O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) vai disparar nesta semana alertas a bancos, empresas e outras instituições para que passem a comunicar qualquer movimentação atípica envolvendo servidores públicos. 

Também integram o “grupo de risco” do Coaf agências de turismo, postos de gasolina que realizam factoring (negociação de créditos), empresas de comércio exterior – em razão de remessas ilegais –, importadores de produtos que podem ser usados para produzir drogas, sites de vendas de internet, movimentações de cartões de benefícios – pelos quais pode-se praticar agiotagem –, contas bancárias de estudantes – pelas quais pode circular dinheiro do tráfico –, além de prefeituras que contratam shows sem licitação.

A atenção redobrada sobre servidores e postos de gasolina, por exemplo, se deve à experiência adquirida com a Operação Lava Jato. Isso porque foi a partir de suspeitas sobre as movimentações financeiras de um posto de combustível de Brasília que a Polícia Federal conseguiu desbaratar o megaesquema de lavagem de dinheiro e corrupção na Petrobrás.

Localizado a três quilômetros do Congresso, o Posto da Torre era um dos que realizavam factoring. E serviu, segundo as investigações, de base de pagamento de propinas. A operação da Polícia Federal, inclusive, foi batizada de Lava Jato por causa desse posto.

Servidores públicos ou ligados a estatais também são protagonistas do escândalo. Funcionários da Petrobrás, como Pedro Barusco e Paulo Roberto Costa, movimentaram milhões dentro e fora do País a partir de desvios em contratos da companhia.

O Coaf é um órgão vinculado ao Ministério da Fazenda que atua na prevenção e no combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo. Tem a função de identificar ocorrências suspeitas e comunicá-las às autoridades policiais quando concluir que houve indícios de lavagem, ocultação de bens ou qualquer outro ilícito.

Bancos, operadoras de cartões de crédito, lojas de arte, antiguidades, joias, pedras preciosas, loterias, juntas comerciais, entre outros, são orientados a avisar o Coaf sobre movimentações suspeitas. As instituições financeiras já são obrigadas a alertar o órgão fiscalizador quando há transação que supere os R$ 100 mil. Outros alertas podem ser dados em operações menores, como aquelas que movimentam valores superiores a R$ 10 mil, desde que haja uma suspeita do banco.

Essa é a terceira vez que o Coaf divulga alertas para segmentos financeiros e comerciais em todo o País. Segundo o presidente do órgão, Antonio Gustavo Rodrigues, funciona como um “fique esperto” para determinadas transações que possam ter aparência de legalidade. É preciso atualizar os informes porque há uma sofisticação dos métodos para lavagem de dinheiro cada vez que um esquema criminoso é desbaratado. 

Em alertas anteriores, o Coaf chamava a atenção para esquemas que incluíam, por exemplo, o “aluguel” de contas bancárias. O sistema financeiro foi avisado de que integrantes de quadrilhas abordavam clientes de bancos nos terminais de autoatendimento das agências alegando não possuírem conta corrente. Diante da necessidade de receber, com urgência, transferência de recursos para pagamento de despesas médicas de familiares, “alugavam” a conta, prometendo comissão à pessoa abordada. Investigações mostraram que criminosos usam esse mecanismo para receber dinheiro de sequestro e outros crimes sem deixar rastro. O dinheiro era sacado e o criminoso desaparecia em seguida.

Trâmites. Após receber avisos sobre movimentações atípicas, o Coaf produz Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs). O próximo passo é o encaminhamento do material para órgãos de investigação como a Polícia Federal e o Ministério Público, que apontam a ilicitude. 

A Lava Jato foi iniciada a partir de relatórios elaborados pelo Coaf encaminhados à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal ainda em 2011, três anos antes de a operação ser deflagrada, em março de 2014. As informações eram de movimentações suspeitas nas contas de empresas e pessoas físicas ligadas, por exemplo, ao Posto da Torre. Ao todo, o órgão fiscalizador do Ministério da Fazenda já produziu 182 relatórios para a Lava Jato.

 

'O problema é descobrir o erro no dia a dia’

 

Em entrevista ao Estado, o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antonio Gustavo Rodrigues, disse que o sistema de inteligência financeira funciona bem, mas que as vezes é difícil você desconfiar de uma operação que tem aparência de normalidade. "São bilhões de transações que ocorrem todos os dias. Se eu virar corrupto de um dia para o outro e depositar R$ 10 mil na minha conta como é que o banco vai descobrir? Isso vai chamar a atenção? Pelo meu movimento, não.." Nesse sentido, os alertas preventivos à lavagem de dinheiro são feitos para tentar chamar a atenção para novos casos. "São coisas que você vai pegando e vai incluindo. Como é a forma de trabalhar do cara." 

