BRASÍLIA - Na visão do ministro do Desenvolvimento e Comércio Exterior, Armando Monteiro, a cotação atual do dólar é uma “janela de oportunidade” para a exportações, que precisa ser aproveitada. Ele acredita que a depreciação do real veio para ficar, embora reconheça que a cotação atual, em parte, decorre do momento de instabilidade. Ao GLOBO, Monteiro destacou que o câmbio valorizado pode mitigar o efeito do custo Brasil e estimular a substituição de importações. E defendeu o ajuste fiscal como precondição para reequilibrar a economia. A seguir, os principais trechos da entrevista:

CÂMBIO

Ninguém contesta que a exportação, agora, é um canal que não podemos, de forma alguma, deixar de considerar. O dólar está nos dando uma janela de oportunidade. Acho que essa depreciação veio para ficar, ainda que reconhecendo que, nessa cotação de hoje, há algo que decorre do momento de certa instabilidade. Mas, descontado esse efeito, o real vai continuar a ter uma tendência de depreciação. A economia americana está se fortalecendo muito e a política monetária lá está mudando, para elevar os juros. Tudo aponta para que se tenha, em perspectiva de médio prazo, essa depreciação. Sofremos muito naquele longo período de apreciação. Vamos começar a mitigar, ou compensar, algumas desvantagens que ainda temos, sobretudo com o chamado custo Brasil. São custos sistêmicos, de infraestrutura, associados à estrutura tributária, ao custo de capital. O câmbio compensa um pouco esses problemas estruturais. E tem um fator importante: ele estimula a substituição de importações. A indústria recupera espaço perdido para importação.

AJUSTE FISCAL

 

 
 

O ajuste fiscal é fundamental. Não é porque sou do Desenvolvimento que pensaria diferente. Compreendo que, neste momento, temos de fazer o ajuste com certa velocidade, dado o quadro fiscal. O ajuste é uma precondição para reequilibrar a economia. É claro que, dada a minha trajetória, gostaria que o ajuste fiscal no Brasil se desse pela redução do gasto, mas o gasto no Brasil tem um componente de rigidez muito grande. Quando você tira as chamadas despesas obrigatórias (folha de pessoal, financiamento da Previdência e transferências constitucionais), ao fim, o que fica é pouco. O padrão de ajuste fiscal no Brasil em todo esse período mais recente é sempre, em tese, de má qualidade. Você corta um pouco o investimento e aumenta impostos. Diante dessa rigidez do gasto público, o governo está fazendo tudo o que pode do lado das despesas. Um contingenciamento fortíssimo nos gastos discricionários (custeio e investimentos). Uma dieta severa. E, pela primeira vez, o governo transpõe, a meu ver de forma corajosa, uma fronteira que até então ninguém ousava transpor, que é a de ir para alguns chamados benefícios sociais, onde há distorções evidentes, como no caso do seguro-desemprego, das pensões por morte, do auxílio-doença, do abono salarial. Essas despesas, até então, eram intocáveis. O que resta fazer? A primeira coisa seria uma revisão das desonerações. Reconheço que isso, para o setor produtivo, é duro, mas como essas desonerações foram muito ampliadas no ano passado, no esforço para se fazer as chamadas medidas anticíclicas, o governo teve de voltar um pouco à situação anterior a 2014.

 

CONGRESSO

O espaço para que as medidas (do ajuste) sejam alteradas no Congresso é pequeno. Respeitando a soberania e a independência do Legislativo, a governabilidade decorre de um processo de coordenação dos poderes. Quem governa não é apenas o Executivo. O ajuste é para reequilibrar a economia. Se não for feito, teremos um custo muito maior para a sociedade. O esforço que está sendo feito não é para fazer um superávit brutal. É para fazer 1,2% (do PIB). O Brasil já fez mais, 3,5%, 4%, em período duro de ajuste, seja do pós-crise de 1998, seja quando Lula assumiu. Estamos fazendo um brutal esforço para atingir 1,2%. Um ajuste severo, porque, se saímos de um déficit de 0,6% ano passado, para construir 1,2% é preciso fazer um esforço maior. Por isso digo: a margem no Congresso é estreita. Não dá para imaginar que há espaço para diminuir o alcance dessas medidas de forma mais drástica. Não dá. A partir daí, é preciso apresentar novas medidas que possam ajudar o ajuste. A meta tem de ser alcançada.

PLANO NACIONAL DE EXPORTAÇÃO

Preservamos o Reintegra (que devolve às empresas parte do que foi recolhido em tributos na produção de bens exportados). Estamos oferecendo ao exportador previsibilidade. O período mais agudo do ajuste fiscal será em 2015 e 2016 (quando a alíquota para o crédito será reduzida). Em 2017, a alíquota subirá para 2%. Em 2018, para 3%. Há R$ 1,5 bilhão no Orçamento para equalização das taxas de juros pelo Programa de Financiamento das Exportações (Proex). Ainda estamos discutindo essa questão com a equipe econômica, para que, até o lançamento do plano, tudo esteja definido. Haverá, espero, uma margem para que possamos ir além desses limites. Queremos a manutenção dos spreads atuais (diferença entre juros internos e os captados no exterior, coberta com recursos do Tesouro) do Proex, que vão de 1,5% a 25%. O Proex é um instrumento fundamental: para cada R$ 1 do programa, você exporta R$ 20. Quando você tem um sistema de garantias bem estruturado, qualquer agente financeiro entra no negócio de financiamento da exportação. Diria que hoje, para fechar o Plano Nacional de Exportação, precisamos tornar os instrumentos atuais mais fortes, recalibrando-os do lado das garantias e do seguro.

POLÍTICA COMERCIAL

A política comercial precisa ser muito pragmática. O Brasil deve buscar se associar a países com mais dinamismo. O Mercosul foi uma grande conquista e não vamos abandoná-lo, mas temos de ter um olhar sobre outras áreas, como o mercado americano. Os Estados Unidos representam uma grande perspectiva de negócios na área que mais nos interessa, que é a de manufaturados. Como a Argentina ficou retraída, vendemos mais manufaturados para o mercado americano no ano passado. Outro foco é a costa do Pacífico. Há boas oportunidades de melhorarmos nossas exportações para Colômbia, Peru e Chile. A indústria automobilística pode ter presença ampliada nesses mercados. E renovamos o acordo automotivo com o México. Faremos missões comerciais e ações firmes de promoção e inteligência.

INVESTIMENTOS

Não tenho dúvida que os empresários continuarão investindo no Brasil. Grupos empresariais com os quais temos contato todo dia dizem que mantêm seus programas de investimento. As empresas que realmente têm uma presença no Brasil sabem que isso é algo cíclico. É um processo que o país vai passar num menor ou maior prazo, mas vai ultrapassar. Esse reflexo no BNDES é natural. Houve revisão de taxas. É natural que olhando o cenário macro e esse problema da revisão das taxas haja, no primeiro momento, retração. Hoje, as pessoas só percebem as dores do ajuste, ou os custos associados a ele. Quando começarem a perceber o bônus, ou seja, o reequilíbrio da economia, a confiança volta e se fortalece.