razão de ser: os rótulos próprios representam 10% das vendas da companhia em suas lojas de varejo alimentar. A força das marcas próprias também aparece na concorrência. Segundo a consultoria Euromonitor, a marca Carrefour já ocupa a quinta posição do mercado brasileiro no segmento de carnes processadas, atrás somente de Sadia, Aurora, Seara e Perdigão.

O grupo chileno Cencosud, controlador de redes como GBarbosa, Bretas e Prezunic, é novato na experiência de marcas próprias e conta com o empurrãozinho do cenário macroeconômico para fazer esse segmento deslanchar. Os primeiros produtos com a marca Prezunic apareceram nas gôndolas há um ano e já somam 128 itens. A meta é atingir 300 até dezembro. “Esse é o momento da marca própria”, diz Samuel Ramos, gerente desta área no Cencosud Brasil. “No mercado brasileiro, elas representam 5% do total, enquanto no Reino Unido, chegam a 40%. Lá fora, essa expansão se deu justamente em momentos de crise.” 

Custo-benefício. O histórico global mostra que, em épocas de baixa na economia, a tendência é o consumidor ficar mais atento a preço, diz Ana Paula Tozzi, presidente da consultoria em varejo GS&AGR. Esta, segundo ela, é a hora de as marcas premium buscarem uma aproximação com o consumidor usando suas marcas alternativas (e mais baratas). 

No caso de companhias que já atuam em um segmento mais intermediário, a tendência é de aparecimento de ofertas mais agressivas, com a criação de pacotes especiais. Afinal, é a chance que essas fabricantes têm de conquistar um cliente que, em tempos de bonança, não experimentaria seus produtos. 

O sucesso das marcas de posição intermediária em convencer o cliente a experimentá-las varia de acordo com o “apego” do consumidor a cada categoria. O comportamento não é uniforme. De maneira geral, no entanto, uma pesquisa feita pela Nielsen mostra que o cliente está mais disposto a economizar em alimentos e bebidas alcoólicas e menos propenso a trocar as marcas que elegeu como preferidas em seus produtos de higiene e beleza. 

 

Setor de fast-food vive 'onda' de promoções

O mercado de alimentação fora de casa viveu uma espécie de “boom” no Brasil na última década, com crescimento real acima de 10% ao ano. O movimento, no entanto, esteve ligado à redução do desemprego e ao aumento da renda. Em 2015, com a deterioração do cenário econômico, a expansão do segmento de food service deverá ficar abaixo da inflação. Ou seja: em termos reais, o mercado vai andar para trás.

“No ano passado, o crescimento já ficou muito abaixo da média, em cerca de 3,5%, quando descontada a inflação”, diz o consultor Sérgio Molinari, sócio da Food Consulting. “Para 2015, o mercado já trabalha com a hipótese de retração.”

É por isso que o objetivo das maiores redes do País – as de fast-food – é proteger mercado. A líder McDonald’s, que sozinha domina cerca de um terço do segmento, segundo dados da consultoria Euromonitor, está perseguindo essa meta. 

A preocupação atual da gigante americana é garantir que o público que está com menos dinheiro no bolso não se sinta abandonado pela rede. “Quando o poder de compra diminui e o endividamento aumenta, naturalmente as pessoas reduzem a alimentação fora de casa”, diz Roberto Gnypek, vice-presidente de marketing do McDonald’s Brasil.

Para garantir que o cliente siga comparecendo à loja, o McDonald’s aposta em ofertas que garantam uma refeição abaixo de R$ 10: há hambúrgueres por R$ 5, sanduíche triplo por R$ 6,50 e combos de batatas gigante por R$ 1 a mais. “Tenho de manter market share (participação de mercado) agora, pois o Brasil tem potencial extremo no nosso mercado”, explica o executivo.

A concorrência também já percebeu que o consumidor está mais sensível a preço. Na rede Subway, por exemplo, as opções promocionais – batizadas “Barato do Dia” e “Baratíssimo”, vendidas a R$ 8 e R$ 6,50, respectivamente – ganharam o status de carro-chefe de vendas. “De fevereiro para cá, percebemos um aumento de 20% na procura por essas ofertas”, afirma Leandro Florio, gerente nacional de marketing da Subway. “Essas ofertas oferecem uma redução de 40% em relação aos preços cheios.”

Tanto no caso da Subway quanto do McDonald’s, de acordo com Sergio Molinari, da Food Consulting, há também um ganho de mercado proporcionado pela redução da renda disponível também na classe B. 

As duas redes são beneficiadas porque o cliente que já havia migrado para o casual dining (lojas semelhantes às do Outback) e para lanchonetes com apelo saudável estão voltando a se interessar por suas ofertas. Esse público, diz Molinari, ainda pode se dar ao luxo de comprar os combos das redes de fast-food, que exigem um desembolso médio que não supera a marca de R$ 20.