Que mudanças operações como a Lava Jato trazem para o Coaf?

Tem o aprendizado das tipologias que estão usando. O modus operandi. A forma de trabalhar do cara. São coisas que você vai pegando e vai incluindo. Há anos atrás tinha uso de cartão pré-pago para fazer saque. Você descobre o fenômeno, conversa com o regulador para evitar que aconteça. O objetivo dos alertas é para que os bancos prestem atenção. Você transmite para vários setores: - preste atenção para esse tipo de coisa.

Na Operação Lava Jato, a mulher do João Vaccari, tesoureiro do PT, fez saques picados para evitar que o banco comunicasse a operação ao Coaf. Em várias investigações isso ocorre. Porquê?

No caso dos bancos têm uma norma do BC que diz que eles devem comunicar operações acima de R$ 10 mil que sejam suspeitas. Ele deve olhar a situação, a lista de alertas, verificar se é suspeita e comunicar. Não é qualquer operação acima de R$ 10 mil. Tem o valor agregado de o banco conhecer o cliente. Se achar suspeito, comunica. Tem um segundo grupo que é de natureza automática. No caso dos bancos qualquer saque ou depósito em espécie acima de R$ 100 mil tem que ser comunicado se houver suspeita ou não. Se forem dois saques de R$ 50 mil o banco deve perceber isso como uma tentativa de burla à comunicação automática e fazer como suspeita. O mesmo se o cara fez três saques de R$ 33 mil, um de R$ 99 mil.

Os criminosos se aproveitam do fato de não ser obrigatório comunicar ao Coaf operações financeiras acima de R$ 10 mil? 

A última vez que fiz esse levantamento, 20% das notificações que recebíamos de banco eram inferiores a R$ 10 mil. Se os bancos pegam um cara (com operação suspeita de) R$ 500, R$ 1.000, eles comunicam. Tem situações que a comunicação tem valor zero. A pessoa foi lá fazer uma proposta de uma operação que não se consumou e eles comunicam. Você baixar mil reais, com o volume de transações que ocorre todo dia? A gente vai ser entupido de informação e com isso você perde o foco. 

O senhor já conseguiu identificar se bancos estão falhando nas comunicações ao Coaf?

É papel do Banco Central fiscalizar isso. São bilhões de transações que ocorrem todos os dias. Depois que o cara é bandido tudo o que ele fez esta errado. O problema é você descobrir isso no dia a dia. Tem situações que pode envolver funcionário, gerente (do banco), que eventualmente participe de algum esquema, pode acontecer. Pode haver falha do sistema? Pode. Se eu virar corrupto de um dia para o outro e depositar R$ 10 mil na minha conta como é que o banco vai descobrir? Isso vai chamar a atenção? Pelo meu movimento, não. Depois que eu virar corrupto famoso, todo mundo vai dizer: - O banco não comunicou. O banco tem cliente de baixo risco. Se esse cara sai do trilho vai ser muito mais difícil de ele pegar.

Qual a situação mais difícil de ser identificada como atípica?

Você tem empresas que pelas características de operação deveriam requerer uma diligência mais profunda e ai sim ser menos tolerante quando passar coisa. Você pode ter uma empresa regular que faça negócios e essa empresa de repente entrou para lavar dinheiro. Dentro do universo do negócio dela um pedacinho passou a ser para lavar dinheiro. Como seria fácil para o banco perceber isso? Uma empresa que faturava R$ 1 milhão e de repente faturou R$ 1,1 milhão. Você vai lá, ela tem prédio, tem maquina, tem faturamento. É muito difícil de perceber. Agora, essa coisa funciona como um sistema. Tem o banco, o Coaf, a PF, o MPF. Todo mundo tem um papel. Não tenho a menor dúvida que esta funcionando. A própria Lava Jato começou a partir de relatório do Coaf, de uma boa investigação da polícia que na investigação eles foram descobrir elementos que foi puxando essa coisa toda. A gente diz: - Tem alguma coisa estranha acontecendo aqui.

Dois tesoureiros do PT foram presos acusados de corrupção. Por que não incluir tesoureiro de partido político entre as pessoas politicamente expostas, que tem atenção especial?

O objetivo é outro. É um ministro, senador, governador...Ser politicamente exposto não é crime. Não se trata de uma pessoa corruptamente exposta, nem financeiramente exposta. Você pode achar que o prefeito de uma cidade de dois mil habitantes é politicamente exposto. Ele é. Mas num país com cinco mil municípios, por um problema operacional, a regra só atingiu os prefeitos das capitais. Daqui a pouco isso vai ser revisto. É uma evolução natural isso ser revisto em algum momento, mas essa discussão [sobre prefeitos] não esta colocada agora.

O número de comunicações ao Coaf diminuiu no ano passado. Por que? 

Várias vezes foram colocados critérios de informação automática de baixíssima utilidade. A gente estava recebendo todo mundo que ganhava prêmio de loteria e que se identificava na Caixa. Isso é de baixa utilidade. Agora eles só comunicam quando o sujeito ganha vários prêmios. São 4.400 comunicações em 2014. Quando você olha no total, cai. 

Algumas pessoas do governo defendem transferir o Coaf da Fazenda para o Ministério da Justiça. Essa discussão esta colocada institucionalmente? Qual a posição do senhor?

Eu não acho que tenha que alterar, mas se for alterar põe num lugar que vá agregar algum valor. Para mim nesse caso seria a PF. Agora, isso gera um outro problema. O Coaf conversa com vários parceiros, a PF, o MPF, a polícia estadual, MPE e assim vai. Se você põe na PF você pode criar alguns probleminhas de relacionamento que de vez em quando você vê nos jornais de que a PF e o MPF não se entendem. O Coaf acaba sendo um órgão neutro. 

 

Denunciante do Swissleaks diz que quer ajudar Brasil

 

O perito em informática Hervé Falciani, denunciante do caso Swissleaks, revelou ao Estado que pretende colaborar com as investigações sobre correntistas brasileiros envolvidos em ocultação e lavagem de dinheiro em paraísos fiscais. O engenheiro foi autor do vazamento de informações do HSBC Private Bank, em 2008, e desde então colabora com o Ministério da Justiça e com magistrados da França na identificação dos responsáveis por fraudes fiscais. Uma equipe da Procuradoria-Geral da República está em Paris em busca de informações do governo francês.

Falciani já colabora com a administração de países como Islândia, Índia e Argentina, e buscou contatos no Brasil por meio de organizações não-governamentais, como a Tax Justice Network - a colaboração nunca avançou. "Precisamos de um contato oficial da administração brasileira. É preciso que o governo nos peça para ter acesso a todas as informações disponíveis", disse Falciani. "A partir desse contato, nós vamos ajudá-los."

Segundo Falciani, empresas e correntistas do Brasil são os maiores clientes dos chamados Private Banks, com frequência vinculados a escândalos de ocultação, lavagem e repatriamento de dinheiro originário de corrupção, de evasão fiscal e do crime organizado.

Além da Receita Federal, a Procuradoria tem interesse em identificar os correntistas que possam ter ocultado contas e recursos no exterior. Por isso, os procuradores brasileiros começam hoje uma série de encontros com autoridades do Ministério Público e do Ministério da Justiça da França em busca de colaboração nas investigações do caso.

A equipe é integrada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e pelo secretário nacional de Justiça, Beto Vasconcelos. Os dois têm agenda oficial na manhã de hoje, quando a comitiva se encontrará com o embaixador do Brasil, José Maurício Bustani. À tarde, os magistrados participarão de um seminário sobre colaboração internacional na luta contra o terrorismo. A principal reunião acontece amanhã, quando os procuradores terão encontro com autoridades da Corte de Cassações, do Ministério Público Financeiro e do Ministério da Justiça da França.

Escândalo. O escândalo Swissleaks veio a público pela primeira vez em 2008, mas durante sete anos em momento algum a Receita Federal solicitou ao governo da França acesso à lista de correntistas. A situação só mudou em março, depois que o jornal Le Monde e o Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (CICJ) começaram a revelar parte dos nomes de 106 mil clientes de 203 países que, entre 2006 e 2007, mantinham depósitos da ordem de US$ 100 bilhões que transitaram pela filial de Genebra do HSBC Private Bank. Em relação ao Brasil, 8,6 mil clientes teriam um total de US$ 7 bilhões em 6,6 mil contas bancárias da agência suíça.